domingo, 29 de agosto de 2010

curtinha gira

O meu filho trata-me por Nan.

Nan era como os irmãos da minha mãe a tratavam em pequenos.

Este blog está paradito, pois tem uma das mão ocupada a abanar-se. Odeio Verão. Odeio Inverno também.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Perto de casa

Hoje à noite o Palácio da Pena estava particularmente fantasmagórico, uma luz difusa no meio da bruma no topo da serra. Amanhã a manhã será fria, de certezinha.

Adoro que o Palácio da Pena seja visível praticamente em toda a região metropolitana de Lisboa, mais coisa, menos coisa, pelo menos numa estrada ou numa praia, ou num ponto mais alto. Para mim, faz honras de farol e faz-me sentir perto de casa. E caramba, como me sinto bem ao sentir-me perto de casa.

Desde que vivemos juntos, exceptuando as férias que passamos na estranja, eu e o Hugo voltamos sempre para casa um dia antes do previsto. Não me lembro mesmo de nenhuma vez que isto não tivesse acontecido. E não estou a falar de grandes temporadas, estou a falar de cinco, seis dias. Muitas vezes, menos.

Vivia sozinha com a minha mãe e estávamos as duas em Fortaleza quando ela faleceu. Passei lá três semanas ainda, e, enquanto todos temiam a minha reacção ao regresso, eu só conseguia pensar em voltar para casa.

Não tenho alma viajante, ou nómada, nem nada disso. Sou sempre por voltar a lugares que conheço em vez de conhecer novos. Gosto de pertença e de conhecer. Em termos de espaço físico, sou muito consciente da minha zona de conforto.

Se é por ser imigrante? Talvez. Não sei, mamãe era igual.

E ela também tinha mil e uma teorias sobre como prever o tempo só de olhar para o Palácio da Pena, de onde quer que estivesse.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

18 meses

E se, há até pouco tempo, a palavra "cão" era a sua única ponte de contacto com o "nosso" mundo, hoje este bebé já percebeu como funcionam outras coisas.
Já sabe que os óculos vão na cara, a escova de dentes vai na boca e a de cabelo, na cabeça. Já sabe que o babete vai no pescoço, que as toalhitas vão no corpo todo, que as sandálias vão nos pés.
Já sabe que a vassoura varre, que o telecomando muda a TV e que não deve mandar o telemóvel para dentro da banheira e que, por isso, diz "não" antes de o mandar.

Andava sem comer até tomar vitaminas e agora come as paredes.

Faz uma dança nova cheia de pliers, parece que se vai mandar num salto ao ar, mas não.

Passou-se com uma toalha de praia do Noddy, acho que porque o Noddy era maior do que ele. Pensei que ele fosse ter uma síncope com a emoção.

Se a porta estiver aberta, ele entra ou sai. Sempre. Qualquer porta.

É o único bebé do mundo que não gosta de gelatina.

Todos os homens magros de óculos do mundo são Uhh (Hugo). Quando não lhe ligam como o Uhh lhe liga, fica muito confuso.

Adora roubar coisas dos armários e não é raro vê-lo a correr com latas de atum, champôs, pensos, sacos de lixo, pela casa fora, todo ele gritinhos de excitação por ter mais uma vez passado a perna aos pais.

Tem os olhos mais escuros que já vi na vida.

Adora cantar.

(Agora vou ver se convenço o pai a pôr mais coisas)


Já sabe que o pato é para a banheira e também o livro de banho.
Já sabe pedinchar guloseimas quando so pais as estão a comer.
Já sabe que depois de beber o biberão de manhã basta esticar o braço que alguém o vai buscar.
Já sabe que os pais andam todos babados e que se pode lançar de qualquer lado que alguém lhe ampara a queda.
Também sabe que o pai se queixa do trabalho que ele e a mãe dão , mas que quando se deita fá-lo com um sorriso nos lábios.


Mais:

o mundo animal divide-se em qua-quas (pombos, patos, galinhas) e cão (tudo o resto).

Já entrámos com toda a força na fase Noddy, que para ele é Téti.

Tem uma verdadeira loucura pelo Cucu do Babyfirst. Loucura mesmo: ri-se, bate palmas, dá gritinhos e faz cucu ao Cucu.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Pessoas que não se viam há anos a pôr a conversa em dia em sussurros por trás de óculos escuros, o farfalhar do plástico das flores que vão entrando, olhares que percorrem as faixas das palmas. Família sofrida, pais emagrecidos, misericordiosamente sob o efeito de ansiolíticos, e toda a gente à volta a comungar da ideia de que é tão injusto, tão jovem e lindo e cheio de vida que aquela pessoa era.

Dói mais para quem se lembra daquela pessoa assim, linda, jovem, cheia de vida. Quem esteve por perto tem a imagem da cama de hospital, do IV, das máquinas, um resquício do que quem tanto amavam foram um dia. Para quem esteve perto, a memória é outra bastante diferente e o momento inicial, aqueles primeiros dias, são de choque e também alívio. Porque hoje vão dormir numa cama em casa, sem temer nenhum telefonema, e amanhã não irão ao hospital, e amanhã não terão nenhuma má notícia.

Amanhã não terão nenhuma má notícia. E isto sabe a lotaria. Não há mais dor, nem cansaço, nem derrota.

Claro que depois vem o momento de desfazer o quarto, de dar roupas, de desmontar toda uma vida. Mas isso é depois. Pode até ser um ou dois dias depois, ou pode ser um mês depois, ou pode ser muito tempo depois. E aí é outro assunto, outra ponte a atravessar.

Mas para já, o que importa é que amanhã não terão nenhuma má notícia.

Letras Traduzidas & Tenacidade

Ai, Letras Traduzidas... Corria de mês a mês à banca de revistas da Dom Luís para ver se tinha saído, e se era desta que trazia a letra daquela música linda da novela das 8, e em português, caramba. Aí podia cantar finalmente sem fazer figura de ursa, sim, porque mesmo aos 11, 12 anos, na Fortaleza da década de 80, mau inglês já era mau inglês.

Já em Portugal, aí aos 13, 14 anos, caí de amores pelos Beatles e por aquelas colectâneas da década de 50 e 60. Não dizia duas frases pegadas de inglês, mas era ver-me o dia todo com o toca-fitas (leitor de cassetes tinham vocês), passa para trás, passa para frente, hmmmm, isto soa-me a "toss the dice", vamos lá ao dicionário ver TODAS as palavras que soam minimamente a toss the dice, e lá se foram 20, 30 minutos num verso só, até que BAMBAM! Cá tenho a letra da música, com algumas falhas, é certo, porque só conseguia procurar o que distinguia minimamente. E aí já não precisava de traduzir, porque vinha tudo, literalmente palavra a palavra, do dicionário.

Era de uma tenacidade feroz. Lembro-me de que, assim, saquei, sem saber uma palavra de inglês, entre outras, "happy together", dos Turtles, "Norwegian Wood", "Blackbird" e várias outras dos Beatles, "Find my Love" dos Fairground Atraction e muitas, muitas outras.

Até hoje é-me impossível gostar de uma canção e não procurar a letra, não mais na Letras Traduzidas, não mais esperando pelo fim do mês a ver se a minha canção estava entra as vinte daquele número. Como para tudo o resto, mesmo tudo o resto, temos o Tio Gúgol, generosíssimo e incrivelmente culto.

Mas claro que a nostalgia bate, de vez em quando. Sacio as saudades do método quando estou a ouvir rádio e toca aquela cena fixe e nova, e lá estou eu de orelha arrebitada.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Duas gabriélicas

- Uma pergunta que me costumavam fazer quando eu estava grávida era se ia falar com o bebé em português ou brasileiro. Ora bem, eu não escolho, era o que respondia. O meu sotaque adapta-se naturalmente ao ouvinte, foi sempre assim. Nada é forçado, nada é artificial. Mas, dizia eu, buchuda, que acho que vou falar com ele como falo com o Hugo, que é uma coisa muito misturada.
Afinal não. Quando estamos todos juntos, sim, falo com ele como falo com os meus amigos de cá. Separados, a dois, é bem diferente. O sotaque do meu coração é o sotaque da minha mãe e de todo mundo para trás. O sotaque com que falaram comigo quando tinha a mesma idade do meu filho. Não só o sotaque, como as expressões, as brincadeiras, as rimas e canções. Volta-me tudo sem esforço. E despeço-me todos os dias à porta do infantário com um sonoro "mamãe te ama muito".

- Papai sobre o Gabriel: "Só lhe digo 'não'quando a segurança dele está em risco. De resto, ele está aprendendo os seus limites e a confiar em si próprio. Não podemos sabotar isso agora. Ele precisa de rédea solta para se conhecer".
Ora bem, eis um raro caso em que filha e pai (já agora, marido) partilham da mesma opinião. Agora é a hora de o Gabriel conquistar o mundo. Há muito tempo pela frente para o mundo lhe impor regras e o conquistar a ele. Não tenho pressa e lá vou cumprindo o meu papel de escudeira, a seguir os minipassinhos a toda a parte, forçando-o o mínimo possível a seguir-me a mim.
"Ah, ele vai ficar mal acostumado". É um risco que estou disposta a correr com um grande sorriso nos lábios.

domingo, 8 de agosto de 2010

O Melhor Verão de Sempre

É impossível manter uma criança de 18 meses medianamente entretida dentro de um T2 por mais de, vá, 40 minutos antes de ela começar a tirar os livros das prateleiras, tupperwares dos armários, enfiar dedos nas tomadas, dedos nas ventoinhas, dedos em tudo que não é feito para dedos. Por isso, desde que chegou o bom tempo, que os nossos fins-de-semana são sempre iguais: acordamos, vamos a algum lado para cansar o Gabriel, e lá ficamos até ao meio-dia. Voltamos para casa, almoçamos (quando não comemos fora), Gabriel desmaia, pais desmaiam, e assim ficamos todos até às quatro, hora do lanche e da saída número dois, que vai até às oito, mais coisa, menos coisa, voltamos para casa, jantamos, bebé desmaia, pais têm algum Me Time, ou Us Time antes de também desmaiarem.

Parece cansativo, né? E é. Mas o que temos reparado é que, na tentativa de sermos inovadores e criativos nas saídas, nós também nos divertimos imenso com ele: estamos sempre dum lado para o outro, vendo ou coisas novas ou coisas com novos olhos - os dele, que são, diga-se de passagem, uma pedra.

Muito diferente dos anos anteriores em que mal saíamos para ir à praia, tamanho era o "cansaço" (haha, quando me lembro disso) ou a preguiça. Paradoxo dos paradoxos, fazíamos muito menos coisas antes de ter o Gabriel, porque podíamos ceder à muito justa vontade de anhanço.

Este Verão vamos ficar por aqui mesmo, não dá para ser de outra forma. Mas não faz mal, vivemos numa zona com muitas opções, além de ser a menos de 10 minutos de carro da praia. Sem problemas. Já está a ser o Verão mais movimentado de sempre. O mais cansativo, mas, de longe, mesmo de longe, o mais divertido também.

E isto tudo ocorreu-nos hoje, já passados uns bons dois meses, se não mais, de essas maratonas de fim-de-semana terem começado. Só hoje. Podres de cansaço, voltando para casa, o Hugo toca-me no ombro, pensei que fosse para dizer alguma coisa.

"É só carinho. Fogo, estamos mesmo fixes. Está tudo a correr bem."

Pááá ptitititaaa cuaaa nééé, concorda a cria, no banco de trás.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Curtíssima

Há anos que não sentia tantas saudades da minha mãe.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças

É a tradução do fenomenal "The Eternal Sunshine of the Spotless Mind" de Spike Jonze, no Brasil, cá toscamente traduzido por "O Despertar da Mente", que tanto dá para um filme sobre religião quanto sobre LSD. Na busca por um título mais acessível culturalmente, as distribuidoras às vezes falham em ver que o mais acessível está mesmo debaixo dos seus narizes.

Mas não é sobre tradução de títulos de filmes, este post. Este post é sobre apagar memórias.

Quem tem memórias fortes, das más, digo eu, daquelas mesmo más, costuma ser assaltado por elas quando abre os olhos à noite por um motivo ou por outro. Mais ou menos frequentemente, mas dou o meu dedo seu-vizinho, com aliança e tudo, a quem disser que tem uma lembrança horripilante que não o assole de vez em quando. E à noite, entre sonos.

Tenho umas duas ou três memórias horripilantes. Pouco tempo depois de acontecerem, costumavam visitar-me dentro do carro. Sempre dentro do carro, fazendo-me hiperventilar e ter de parar. Tinha de respirar fundo, telefonar a alguém, desviar o pensamento de qualquer forma. Era sempre no carro, e hoje penso que isso acontecia porque o carro é uma extensão de nós mesmos quando viajamos sozinhos. Isolados do resto da rua, sem qualquer máscara, estamos de guarda baixa. Com o tempo, desenvolvi mecanismos para substituir as memórias horripilantes por outra imagem qualquer, até que elas deixaram de aparecer dentro do carro. Aparecem agora nesses períodos de vigília na madrugada.

Quando uma memória horripilante aparece, faz-nos crer que tínhamos o poder de impedir que o momento horripilante acontecesse e não o fizemos. Não é como pôr um filme a rebobinar e a passar outra vez, sabendo exactamente o que vai acontecer. Com a guarda baixa, no meio da noite, ensonados, a memória horripilante aparece em aberto, apontando-nos o dedo, pondo o momento em pause e perguntando: E agora, como é que isto acaba? E pumba, acaba da mesma maneira, porque, aí está, é já uma memória, não mais um momento.

Isto para dizer que odeio quando dizem que os momentos maus fazem parte do que somos, do nosso aprendizado. Quem diz isso não tem memórias horripilantes. Não aprendo nada com elas. Não aprendi nada por ter vivido esses momentos, souberam apenas a castigo, sabem ainda, porque ainda voltam para me assombrar. Estaria bastante melhor sem essa bagagem. Seria uma pessoa muito mais feliz.

No dia que inventarem a máquina de tirar memórias, lá estarei eu na primeira fila.