terça-feira, 31 de maio de 2011

Rapidinha sobre o Terceiro Mundo

Na minha infância passada na gigantesca casa da minha avó, no fim dos anos 70 e começo dos 80 no Nordeste brasileiro, ouviam-se as empregadas a falar dos filhos que tinham perdido ainda em bebés, por um motivo ou por outro. Filhos e irmãos. A morte das crianças era algo bastante presente na vida delas. Não era presente na nossa vida de classe média, mas era na delas.

A minha mãe trabalhava numa creche para menores carenciados na periferia de Fortaleza. Não se passava uma semana sem que um bebé morresse por desnutrição, tuberculose, pneumonia. Eu não tinha irmãos nessa altura, e apegava-me a esses bebés (mamãe levava-me com ela muitas vezes) para depois saber que tinham morrido. Assim. Eu lembro-me do nome de algumas delas - Frederico, Nonato, "Cuscus", Mariana -. Pergunto-me se alguém, fora as mães, caso sejam vivas, ainda se lembra que eles existiram.

E é por isso que odeio, como já disse aqui antes, quando dizem que Portugal é um país de terceiro mundo. Quero lá saber se é força de expressão, é insultuoso e leviano. Há outros termos mais adequados, de certezinha - não sou eu que vou dizer, até gosto bastante deste país - mas terceiro mundo não é um deles.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Dantes pensava o contrário

E hoje em dia, ao ter de imitar o Coisa num minuto para, no minuto seguinte, ser um dinossauro feroz e depois andar no avião do Noddy e depois fazer uma fila de conga só porque isso o faz rir à brava, e desenhar Rucas e patos e barcos num quadro mágico e cantar, cantar, berrar e cantar e fazer muitas cócegas, mudei completamente de ideia.

O Gabriel é uma fonte da juventude. Sinto-me mais nova, mais alerta, mexo-me mais. E, pasmem, divirto-me muito mais. Somos atirados à força para uma segunda infância e, já aqui, mais vale gozá-la. E é uma vida muito boa onda, muito alto astral, muito cheia de gargalhada mesmo quando estamos de chuva, porque este emprego assim o exige.

Somos três putos, cá em casa.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Hatepost

ODEIO, ODEIO, ODEIO, ODEIO a tal da Aurea, ou melhor, a cançãozinha patética que por aí anda.

É a letra mais mais vazia de todos os tempos, em inglês primitivo, a dizer nada de porra nenhuma com a voz da Duffy. É menina para o Chuva de Estrelas, para ganhar o Chuva de Estrelas, diria até - mas não há um pingo, um ÁTOMO de originalidade naquilo, nem de inteligência, nem de nível, nem de nada. Não é nada. É uma grande e gigantesca pilha de caca, de caca má.

Morro de pena que as rádios - e o povo atrás, é claro - caiam aos pés de algo tão fraudulento e medíocre, imitaçãozinha reles em língua mal aprendida dizendo que é retro, vintage ou o canequinho que o parta.

Mil vezes, MILHÕES DE VEZES Tony Carreira e Ágata e tudo aquilo que se faz para os bailaricos, mas que se faz com a própria cabeça e o próprio idioma, com autenticidade e alma - sim, alma.

AAAAAARGH, como eu odeio a Aurea.

Pronto, é isto.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Para mim, só para mim.

We have become so obsessed with getting rid of our obsession, with riding on top of our suffering and ignoring its many inherent messages that we lose the pieces of ourselves waiting to be found in, beneath and through it...

domingo, 22 de maio de 2011

Queria guardá-la mais tempo

Mas ela foge-me.

Dália.
É o único nome de colega da minha mãe de que me lembro, a recepcionista com quem ela se dava mais. Todos os outros desvaneceram, e não vão voltar nunca. Nunca mais. Estou a tentar lembrar-me deles há dois dias. Nenhum voltou.

É impossível descrever o que é isto, o buraco que é isto e a noção de que o buraco não vai parar de crescer e ela um dia vai ser um sorriso, uma voz lá longe, uma coisa que aconteceu na minha vida e acabou cedo, com memórias tão nítidas como as do meu primeiro emprego, ou do primeiro namorado, ou de outras coisas que lá foram - mas, ao contrário dessas coisas que passaram e que um ou dois momentos me bastam para as ter, a coisa-mãe eu queria ter para sempre. Como não foi possível tê-la para sempre, queria guardar tudo dela na minha memória.

Obviamente que não consegui.

E sim, o meu sonho é dizer olá, Melânia, obrigada e adeus, mas não consigo. Posso até dizê-lo, mas dois dias depois estou a farejá-la, ansiosa e carente, dentro da minha cabeça.

Isto tudo porque há dois dias fui à minha agência bancária, a agência com a qual ela sempre trabalhara nos anos todos em que fora mediadora imobiliária. E perguntei o nome do gerente à moça à caixa. E quando ela disse o nome completo do senhor, ouvi a voz da minha mãe a dizê-lo. Deve ter doído mesmo, porque a moça perguntou se estava tudo bem comigo.

sábado, 21 de maio de 2011

O outro lado

Tá bem, é a vida editada: escolhemos os nossos melhores momentos, fotos e tiradas para mostrar no Facebook. Como o meu irmão uma vez disse ao ver-me fotografar a comida que tinha feito: "bonito era postares a loiça por lavar". Podia até ser, mas aí já não seria a tal vida escolhida. E sinto-me fraudulenta, às vezes, é verdade. Porque sou oversharer e dada a sentir-me sozinha com facilidade (e o meu trabalho não ajuda), uso bastante o Facebook, e a minha vida ali parece não ter momentos menos bons (para isso, existe o blog).

Mas...

Pude voltar a "falar" com gente com quem julgava nunca mais vir a cruzar-me, mandar bocas a malta que nunca ousaria abordar de outra forma, mudar de opinião sobre pessoas de quem não gostava. Conheci gente nova e muito fixe e quebrei preconceitos que me incomodavam muito. Fora contactos de trabalho e coisas mais práticas, como trocas de coisas, agenda de eventos para miúdos, informação sobre a minha biblioteca...

É um mundo bom de vidas editadas, perfeitas. Se calhar, não é fraudulento. Se calhar, é apenas uma oportunidade de termos isso mesmo, a vida como a escolheríamos.

Uma tentativa de existência sem problemas nem momentos chatos.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Elas voltaram

As insónias. Trouxeram consigo todos os velhos amigos do dark side.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Uma pequena indiscrição consentida

Fomos ao spa. Caraças, somos pobres, mas somos filhos de Deus, então surpreendi-o com uma ida ao spa assim, no meio da semana. E lá estávamos nós no hammam, altamente pimpões, quando nos trazem flutes com champanhe. Eu ergo-a: a mais dez anos de felicidade, meu amor.

E ele gela. Mas GELA. Como se tivesse cometido a maior gaffe da vida dele. Ficou sem palavras, gago.

Casámos há cerca de três anos e meio.

É tão fácil tirar o pio a um homem.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Difícil não notar que,

com o tempo, vou precisando cada vez mais da presença do meu pai. Cada vez que ele se vai embora me custa um pouco mais do que a anterior, e mais dias até retomar a vida normal.

Aos 20 anos não precisava dele para nada. Mesmo! E agora, a bom passo para os quarenta, vejo-me menina do papá. Não devia ser diferente? Não devia ser, tipo, O CONTRÁRIO? Sou mãe e esposa antes de ser filha, agora. No entanto, estou sempre a telefonar para o meu pai para irmos almoçar ou isto ou aquilo.

Sou uma pessoa de pessoas, gosto de estar cercada de gente e valorizo muito os meus amigos, tudo gente boa, generosa e disponível. Mas família, para mim, é âncora. Sinto-me meio à deriva sem eles. Ou por outra, quando estou com eles todos - quantos mais melhor: às vezes vêm as primas de Barcelona e tias do Brasil - sinto-me em terra. Acho que tudo faz mais sentido.

Queria muito tê-lo cá a viver. Dava o mindinho.
Mas as coisas são como são.

Era uma vez

Pessoas do bem que tiveram uma boa ideia e depois acabou.

Fiquei triste, tinha acabado de conhecer o projecto. Espero bem que cheguem a um acordo com a câmara, porque é uma causa bonita. Como disse a Cátia, também sou sempre grata a quem põe em prática sonhos comunitários.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

quinta-feira, 12 de maio de 2011

O meu quadro preferido


Tinha 13 anos quando fui ao Prado e fiquei mesmo muito tempo a olhá-lo - todo mundo fica, a coisa é gigantesca e cheia de pormenores. Mas não vou escrever clichés - que, não se enganem, quase todo mundo vai buscar na hora à wiki - sobre coisas de que não sei falar. Só acordei com As Meninas em mente e gostaria muito de voltar a vê-lo e achá-lo a maior coisa do mundo, além de lindo. Lindo deve continuar, mas imagino que deva ter encolhido um pouco com o tempo.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Na sala de embarque de Heathrow

Na volta de Londres, à espera dum atrasadíssimo voo da Tap para Lisboa. Ao pé de nós, um rapazote de cinco ou seis anos perdido, é abordado por uma senhora que o leva a um segurança. Desaparecem e passam-se um ou dois minutos, ouve-se no altifalante que se encontrou um menino perdido de camisola vermelha que não falava inglês. Pouco depois, vê-se uma tipa da minha idade, baixinha como eu, fato de treino e rabo de cavalo, sem pinga de sangue na cara, a gritar por um nome, de olhos arregalados, num pico de adrenalina. Perguntei-lhe se era um menino de camisola vermelha - apontei para a minha, ela disse que sim com a cabeça e apontei-lhe por onde o menino tinha ido com o segurança. Quando olhei, estavam montes de pessoas a apontar o mesmo caminho, quase formando um corredor para a mulher.

Quando ela apareceu agarrada ao rapazote, a cobri-lo de beijos e a ralhar-lhe numa língua esquisita e a dar-lhe tautaus nervosos ao mesmo tempo, tive de sair de perto do Hugo para chorar sossegada.

E choro até hoje, quando me lembro.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Da farofa e dum erro ortográfico que odeio

- Farofa é um acompanhamento divino para qualquer prato. Farofa fica bem até com lasanha. Uma correcta farofa só leva óleo - muito - e sal. Farofa não serve para salpicar o feijão, isso é reduzir a farofa a tempero. Farofa é das melhores comidas do mundo. A melhor farofa do mundo é a de Fortaleza. No resto do Brasil a farofa não presta, só serve mesmo para salpicar o feijão. Eu faço uma farofa fabulosa - só com óleo e sal, obviamente.

- Um acento serve para marcar a tónica da sílaba, e não para abrir ou fechar ou nasalizar vogal. Por favor, parem de escrever cházinho e pézinho.

domingo, 8 de maio de 2011

Feira do Livro (curtíssima)

É a única altura em que a editora Replicação teria a mesma exposição do que uma paquidérmica Leya, que transformou editoras em chancelas. E que podias descobrir que achavas interessante os títulos da Editora Espírita, porque o stand dela tinha o mesmo tamanho do da Bertrand e chamava-te a mesma atenção.

Mas não, agora a Leya tem um shopping lá dentro, bem como outras gigantes, jogando a dantes tão igualitária Feira do Livro para o mundo em que os pequenos vivem sempre de mês para mês, com poucas hipóteses de se deixarem conhecer - até serem engolidos por um grande grupo que monta um shopping ali para o meio.

É muito triste.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Tudo tem um lado bom

O lado bom de não ter férias pagas, nem subsídios de ordem alguma, segurança social deficiente e - o pior de tudo - não saber de onde vem o salário daqui a três meses é poder acordar o filho às tantas, estar com ele HORAS no ron-ron-ron de manhã, ir buscá-lo a horas decentes e ir ao parque ou à praia todo santo dia em que não chove.

Todos os dias, no parque ou na praia, olho para o Hugo enquanto o Gabriel chafurda na areia ou no meio dos patos e digo: esta vida é um luxo.

Outros luxos: tomar pequeno-almoço com a Tatas, beber café com as tradutoras durante a semana... Dinheiro e estabilidade não há mesmo, e noites preocupadas abundam. Mas ser-se dono do próprio tempo não tem preço. Especialmente quando a instituição onde o marido trabalha institui horário flexível e o dito passa a sair às 17. Um luxo. Tempo é luxo.

domingo, 1 de maio de 2011

Do que a sua mãe mais gosta?*

Nada de flores (a coisa mais inútil do mundo, nas palavras dela), chocolates (não gostava, como o meu filho) ou postais (é mais ou menos como as flores). O que a minha mãe gostava mesmo era de uma boa passeata num shopping cheio de lojas baratas. A prenda? 50 eur para desbundar em cacarecos mais inúteis do que flores.

A minha mãe esteve por cá até aos meus 27 anos e aos 17 do Fernando. Não sei o que o meu irmão tem dela, porque o Fernando é todo amor e compaixão e muitos beijinhos, como o meu pai. Eu sou a esquisita dos dois: pouco táctil, nada carinhosa (a não ser com o meu filho e marido), muito poupada e determinada em quase tudo. Sou resiliente e criativa na maioria das situações. E isso, devo-lhe claramente a ela.

Adoraria vê-la como avó.
É tão injusto, ninguém devia morrer aos 50 anos.

* campanha do Boticário deste ano.