sábado, 31 de dezembro de 2011
Taking the Leap
Já que o ano vai ser de dureza, que tal dar uma de "morto por cem, morto por mil" e dar o salto, seja que salto for? É a minha sugestão de menu para a noite de hoje: pensar o sonho, pensar no primeiro passo em direção ao precipício.
Um 2012 de Louco para todos, é o que desejo.
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
Coisas que não escrevi em 2011
Adoraria ter a capacidade de desenvolver temas organizada e inteligentemente como alguns bloggers que por aqui andam, mas é difícil! Cada vez sou pior a encadear pensamentos, sai tudo sempre muito caótico e palavroso e emotivo demais. Autodiagnostiquei-me com um leve ADD (com a ajuda da Internet).
Enfim, queria ter escrito sobre uma série de coisas que não escrevi (por N razões), e deixo aqui algumas delas. Pensei e não escrevi
- Sobre coisas que eu dizia enquanto não era mãe e que caíram por terra.
- Sobre a delicadeza que, num segundo casamento, a pessoa que chega deve ter para não desequilibrar a dinâmica familiar (e não se tornar odiada).
- Sobre a dureza da reprogramação mental depois de uma perda, por mais pontos finais que coloquemos ao luto.
- Sobre inspiração, de onde ela vem.
- Sobre quem eu e o Hugo éramos quando nos conhecemos.
- Sobre algumas coisas feias que não consigo evitar sentir.
- Sobre o ginásio em que ando agora, que adoro e que é diferente de todos os outros em que já andei.
- Sobre o aceitar o lado negro das pessoas e aprender onde pôr o limite.
- Sobre o café do Manel.
Enfim, queria ter escrito sobre uma série de coisas que não escrevi (por N razões), e deixo aqui algumas delas. Pensei e não escrevi
- Sobre coisas que eu dizia enquanto não era mãe e que caíram por terra.
- Sobre a delicadeza que, num segundo casamento, a pessoa que chega deve ter para não desequilibrar a dinâmica familiar (e não se tornar odiada).
- Sobre a dureza da reprogramação mental depois de uma perda, por mais pontos finais que coloquemos ao luto.
- Sobre inspiração, de onde ela vem.
- Sobre quem eu e o Hugo éramos quando nos conhecemos.
- Sobre algumas coisas feias que não consigo evitar sentir.
- Sobre o ginásio em que ando agora, que adoro e que é diferente de todos os outros em que já andei.
- Sobre o aceitar o lado negro das pessoas e aprender onde pôr o limite.
- Sobre o café do Manel.
Os melhores do ano
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
Bebegugrafia - 3
Bem, agora que se aproxima a tua grande apresentação ao mundo, a tua mãe padece de dores. A culpa aparentemente é tua que andas lá dentro dum lado para o outro a abalroar tudo o que consegues. Os ossos, o estômago, os rins, os intestinos e os dentes, embora desconfie que a dor que a tua mãe tem neles não seja responsabilidade tua, mas já que existes, é bom ter um bode expiatório para os males que surgem na família.
Estamos um bocado ansiosos com a chegada e o nosso coração bate mais depressa. Podes ficar descansado, no entanto, que já te comprámos tudo. Nem te passa pela cabeça a tralha que entrou em casa. Não temos espaço para mais nada e andamos desejosos que cresças para vendermos as tuas coisas de bebé cheio de peneiras a futuros pais. Só em roupa deves possuir, sem querer exagerar, mais peças que o teu pai e a tua mãe juntos. E olha que a tua mãe…
Aos poucos lá vamos percebendo que a nossa vida vai mudar mesmo imenso. A tua também, não penses que vais estar aí no fofinho e quentinho o resto dos dias e, aviso-te já que, se a temperatura cá fora continuar assim, vais passar por um mau bocado, isto apesar da carrada de aquecedores Becken que comprámos na Worten a 34,95 euros cada.
Uma informação importante para ti é que o teu pai e a tua mãe são doidos por cinema. Convém que saibas já isso porque a determinada altura da tua vida vais tomar consciência de seres depositado aleatoriamente em casa de amigos e familiares por 3 horas para que os teus queridos progenitores possam ver um filme ou outro. Era bom que não lhes desses muito trabalho nessas ocasiões.
Só para tu veres a vida dos teus pais a mudar, ontem, enquanto víamos as apresentações de filmes antes da nova fita do mestre Eastwood, os namorados enroscavam-se e diziam despreocupados uns aos outros, Oh amor temos de ver este, Oh querida este é que deve ser bom.
O teu pai e a tua mão pegaram na barriga que é a tua actual casota e comentaram:
- Achas que ainda conseguimos ver este?
- Hum…Parece-me que este tem de ser no Blockbuster...
19/01/09
Estamos um bocado ansiosos com a chegada e o nosso coração bate mais depressa. Podes ficar descansado, no entanto, que já te comprámos tudo. Nem te passa pela cabeça a tralha que entrou em casa. Não temos espaço para mais nada e andamos desejosos que cresças para vendermos as tuas coisas de bebé cheio de peneiras a futuros pais. Só em roupa deves possuir, sem querer exagerar, mais peças que o teu pai e a tua mãe juntos. E olha que a tua mãe…
Aos poucos lá vamos percebendo que a nossa vida vai mudar mesmo imenso. A tua também, não penses que vais estar aí no fofinho e quentinho o resto dos dias e, aviso-te já que, se a temperatura cá fora continuar assim, vais passar por um mau bocado, isto apesar da carrada de aquecedores Becken que comprámos na Worten a 34,95 euros cada.
Uma informação importante para ti é que o teu pai e a tua mãe são doidos por cinema. Convém que saibas já isso porque a determinada altura da tua vida vais tomar consciência de seres depositado aleatoriamente em casa de amigos e familiares por 3 horas para que os teus queridos progenitores possam ver um filme ou outro. Era bom que não lhes desses muito trabalho nessas ocasiões.
Só para tu veres a vida dos teus pais a mudar, ontem, enquanto víamos as apresentações de filmes antes da nova fita do mestre Eastwood, os namorados enroscavam-se e diziam despreocupados uns aos outros, Oh amor temos de ver este, Oh querida este é que deve ser bom.
O teu pai e a tua mão pegaram na barriga que é a tua actual casota e comentaram:
- Achas que ainda conseguimos ver este?
- Hum…Parece-me que este tem de ser no Blockbuster...
19/01/09
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
Bebegugrafia - O maior
A tua prima Adriana nasceu no dia em que o Benfica venceu o Sporting por um zero, depois dum voo glorioso do Luisão que cabeceou a bola para dentro da baliza enquanto o Ricardo, Guarda-redes do Sporting na altura, se queixava duma falta. Gesticulou e gritou com vigor com todos os que lhe apareceram à frente até ficar sem voz com a gritaria e, por fim, percebendo que o árbitro não ia voltar atrás na decisão, lá foi para a baliza amuado e desgostoso com o futebol português. Se estivéssemos numa escola primária e a bola fosse dele, acabava com a jogatana logo ali.
Se foi falta ou não, não sei. Nos programas de televisão da semana seguinte discutiu-se muito e como sempre nestes casos, os adeptos do Sporting defenderam a falta e os do Benfica apregoavam a legalidade do lance. O Ricardo telefonou para todos os debates que pôde a dar a sua opinião, que não foi frango nenhum e que foi abalroado pelo gigante defesa benfiquista. Chegou a jurar por todos os santos, numa voz abatida e magoada dum menino de 5 anos a quem não lhe foi feita uma vontade, que a culpa não foi dele. Que a verdade desportiva foi vilipendiada mais uma vez e com claros prejuízos para o emblema de Alvalade.
O Benfica foi campeão nesse ano, era treinador o Trapattoni, e dentro da nossa família é evocada a efeméride sempre que se recorda a azáfama do dia do seu nascimento, normalmente nos jantares de Natal. Por isso, esse acontecimento vai estar sempre presente na vida da Adriana. Quando nasceu, o Benfica ganhou ao Sporting e foi campeão umas semanas depois. E olha que já não ganhávamos há 13 anos. Grande Adriana!
Isto para te dizer que no próximo Sábado, quando nasceres, também vai ser dia de Derby. Claro que isso implica que, contigo por perto, o teu pai não se vá pôr beber cerveja como um animal, nem chamar nomes maldosos ao árbitro. Não te quero dar um mau exemplo logo na primeira noite. Se estiveres acordado na altura, o que duvido, irás ver um progenitor calmo, consciente das suas funções e bastante civilizado quando confrontado com as vicissitudes normais duma transmissão futebolística. Poderás respirar de alívio face ao que te calhou em sorte.
Mas gostava que a tua vinda ao mundo seja marcada, tal como a Adriana, por uma boa notícia. Eu nem sequer me vou importar muito com o clube que escolheres. Para mim é-me igual ao litro. Prometi não me imiscuir nesse procedimento e, se queres que te diga, vou cumprir a promessa. O teu Avó, o meu pai, teve sempre uma atitude cool nesse assunto. Não se meteu e acabei por ser do clube rival. Mas o problema resolveu-se, levava-me aos jogos do Oriental. Se fores Sporting ou Porto levo-te aos jogos do Olivais e Moscavide que sempre são mais baratos. Pronto, está decidido. Mas duvido que tal venha a acontecer, o meu padrinho, o Pedro, já fez saber que não vai descansar enquanto não disseres a palavra mágica. Leve o tempo que demorar.
A tua prima Adriana, por exemplo, foi desde cedo ensinada a dizer Benfica sempre que ouvisse a pergunta “Quem é o maior?” E olha que nunca se enganava quando espicaçada para a habilidade.
Um dia, estava eu em amena cavaqueira com ela, tentando perceber a esperteza da miúda e no meio da averiguação pergunto-lhe quem era o maior, se a Girafa se o cão. A resposta veio na ponta da língua:
- O Benfica!
Se foi falta ou não, não sei. Nos programas de televisão da semana seguinte discutiu-se muito e como sempre nestes casos, os adeptos do Sporting defenderam a falta e os do Benfica apregoavam a legalidade do lance. O Ricardo telefonou para todos os debates que pôde a dar a sua opinião, que não foi frango nenhum e que foi abalroado pelo gigante defesa benfiquista. Chegou a jurar por todos os santos, numa voz abatida e magoada dum menino de 5 anos a quem não lhe foi feita uma vontade, que a culpa não foi dele. Que a verdade desportiva foi vilipendiada mais uma vez e com claros prejuízos para o emblema de Alvalade.
O Benfica foi campeão nesse ano, era treinador o Trapattoni, e dentro da nossa família é evocada a efeméride sempre que se recorda a azáfama do dia do seu nascimento, normalmente nos jantares de Natal. Por isso, esse acontecimento vai estar sempre presente na vida da Adriana. Quando nasceu, o Benfica ganhou ao Sporting e foi campeão umas semanas depois. E olha que já não ganhávamos há 13 anos. Grande Adriana!
Isto para te dizer que no próximo Sábado, quando nasceres, também vai ser dia de Derby. Claro que isso implica que, contigo por perto, o teu pai não se vá pôr beber cerveja como um animal, nem chamar nomes maldosos ao árbitro. Não te quero dar um mau exemplo logo na primeira noite. Se estiveres acordado na altura, o que duvido, irás ver um progenitor calmo, consciente das suas funções e bastante civilizado quando confrontado com as vicissitudes normais duma transmissão futebolística. Poderás respirar de alívio face ao que te calhou em sorte.
Mas gostava que a tua vinda ao mundo seja marcada, tal como a Adriana, por uma boa notícia. Eu nem sequer me vou importar muito com o clube que escolheres. Para mim é-me igual ao litro. Prometi não me imiscuir nesse procedimento e, se queres que te diga, vou cumprir a promessa. O teu Avó, o meu pai, teve sempre uma atitude cool nesse assunto. Não se meteu e acabei por ser do clube rival. Mas o problema resolveu-se, levava-me aos jogos do Oriental. Se fores Sporting ou Porto levo-te aos jogos do Olivais e Moscavide que sempre são mais baratos. Pronto, está decidido. Mas duvido que tal venha a acontecer, o meu padrinho, o Pedro, já fez saber que não vai descansar enquanto não disseres a palavra mágica. Leve o tempo que demorar.
A tua prima Adriana, por exemplo, foi desde cedo ensinada a dizer Benfica sempre que ouvisse a pergunta “Quem é o maior?” E olha que nunca se enganava quando espicaçada para a habilidade.
Um dia, estava eu em amena cavaqueira com ela, tentando perceber a esperteza da miúda e no meio da averiguação pergunto-lhe quem era o maior, se a Girafa se o cão. A resposta veio na ponta da língua:
- O Benfica!
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
Bebegugrafia - os anos do Metal
Os anos do Metal foram talvez aqueles em que o teu pai se sentiu mais feliz em toda a sua vida. Não pretendo com isto desfazer do teu nascimento nem das emoções que senti com ele, mas a verdade é que a felicidade, pelo menos para mim, sempre esteve inversamente proporcional à responsabilidade que uma pessoa possa assumir para si própria. Estou convicto que nada é melhor nesta vida do que não ter que pagar hipotecas a bancos estropiados, não trabalhar uma única hora ou poder ter a liberdade de evitar fazer compras Sábado de manhã num hipermercado apinhado de gente infeliz.
Seja como for, o conceito de responsabilidade como deves talvez imaginar, era coisa que não fazia parte do meu juízo quando tinha os meus 14 anos. As únicas coisas que realmente os meus pais me exigiam eram que passasse de ano e não rompesse as calças nos joelhos a jogar à bola. Hoje, aos 36 anos, este grau de exigência até me faz sorrir enternecido, mas na altura, confesso, tanto uma condição como outra eram bastante difíceis de cumprir.
Foi então que, no meio deste idílio vivencial, nos finais dos anos 80, que o teu pai começou a ouvir a música que todos os rapazes dos subúrbios ouviam na altura. Era o chamado Heavy Metal que simbolizava, para todos nós que o sentíamos, a afirmação duma certa individualidade não só perante os nossos pais mas, também e essencialmente, perante uma sociedade que se preparava para nos começar a cobrar comportamentos e condutas que não estávamos muito interessados em seguir.
Imbuído neste espírito contestatário, comecei a detestar todos os artistas que não se vestissem de preto, não tivessem cabelo cumprido ou cujo aspecto não fosse assim a dar para o ameaçador. O Heavy Metal era uma música feita por chungas para chungas e convenhamos, agora que passaram 20 anos, o teu pai não era propriamente um beto da linha de Cascais.
O primeiro grupo que comecei a gostar foi, claro, dos Iron Maiden. Todos os dias alguém levava um álbum deles para a escola e emprestava-o ao seu semelhante. O dono do disco era sempre um homem tido em grande conta e possuir um exemplar dos Iron Maiden era um símbolo de status quo nada negligenciável. Claro que em contrapartida o vinil andava a rondar pela turma toda e quando chegava às mãos do dono, presumo que não viesse nas melhores condições, mas isso, como os jornalistas gostam de chamar, era assunto tabu. Apesar de 1988 terem lançado o Seventh Son of a Seventh Son, um disco baseado num livro de Orson Scott Card sobre uma criança com poderes de vidência, era o mítico Somewere in Time, lançado em 86, que tinha mais êxito entre os putos. A explicação é simples. Além de ser um disco melhor, embora seja apenas a minha opinião baseada no meu gosto que tanto na altura como hoje não é de fiar, a capa dele era absolutamente fantástica. Nela via-se o Eddie (a mascote ameaçadora do grupo) de pistola de lazer na mão a passear pelas ruas de Londres num futuro longínquo. Era impossível aos 14 anos não se ficar vidrado naquele desenho e a desejar, não só, ter o disco, como também formar logo a seguir uma banda de Heavy Metal. Este foi o primeiro álbum que ouvi dos Iron Maiden e também deste estilo musical. Fiquei fascinado, claro, e aqueles solos da guitarra do Adrian Smith ou do Dave Murray mexiam comigo e, quanto mais alto os ouvia, mais louco ficava. Abanava a cabeça com força e tocava na guitarra imaginária imitando, na medida do possível, as posições do solo. Era um orgasmo performativo purificador para mim mas um motivo de preocupação para a minha mãe que passava os dias a trabalhar para me proporcionar algum futuro. Mantenho o sonho de ver um espectáculo deles ao vivo um dia destes. Os Iron Maiden para os machos com mais de 32 anos e suburbanos foram os Rolling Stones dos anos 70 e todos eles conseguem cantar de fio a pavio músicas intemporais como o Wasted Years ou o Stranger in a Stranger Land ou mesmo a reconhecer de imediato o solo melancólico inicial do Alexander the Great.
Mas nem só de Iron Maiden vivia o som pesado.
Mais rudes e sujos eram os grandes Manowar. Em 1988 lançaram o seu melhor disco de sempre, Kings of Metal. A grande potencialidade dos Manowar residia no ambiente gótico que conseguiam criar em todas as músicas. As suas canções estavam pejadas de reis que perseguiam o seu destino percorrendo o tortuoso caminho que os levava ao trono lado a lado com a morte, com as mulheres e a fiel espada cujo aço era normalmente lambido a sangue dos inimigos. Por outro lado havia uma analogia interessante entre o cavalo, o ferro das espadas e as Harley Davidson o que os tornava bastante populares entre os motoqueiros. Não era de estranhar que algumas músicas começassem com sons de batalhas, motores a acelarar e gemidos femininos de prazer. Um dos pormenores interessantes do grupo era que todos os elementos rapavam os pêlos do peito o que lhes dava um ar asseadinho nas fotografias que normalmente víamos nas páginas dedicadas ao rock pesado da revista alemã Bravo. Como vês, razões de interesse eram o que não faltavam a estes senhores que se vestiam de cabedal. Em relação à indumentária que se usava entre os metaleiros o teu pai, por muita pena dele, nunca seguiu a tendência. É que os teus avós não me deixavam usar ganga apertada, pulseiras de caveiras, botas ténis e muito menos o cabelo cumprido. No entanto, e é muito importante frisar isto porque ainda hoje tenho orgulho nisso, o teu pai era o único puto a usar uma cruz de Cristo invertida feita com crachás de bandas de heavy metal. Claro que só formava a peça após sair de casa para não ser repreendido, mas recebia muitos olhares de aprovação dos meus semelhantes e isso fez crescer sobre a minha pessoa uma aura de mistério que muito me agradava. Repara que, tal como agora, o teu pai teve sempre um aspecto jovem e naquela idade tinha um físico dum garoto de 11 anos. Olhar para mim com aquela crucifixo invertido ao peito deveria ser um espectáculo algo macabro para os transeuntes. Mas enfim, a necessidade de afirmação tinha de ser preenchida de alguma forma.
De entre todos os artistas da pesada que apareceram, destacaram-se os Metallica. Talvez sejam aqueles que ainda preservam a fama embora, infelizmente para os fãs da velha guarda, pelas piores razões. Mas a honra de terem feito o melhor disco de Heavy Metal de todos os tempos ninguém a pode tirar. Chama-se …and justice for all e é um portento eléctrico. Foi graças a ele que o teu pai começou a ter a panca de escrever a palavra MetallicA em todos os cadernos e em todas as mesas em que se sentava na escola. Era lindo e reconfortante prolongar a perna do “M” e a do “A” como na capa dos discos. Devo-te dizer que graças a este disco comecei a ter uma sensibilidade musical mais apurada que me permitiu, aliás, descobrir novas sonoridades e novos projectos fora do circuito mainstream das rádios da moda. …and justice for all é uma orquestração esplendorosa onde todos os instrumentos se encaixam como uma sinfonia. O disco em questão é ouvido amiúde no meu MP3 e digo-te que é dos poucos que me faz bater o pé e abanar a cabeça nos transportes públicos e um dos melhores discos que ouvi em toda a minha vida.
Apesar de tudo havia uma certa incongruência na minha existência de então que tenho de confessar aqui publicamente. É que apesar de venerar os Iron Maiden, os Manowar ou os Metallica, ouvia às escondidas os Wham e todas as semanas via o Top Gun que foi o filme que, de longe, mais vi até hoje. Qualquer dia tenho de te escrever também sobre estes dois marcos da minha história.
Seja como for, o conceito de responsabilidade como deves talvez imaginar, era coisa que não fazia parte do meu juízo quando tinha os meus 14 anos. As únicas coisas que realmente os meus pais me exigiam eram que passasse de ano e não rompesse as calças nos joelhos a jogar à bola. Hoje, aos 36 anos, este grau de exigência até me faz sorrir enternecido, mas na altura, confesso, tanto uma condição como outra eram bastante difíceis de cumprir.
Foi então que, no meio deste idílio vivencial, nos finais dos anos 80, que o teu pai começou a ouvir a música que todos os rapazes dos subúrbios ouviam na altura. Era o chamado Heavy Metal que simbolizava, para todos nós que o sentíamos, a afirmação duma certa individualidade não só perante os nossos pais mas, também e essencialmente, perante uma sociedade que se preparava para nos começar a cobrar comportamentos e condutas que não estávamos muito interessados em seguir.
Imbuído neste espírito contestatário, comecei a detestar todos os artistas que não se vestissem de preto, não tivessem cabelo cumprido ou cujo aspecto não fosse assim a dar para o ameaçador. O Heavy Metal era uma música feita por chungas para chungas e convenhamos, agora que passaram 20 anos, o teu pai não era propriamente um beto da linha de Cascais.
O primeiro grupo que comecei a gostar foi, claro, dos Iron Maiden. Todos os dias alguém levava um álbum deles para a escola e emprestava-o ao seu semelhante. O dono do disco era sempre um homem tido em grande conta e possuir um exemplar dos Iron Maiden era um símbolo de status quo nada negligenciável. Claro que em contrapartida o vinil andava a rondar pela turma toda e quando chegava às mãos do dono, presumo que não viesse nas melhores condições, mas isso, como os jornalistas gostam de chamar, era assunto tabu. Apesar de 1988 terem lançado o Seventh Son of a Seventh Son, um disco baseado num livro de Orson Scott Card sobre uma criança com poderes de vidência, era o mítico Somewere in Time, lançado em 86, que tinha mais êxito entre os putos. A explicação é simples. Além de ser um disco melhor, embora seja apenas a minha opinião baseada no meu gosto que tanto na altura como hoje não é de fiar, a capa dele era absolutamente fantástica. Nela via-se o Eddie (a mascote ameaçadora do grupo) de pistola de lazer na mão a passear pelas ruas de Londres num futuro longínquo. Era impossível aos 14 anos não se ficar vidrado naquele desenho e a desejar, não só, ter o disco, como também formar logo a seguir uma banda de Heavy Metal. Este foi o primeiro álbum que ouvi dos Iron Maiden e também deste estilo musical. Fiquei fascinado, claro, e aqueles solos da guitarra do Adrian Smith ou do Dave Murray mexiam comigo e, quanto mais alto os ouvia, mais louco ficava. Abanava a cabeça com força e tocava na guitarra imaginária imitando, na medida do possível, as posições do solo. Era um orgasmo performativo purificador para mim mas um motivo de preocupação para a minha mãe que passava os dias a trabalhar para me proporcionar algum futuro. Mantenho o sonho de ver um espectáculo deles ao vivo um dia destes. Os Iron Maiden para os machos com mais de 32 anos e suburbanos foram os Rolling Stones dos anos 70 e todos eles conseguem cantar de fio a pavio músicas intemporais como o Wasted Years ou o Stranger in a Stranger Land ou mesmo a reconhecer de imediato o solo melancólico inicial do Alexander the Great.
Mas nem só de Iron Maiden vivia o som pesado.
Mais rudes e sujos eram os grandes Manowar. Em 1988 lançaram o seu melhor disco de sempre, Kings of Metal. A grande potencialidade dos Manowar residia no ambiente gótico que conseguiam criar em todas as músicas. As suas canções estavam pejadas de reis que perseguiam o seu destino percorrendo o tortuoso caminho que os levava ao trono lado a lado com a morte, com as mulheres e a fiel espada cujo aço era normalmente lambido a sangue dos inimigos. Por outro lado havia uma analogia interessante entre o cavalo, o ferro das espadas e as Harley Davidson o que os tornava bastante populares entre os motoqueiros. Não era de estranhar que algumas músicas começassem com sons de batalhas, motores a acelarar e gemidos femininos de prazer. Um dos pormenores interessantes do grupo era que todos os elementos rapavam os pêlos do peito o que lhes dava um ar asseadinho nas fotografias que normalmente víamos nas páginas dedicadas ao rock pesado da revista alemã Bravo. Como vês, razões de interesse eram o que não faltavam a estes senhores que se vestiam de cabedal. Em relação à indumentária que se usava entre os metaleiros o teu pai, por muita pena dele, nunca seguiu a tendência. É que os teus avós não me deixavam usar ganga apertada, pulseiras de caveiras, botas ténis e muito menos o cabelo cumprido. No entanto, e é muito importante frisar isto porque ainda hoje tenho orgulho nisso, o teu pai era o único puto a usar uma cruz de Cristo invertida feita com crachás de bandas de heavy metal. Claro que só formava a peça após sair de casa para não ser repreendido, mas recebia muitos olhares de aprovação dos meus semelhantes e isso fez crescer sobre a minha pessoa uma aura de mistério que muito me agradava. Repara que, tal como agora, o teu pai teve sempre um aspecto jovem e naquela idade tinha um físico dum garoto de 11 anos. Olhar para mim com aquela crucifixo invertido ao peito deveria ser um espectáculo algo macabro para os transeuntes. Mas enfim, a necessidade de afirmação tinha de ser preenchida de alguma forma.
De entre todos os artistas da pesada que apareceram, destacaram-se os Metallica. Talvez sejam aqueles que ainda preservam a fama embora, infelizmente para os fãs da velha guarda, pelas piores razões. Mas a honra de terem feito o melhor disco de Heavy Metal de todos os tempos ninguém a pode tirar. Chama-se …and justice for all e é um portento eléctrico. Foi graças a ele que o teu pai começou a ter a panca de escrever a palavra MetallicA em todos os cadernos e em todas as mesas em que se sentava na escola. Era lindo e reconfortante prolongar a perna do “M” e a do “A” como na capa dos discos. Devo-te dizer que graças a este disco comecei a ter uma sensibilidade musical mais apurada que me permitiu, aliás, descobrir novas sonoridades e novos projectos fora do circuito mainstream das rádios da moda. …and justice for all é uma orquestração esplendorosa onde todos os instrumentos se encaixam como uma sinfonia. O disco em questão é ouvido amiúde no meu MP3 e digo-te que é dos poucos que me faz bater o pé e abanar a cabeça nos transportes públicos e um dos melhores discos que ouvi em toda a minha vida.
Apesar de tudo havia uma certa incongruência na minha existência de então que tenho de confessar aqui publicamente. É que apesar de venerar os Iron Maiden, os Manowar ou os Metallica, ouvia às escondidas os Wham e todas as semanas via o Top Gun que foi o filme que, de longe, mais vi até hoje. Qualquer dia tenho de te escrever também sobre estes dois marcos da minha história.
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Bebegugrafia - 4 - dia do Pai
Algumas coisas que precisas de saber sobre ti no meu primeiro dia do pai:
Comes sempre de 3 em 3 horas, independentemente da quantidade de Mc Leite Nestlé que te tentarem enfiar pela goela abaixo. 180 minutos é a unidade de tempo pela qual a tua existência de bebé se rege. Nem mais nem menos. Por isso é que andas a engordar em média 46 gramas por dia. Pelo menos é o que o médico diz depois de chegar a esse valor na sua calculadora amarela Aptamil fabricada na China:
- Uh lá lá!
Dica de pai: Companheiro, a tua vida não vai ser sempre um rodízio permanente, por isso, para o teu bem, é bom que te vás habituando a refeições ligeiras, embora concorde que os rodízios não sejam maus desde que, por contas feitas de cabeça e assim por alto, se coma mais do que se pague. Mas não podes fazer disto um estilo de vida.
Uma das tuas características é chorares apenas quando tens fome. Podemos estar aborrecidos contigo e chamar-te todos os nomes que não te importas nada com a humilhação. Podemos até te levar para o paredão, para os jardins e para os restaurantes de má fama que não soltas um único pio. Agora há um preço a pagar por esse reconfortante pragmatismo comportamental. É que mal sentes um leve ratito nesse teu estômago minúsculo, que só a custo aguenta 120 mililitros de Mc Leite Suíço, desatas num berreiro tal que duvido que algum dos nossos vizinhos não saiba que chegou a tua hora de repasto. A Sofia do 1º andar confidenciou-me que já nem se preocupa em programar alarmes para acordar às sete da manhã. É que o seu despertar para a labuta coincide, por graça divina, com o teu primeiro biberão do dia.
De forma a te manter feliz, os teus pais vão fazendo alguns progressos para reduzir o tempo do escarcéu. Um biberão anti-cólica Dr. Brown com pega ergonómica, que nos primeiros dias demorava quase 5 minutos a ser preparado é agora aviado em 36,2 segundos pelo pai e 43,7 pela mãe. Vai ser bastante difícil superar estas marcas, mesmo que os chineses entrem na corrida.
Agora explica-me uma coisa, que ando curioso. Desde que nasceste já te fizemos, assim por alto, duas centenas de refeições. O processo é sempre igual. Pá, tu estás a ver-nos ali ao teu lado a mexer no termo, no biberão e na Mc Lata, exactamente da mesma forma como das outras vezes, porque raio pensas que desta não te vamos enfiar a tetina na boca? Achas o quê? Que vamos fugir com 90 mililitros de leite instantâneo debaixo do braço às 4 da manhã?
Meu, percebo pouco de bebés e nunca tive de alimentar um cão ou um gato, mas aposto que os animais de estimação compreendem um sistema simples desta natureza numa semana.
Gostas que te troquem a fralda Dodot etapas nº2 após a refeição, especialmente se adormeceste aos 40 mililitros (outra mania tua). Isso é montes de chato. Repara que a tua fome não é directamente proporcional aos decibéis com que castigas o mundo. Se o teu cosmos de bebé fizesse sentido, com a algazarra que costumas fazer, era de prever que só te consolasses depois de beberes uma litrada. Agora adormeceres a meio biberão, por amor de Deus! Ao menos podias respeitar um pouco quem te alimenta e passar pelas brasas no final, depois de expulsares o teu Mc Arroto.
Em relação à fralda. Apesar de seres querido, redondinho e absolutamente adorável, o teu cocó, e ao contrário da ideia que dás quando se olha para ti em especial quando bocejas, cheira realmente muito mal e não é agradável estar por perto nessa altura. Isto só prova que não se devem julgar as pessoas pelas aparências.
Aproveitando a onda, deixa-me dar-te só mais uma informação estatística. A média de banhos que tomas com a tua própria urina é neste momento de 1,3 por dia. Só para veres como são as coisas, nos primeiros três dias o ratio era de 4,5. Isto demonstra bem a forma como os teus pais estão a progredir nas suas tarefas parentais.
O teu gosto musical é neste momento muito melhor que o da tua mãe. Gostas dos concertos de Brandenburgo de Johann Sebastian Bach, das partituras mais emblemáticas de Mozart, dos concertos para violoncelo de Handel e o concerto para o príncipe da Polónia de Vivaldi. Aprecias também Diana Krall e algum Acid Jazz, não todo.
A tua mãe, que não pode ver nada, quando eu voltei a trabalhar, aproveitou-se do meu infortúnio para te iniciar nas músicas mexicanas das telenovelas dos anos 80.
E ainda por cima cantou-as todas. Acho que não merecias e por isso fui obrigado a tirar férias à pressa.
Uma coisa porreira é que, se andarmos contigo atrás, poupamos imenso tempo nos balcões dos serviços públicos. Na Segurança Social somos atendidos em 15 minutos, no Registo Civil 10 minutos e nas finanças 20 minutos. Já viste? Além disso o Jumbo, por tua causa, oferece-nos um ano de entregas grátis. Como se fosse pouco ainda temos lugar reservado nos estacionamentos e até nos deixam passar nas caixas de supermercado. Além disso és a desculpa perfeita para nos livrarmos de convites sociais de baixa motivação.
E repara que és capaz de nos proporcionar isto tudo enquanto dormes. Nem quero imaginar o que serás capaz de fazer quando estiveres acordado e aos berros.
É um facto que a vida dos teus pais mudou imenso. Nem imaginas. Tudo diferente. Mas ao contrário do que se poderia pensar, sentimos uma total e libertadora sensação de alívio. A partir de agora tudo perde a importância que costumava ter. As coisinhas enfadonhas e desgastantes da vida deixam de fazer sentido. Apenas nos concentramos em ti. Deixou de ser relevante aonde vamos jantar, com quem, o filme que queremos ver, a quem telefonamos, qual o shopping onde vamos fazer compras, a necessidade de comprar umas calças ou uma camisa, as chatices laborais, a mesquinhez humana e, para ser sincero, nem sequer sabemos o que se passa no mundo. Nem a crise nos perturba e até, quando o Cavaco surge na televisão, já não mudamos de canal nem nos interrogamos como é que alguém como ele chegou a presidente da república.
Se queres que te diga, nem imaginava o quanto a vida poderia ser tão motivante e agradável. Quando acordei e te fui ver ao berço, estavas a dormir todo fofinho na tua posição de bebé com uma prenda maior do que tu ao lado. É disto que falo. Bem, hoje é dia do pai e parece-me que, desta vez, sou eu que estou de parabéns! Só gostava de saber aonde arranjaste dinheiro suficiente para comprar a t-shirt Pull and Bear que me ofereceste.
Comes sempre de 3 em 3 horas, independentemente da quantidade de Mc Leite Nestlé que te tentarem enfiar pela goela abaixo. 180 minutos é a unidade de tempo pela qual a tua existência de bebé se rege. Nem mais nem menos. Por isso é que andas a engordar em média 46 gramas por dia. Pelo menos é o que o médico diz depois de chegar a esse valor na sua calculadora amarela Aptamil fabricada na China:
- Uh lá lá!
Dica de pai: Companheiro, a tua vida não vai ser sempre um rodízio permanente, por isso, para o teu bem, é bom que te vás habituando a refeições ligeiras, embora concorde que os rodízios não sejam maus desde que, por contas feitas de cabeça e assim por alto, se coma mais do que se pague. Mas não podes fazer disto um estilo de vida.
Uma das tuas características é chorares apenas quando tens fome. Podemos estar aborrecidos contigo e chamar-te todos os nomes que não te importas nada com a humilhação. Podemos até te levar para o paredão, para os jardins e para os restaurantes de má fama que não soltas um único pio. Agora há um preço a pagar por esse reconfortante pragmatismo comportamental. É que mal sentes um leve ratito nesse teu estômago minúsculo, que só a custo aguenta 120 mililitros de Mc Leite Suíço, desatas num berreiro tal que duvido que algum dos nossos vizinhos não saiba que chegou a tua hora de repasto. A Sofia do 1º andar confidenciou-me que já nem se preocupa em programar alarmes para acordar às sete da manhã. É que o seu despertar para a labuta coincide, por graça divina, com o teu primeiro biberão do dia.
De forma a te manter feliz, os teus pais vão fazendo alguns progressos para reduzir o tempo do escarcéu. Um biberão anti-cólica Dr. Brown com pega ergonómica, que nos primeiros dias demorava quase 5 minutos a ser preparado é agora aviado em 36,2 segundos pelo pai e 43,7 pela mãe. Vai ser bastante difícil superar estas marcas, mesmo que os chineses entrem na corrida.
Agora explica-me uma coisa, que ando curioso. Desde que nasceste já te fizemos, assim por alto, duas centenas de refeições. O processo é sempre igual. Pá, tu estás a ver-nos ali ao teu lado a mexer no termo, no biberão e na Mc Lata, exactamente da mesma forma como das outras vezes, porque raio pensas que desta não te vamos enfiar a tetina na boca? Achas o quê? Que vamos fugir com 90 mililitros de leite instantâneo debaixo do braço às 4 da manhã?
Meu, percebo pouco de bebés e nunca tive de alimentar um cão ou um gato, mas aposto que os animais de estimação compreendem um sistema simples desta natureza numa semana.
Gostas que te troquem a fralda Dodot etapas nº2 após a refeição, especialmente se adormeceste aos 40 mililitros (outra mania tua). Isso é montes de chato. Repara que a tua fome não é directamente proporcional aos decibéis com que castigas o mundo. Se o teu cosmos de bebé fizesse sentido, com a algazarra que costumas fazer, era de prever que só te consolasses depois de beberes uma litrada. Agora adormeceres a meio biberão, por amor de Deus! Ao menos podias respeitar um pouco quem te alimenta e passar pelas brasas no final, depois de expulsares o teu Mc Arroto.
Em relação à fralda. Apesar de seres querido, redondinho e absolutamente adorável, o teu cocó, e ao contrário da ideia que dás quando se olha para ti em especial quando bocejas, cheira realmente muito mal e não é agradável estar por perto nessa altura. Isto só prova que não se devem julgar as pessoas pelas aparências.
Aproveitando a onda, deixa-me dar-te só mais uma informação estatística. A média de banhos que tomas com a tua própria urina é neste momento de 1,3 por dia. Só para veres como são as coisas, nos primeiros três dias o ratio era de 4,5. Isto demonstra bem a forma como os teus pais estão a progredir nas suas tarefas parentais.
O teu gosto musical é neste momento muito melhor que o da tua mãe. Gostas dos concertos de Brandenburgo de Johann Sebastian Bach, das partituras mais emblemáticas de Mozart, dos concertos para violoncelo de Handel e o concerto para o príncipe da Polónia de Vivaldi. Aprecias também Diana Krall e algum Acid Jazz, não todo.
A tua mãe, que não pode ver nada, quando eu voltei a trabalhar, aproveitou-se do meu infortúnio para te iniciar nas músicas mexicanas das telenovelas dos anos 80.
E ainda por cima cantou-as todas. Acho que não merecias e por isso fui obrigado a tirar férias à pressa.
Uma coisa porreira é que, se andarmos contigo atrás, poupamos imenso tempo nos balcões dos serviços públicos. Na Segurança Social somos atendidos em 15 minutos, no Registo Civil 10 minutos e nas finanças 20 minutos. Já viste? Além disso o Jumbo, por tua causa, oferece-nos um ano de entregas grátis. Como se fosse pouco ainda temos lugar reservado nos estacionamentos e até nos deixam passar nas caixas de supermercado. Além disso és a desculpa perfeita para nos livrarmos de convites sociais de baixa motivação.
E repara que és capaz de nos proporcionar isto tudo enquanto dormes. Nem quero imaginar o que serás capaz de fazer quando estiveres acordado e aos berros.
É um facto que a vida dos teus pais mudou imenso. Nem imaginas. Tudo diferente. Mas ao contrário do que se poderia pensar, sentimos uma total e libertadora sensação de alívio. A partir de agora tudo perde a importância que costumava ter. As coisinhas enfadonhas e desgastantes da vida deixam de fazer sentido. Apenas nos concentramos em ti. Deixou de ser relevante aonde vamos jantar, com quem, o filme que queremos ver, a quem telefonamos, qual o shopping onde vamos fazer compras, a necessidade de comprar umas calças ou uma camisa, as chatices laborais, a mesquinhez humana e, para ser sincero, nem sequer sabemos o que se passa no mundo. Nem a crise nos perturba e até, quando o Cavaco surge na televisão, já não mudamos de canal nem nos interrogamos como é que alguém como ele chegou a presidente da república.
Se queres que te diga, nem imaginava o quanto a vida poderia ser tão motivante e agradável. Quando acordei e te fui ver ao berço, estavas a dormir todo fofinho na tua posição de bebé com uma prenda maior do que tu ao lado. É disto que falo. Bem, hoje é dia do pai e parece-me que, desta vez, sou eu que estou de parabéns! Só gostava de saber aonde arranjaste dinheiro suficiente para comprar a t-shirt Pull and Bear que me ofereceste.
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Curtíssima geograficamente limitada
Diante das perguntas da madrinha Carla sobre como se celebra o Natal no Brasil, dei-me conta de que o meu Brasil é Fortaleza. Não sei como os cariocas celebram o Natal. Ou os gaúchos. É que não faço ideia. E foi uma sensação um bocado estranha, não era suposto sermos conterrâneos?
Saí do Brasil aos 12 anos, e, pior do que isso, antes da Internet. Tá bem, voltei algumas vezes, mas foi sempre para o morninho fechado da minha cidade. Já estive em mais capitais europeias do que brasileiras - naquele tempo era tudo muito longe e viajar de avião no Brasil era luxo. Nunca saí do Norte/Nordeste.
Sim, sempre posso usar a desculpa de ser de um país continental, mas não me deixa de fazer um bocado de impressão saber que se come polvo e formigos no Norte de Portugal e não saber se os paulistas almoçam com a família no dia 25.
Praça do Ferreira, no centro da minha amada Fortaleza, vestida para o Natal.
Saí do Brasil aos 12 anos, e, pior do que isso, antes da Internet. Tá bem, voltei algumas vezes, mas foi sempre para o morninho fechado da minha cidade. Já estive em mais capitais europeias do que brasileiras - naquele tempo era tudo muito longe e viajar de avião no Brasil era luxo. Nunca saí do Norte/Nordeste.
Sim, sempre posso usar a desculpa de ser de um país continental, mas não me deixa de fazer um bocado de impressão saber que se come polvo e formigos no Norte de Portugal e não saber se os paulistas almoçam com a família no dia 25.
Praça do Ferreira, no centro da minha amada Fortaleza, vestida para o Natal.
Coisas claramente sobrevalorizadas para esta blogger
Segundo conversinha com bloggers do meu coração esta manhã no Facebook:
Ora, cá vão:
- materno-descontraísmo.
- sou-muito-sincerismo.
- desenrascancismo.
- verdadismos e frontalismos (não é bem a mesma coisa que o sincerismo).
Já agora, coisas que acho subvalorizadas:
- metodismos (não a religião, mas o ter passos claros para cumprir tarefas);
- auto-analismos (não o super, mas o ser capaz de olhar para dentro e ver fraquezas);
e especialmente, muito especialmente
- humildismos.
Ora, cá vão:
- materno-descontraísmo.
- sou-muito-sincerismo.
- desenrascancismo.
- verdadismos e frontalismos (não é bem a mesma coisa que o sincerismo).
Já agora, coisas que acho subvalorizadas:
- metodismos (não a religião, mas o ter passos claros para cumprir tarefas);
- auto-analismos (não o super, mas o ser capaz de olhar para dentro e ver fraquezas);
e especialmente, muito especialmente
- humildismos.
Isto não é um postal de Natal
Nunca fui um tipo desenrascado no que toca ao arranjo casual das avarias domésticas que, de tempos a tempos, amaldiçoam a casa dos Lyra de Carvalho. Coisas pequenas mas desesperantes para o Feng Shui familiar como uma persiana avariada, uma torneira que pinga, um pedaço de parede que cai ou um fusível que se funde num electrodoméstico qualquer.
É triste, mas não consigo resolver estes infortúnios pelas minhas próprias mãos e, de certa forma, a minha condição de macho ressente-se um bocado dessa incapacidade, especialmente na Melissa que, para infelicidade minha, tem um pai que sabe fazer tudo. E quando escrevo tudo é mesmo tudo. Estão a ver os estádios que têm sido erigidos pelo mundo para jogar futebol? Pronto, ele é um dos homens que normalmente mete o bedelho naquilo. Se houvesse uma competição entre mim e o meu sogro, o resultado seria, eu trocava uma torneira ele construía um país, com barragens, pontes e estradas a ligar cidades.
Por isso, disponho todos os anos dum budget anual estipulado para estas misérias no humilhante valor de 500 euros retirados do subsídio de Natal, isto porque não sou capaz de pedir à Melissa que pague a meias os arranjos que precisamos. Sou da opinião que deve de haver alguma dignidade na forma como se lida com as incapacidades genéticas (o meu pai também é como eu).
Mas o nascimento do Gabriel trouxe com ele, felizmente, alguma paz sobre este problema, fazendo-me mesmo esquecer que existe. Dos 7854 brinquedos de plástico made in china que se espalham pelas divisões do apartamento é frequente haver vários estragos a precisar duma mãozinha. O guizo do Noddy que deixa de badalar, as pilhas do avião dos Irmãos Koala que se gastam, uma roda do carro Faísca que salta, o telhado da quinta do Ruca que desaparece…enfim, problemas vários que desestabilizam a harmonia mundana da criança entristecendo a sua pobre alma e esbatendo-lhe a alegria de viver.
Felizmente que a vida dum catraio é a coisa mais simples do mundo e os problemas que o seu quotidiano gera enquadram-se na perfeição nas minha habilidades, estando eu sempre à altura de todas as dificuldades lúdicas do petiz. Posso-me orgulhar de, naquela casa, não existir nenhum carro sem pilhas (embora haja lá alguns que bem podiam ficar sem pio), nenhuma peça desencaixada nem tão pouco alguma luz fundida. Sabe bem vê-lo chegar-se perto de mim a estender-me um brinquedo qualquer para eu o ajustar com aquela certeza que o pai lhe vai resolver o problema em singelos segundos. Ele vê em mim um Bob o Construtor e isso aquece-me o raio do coração todos os dias.
No outro dia, percebendo que a casa ainda estava despida pela falta de árvore de Natal, vociferou o pedido. Fiz-me difícil, claro, que aquilo era muito complicado, exigia bastante esforço e que era uma tarefa que só os grandes e fortes conseguiam fazer, mas como ele fazia questão o pai fazia com muito gosto, mergulharia na tarefa com todo o prazer. Mandei-o buscar a chave de fendas, embora não precisasse dela para nada, e lá montei o arvoredo. O Gabriel exclamou um uau sentido quando liguei as luzes e aquilo ficou tudo para ali a piscar. Abençoadas luzes, compradas a 4,99 no chinês da Rebelva, mudavam de cor a cada dez segundos transformando o meu trabalho numa obra épica e maravilhosa.
A noite tinha tudo para ser perfeita não fosse a tradicional insensibilidade feminina que teima em não respeitar aquele momento sagrado de transição entre o Hugo pai e o Hugo marido.
-Já arranjaste o raio do botão do autoclismo que te pedi?! Porque é que tenho de te estar sempre a repetir as mesmas coisas?
É triste, mas não consigo resolver estes infortúnios pelas minhas próprias mãos e, de certa forma, a minha condição de macho ressente-se um bocado dessa incapacidade, especialmente na Melissa que, para infelicidade minha, tem um pai que sabe fazer tudo. E quando escrevo tudo é mesmo tudo. Estão a ver os estádios que têm sido erigidos pelo mundo para jogar futebol? Pronto, ele é um dos homens que normalmente mete o bedelho naquilo. Se houvesse uma competição entre mim e o meu sogro, o resultado seria, eu trocava uma torneira ele construía um país, com barragens, pontes e estradas a ligar cidades.
Por isso, disponho todos os anos dum budget anual estipulado para estas misérias no humilhante valor de 500 euros retirados do subsídio de Natal, isto porque não sou capaz de pedir à Melissa que pague a meias os arranjos que precisamos. Sou da opinião que deve de haver alguma dignidade na forma como se lida com as incapacidades genéticas (o meu pai também é como eu).
Mas o nascimento do Gabriel trouxe com ele, felizmente, alguma paz sobre este problema, fazendo-me mesmo esquecer que existe. Dos 7854 brinquedos de plástico made in china que se espalham pelas divisões do apartamento é frequente haver vários estragos a precisar duma mãozinha. O guizo do Noddy que deixa de badalar, as pilhas do avião dos Irmãos Koala que se gastam, uma roda do carro Faísca que salta, o telhado da quinta do Ruca que desaparece…enfim, problemas vários que desestabilizam a harmonia mundana da criança entristecendo a sua pobre alma e esbatendo-lhe a alegria de viver.
Felizmente que a vida dum catraio é a coisa mais simples do mundo e os problemas que o seu quotidiano gera enquadram-se na perfeição nas minha habilidades, estando eu sempre à altura de todas as dificuldades lúdicas do petiz. Posso-me orgulhar de, naquela casa, não existir nenhum carro sem pilhas (embora haja lá alguns que bem podiam ficar sem pio), nenhuma peça desencaixada nem tão pouco alguma luz fundida. Sabe bem vê-lo chegar-se perto de mim a estender-me um brinquedo qualquer para eu o ajustar com aquela certeza que o pai lhe vai resolver o problema em singelos segundos. Ele vê em mim um Bob o Construtor e isso aquece-me o raio do coração todos os dias.
No outro dia, percebendo que a casa ainda estava despida pela falta de árvore de Natal, vociferou o pedido. Fiz-me difícil, claro, que aquilo era muito complicado, exigia bastante esforço e que era uma tarefa que só os grandes e fortes conseguiam fazer, mas como ele fazia questão o pai fazia com muito gosto, mergulharia na tarefa com todo o prazer. Mandei-o buscar a chave de fendas, embora não precisasse dela para nada, e lá montei o arvoredo. O Gabriel exclamou um uau sentido quando liguei as luzes e aquilo ficou tudo para ali a piscar. Abençoadas luzes, compradas a 4,99 no chinês da Rebelva, mudavam de cor a cada dez segundos transformando o meu trabalho numa obra épica e maravilhosa.
A noite tinha tudo para ser perfeita não fosse a tradicional insensibilidade feminina que teima em não respeitar aquele momento sagrado de transição entre o Hugo pai e o Hugo marido.
-Já arranjaste o raio do botão do autoclismo que te pedi?! Porque é que tenho de te estar sempre a repetir as mesmas coisas?
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Bebegugrafia - 2
A tua mãe deu-me a novidade enquanto eu esperava pela confirmação dum fax que enviara a um advogado a dar-lhe uma má notícia.
Foi assim, no meio do barulho das impressoras a bombearem ofícios de 70 vírgulas por parágrafo e com os nomes próprios escarrados a bold que eu soube que vinhas fazer parte da minha vida. Nesse preciso instante o teu pai passou a ter o seu próprio futuro e os batimentos cardíacos tornaram-se bastante mais acelerados.
Não acho que o meu futuro passe por pertencer a uma família sorridente enfiada numa vivenda ajardinada impecavelmente arrumada e com as divisões pintadas de fresco como os anúncios “Kinder”, mas aguardo que seja suficientemente motivante para que destrua o desgosto que o passado se transformou e a angustiante previsibilidade deste presente de crises capitalistas sucessivas.
É uma sensação realmente boa começar a esperar alguma coisa na vida que não seja apenas o som do toque do despertador todos os dias ou a decadência dos ponteiros do relógio a marcar a meia-noite avisando que o dia seguinte também é de labuta.
Quero lá saber que chores todas as noites ou que durmas de dia para gatinhares pela madrugada como se fosses um super-heroi saído das páginas da Marvel. Por mim podes fazer o que te apetecer que me estou a borrifar para as consequências.
O que eu quero mesmo é que o som do despertador não me acorde e que sejas tu a ter essa honra.
Agradeço mesmo que me canses de amor e venhas para a minha cama às cinco da manhã para desenhares casas de monopólio e ilhas desertas como a tua prima Adriana fazia aos teus tios.
Se tiver que dormir pelos cantos, antes que seja no trabalho que junto a ti.
(isto sou eu agora aqui a escrever, é bem natural que mude, durante o teu processo de crescimento, de opinião)
13/11/08
Foi assim, no meio do barulho das impressoras a bombearem ofícios de 70 vírgulas por parágrafo e com os nomes próprios escarrados a bold que eu soube que vinhas fazer parte da minha vida. Nesse preciso instante o teu pai passou a ter o seu próprio futuro e os batimentos cardíacos tornaram-se bastante mais acelerados.
Não acho que o meu futuro passe por pertencer a uma família sorridente enfiada numa vivenda ajardinada impecavelmente arrumada e com as divisões pintadas de fresco como os anúncios “Kinder”, mas aguardo que seja suficientemente motivante para que destrua o desgosto que o passado se transformou e a angustiante previsibilidade deste presente de crises capitalistas sucessivas.
É uma sensação realmente boa começar a esperar alguma coisa na vida que não seja apenas o som do toque do despertador todos os dias ou a decadência dos ponteiros do relógio a marcar a meia-noite avisando que o dia seguinte também é de labuta.
Quero lá saber que chores todas as noites ou que durmas de dia para gatinhares pela madrugada como se fosses um super-heroi saído das páginas da Marvel. Por mim podes fazer o que te apetecer que me estou a borrifar para as consequências.
O que eu quero mesmo é que o som do despertador não me acorde e que sejas tu a ter essa honra.
Agradeço mesmo que me canses de amor e venhas para a minha cama às cinco da manhã para desenhares casas de monopólio e ilhas desertas como a tua prima Adriana fazia aos teus tios.
Se tiver que dormir pelos cantos, antes que seja no trabalho que junto a ti.
(isto sou eu agora aqui a escrever, é bem natural que mude, durante o teu processo de crescimento, de opinião)
13/11/08
Bebegugrafia - 1
Durante a minha gravidez e ainda um bom tempo depois, o Hugo teve um babyblog que eu adorava. Era a cara dele, ternurento e meio esquisito como ele. O blog foi engolido pelo blogger, mas ainda tenho cá alguns textos, que vou publicando aqui para que não se percam, sem ordem cronológica.
Podes pensar que nada te afecta quando levas com a seta do cupido no raio do peito mas a verdade, se a queres ler, é que as relações amorosas passado algum tempo caem numa toada mais lenta e a culpa nem sempre é de alguém. Por isso, aquele fragmento inicial arrebatador, provocante, vigoroso cheio de fulgor e de momentos intensos como uma chávena de café moído na altura, acaba por definhar e é bom que tenhas isso em consideração quando chegar altura de escolheres a tua parceira ou parceiro. Mesmo que a tua paixão seja correspondida por uma Cláudia Shiffer ou um George Clooney, acredita no que te digo, mais cedo ou mais tarde vais perceber que até com sex symbols os tempos de rodopio emocional expiram como a garantia dum electrodoméstico. Repara, não quer dizer que o electrodoméstico em si não funcione, pode até nunca se estragar, a grande chatice é que se não tens garantia válida não o podes devolver e, por isso, vais passar por um mau bocado.
O teu pai e a tua mãe já estão juntos há 8 anos (espero mesmo que sejam oito senão durmo na sala). Estamos bem, não te apoquentes, e apreciamos muito a companhia um do outro. Claro que há coisas que mudaram. As nossas conversas já não duram horas e horas como nos primeiros encontros e há dias em que embirramos porque um prato não foi limpo (ela) ou uma passa dum cigarro não foi baforada totalmente janela fora (eu). Mas as coisas nunca atingem proporções desmedidas e sabemos sempre compreender a verdadeira dimensão delas. Normalmente resolvemos os assuntos com uma boa dose de piadas. Os teus pais gozam muito um com o outro embora, desde que nasceste, essa tendência se esvaecesse. Compreende que é mais apetecível e mentalmente desafiador gozarmos contigo e com o teu aparvalhado estilo de vida! Apesar deste ambiente saudável que fará de ti, assim o espero, uma criança especial, certas particularidades desmoronaram-se. A que sinto mais falta, mas que por outro lado é a mais fácil de recuperar, é o acto de oferecer. Claro que nos continuamos a presentear e não deixamos passar incólumes as datas especiais como o dia do casamento ou os nossos aniversários, no entanto, o princípio da oferta tornou-se rotineiro e insalubre. Um perfume, um livro ou uma camisola é sempre a nossa melhor solução de recurso para não ficarmos em branco. Já chegamos ao ponto de perguntar um ao outro o que se quer receber pelo Natal. Nada pode ser mais humilhante se analisarmos a circunstância friamente. Em tempos primordiais uma prenda tinha um significado especial porque tendia a ser batalhada. Era escolhida com base na leitura do outro e perspicaz na forma como surgia. A primeira que ofereci compôs-se numa conversa ocasional em que a Melissa me contou as histórias de infância dela. Eram bastante políticas porque o Brasil na altura vivia em ditadura e a mensagem da liberdade espalhava-se pelas canções das histórias infantis. As cantigas surgiram do génio do Chico Buarque e os censores não conseguiam alcançar a subtileza das letras. Procurei feito doido por todo o lado e lá encontrei o CD. Se não fosse o sentido de oportunidade de um verdadeiro apaixonado ela provavelmente nunca teria voltado a escutar aqueles pedaços de memória da sua terra, mas assim, graças à astúcia do teu pai, relembrou a saudade da pátria. Julgo que a conquistei no instante em que carregou no Play do Discman Sony MegaBass. Foi apoteótico porque lembro-te que não havia ainda YouTube nem mp3’s sacados na net.
Percebes agora aonde quero chegar?
O teu nascimento trouxe consigo novamente essa efervescência. Claro que entre mim e a tua mãe continuamos com as oferendas em piloto automático, mas para ti o caso muda de figura e parecemos novamente dois apaixonados. A minha primeira acção nesse sentido foi um Body impresso com uma clara alusão ao teu compositor preferido, uma moda muito em voga no início dos anos 90, especialmente com grupos de Heavy Metal. Toda a gente diz que os bebés da tua idade ficam mais calmos quando ouvem música clássica. Aproveitando o filão, existem milhares de colectânea à venda de música erudita para recém-nascidos e pasma-te, todos a ouvem. Tu não és excepção e partilhas e estás sempre a ouvir Bach. No outro dia até choraste quando o CD acabou. Por isso andei na internet à procura duma imagem para estampar. Comprei o Body e passei a hora do almoço a compor minuciosamente o produto final para que ficasse um estoiro nesse teu tronco minúsculo e sem penugem. Não ligaste nenhuma, não esperava outra coisa de alguém que está sempre de trombas, mas foi sensacional andar uma sexta-feira todo ansioso por aparecer com aquilo em casa e ver a reacção da tua mãe ao meu trabalho.
Foi mesmo espantoso voltar a sentir a dimensão épica da lembrança e ainda melhor foi ver-te ao lado dos outros bebés cheios de ursinhos e pinguins que passeavam dentro dos ovos pelo paredão.
Estavas mesmo com um ar fixe.
25/03/09
Podes pensar que nada te afecta quando levas com a seta do cupido no raio do peito mas a verdade, se a queres ler, é que as relações amorosas passado algum tempo caem numa toada mais lenta e a culpa nem sempre é de alguém. Por isso, aquele fragmento inicial arrebatador, provocante, vigoroso cheio de fulgor e de momentos intensos como uma chávena de café moído na altura, acaba por definhar e é bom que tenhas isso em consideração quando chegar altura de escolheres a tua parceira ou parceiro. Mesmo que a tua paixão seja correspondida por uma Cláudia Shiffer ou um George Clooney, acredita no que te digo, mais cedo ou mais tarde vais perceber que até com sex symbols os tempos de rodopio emocional expiram como a garantia dum electrodoméstico. Repara, não quer dizer que o electrodoméstico em si não funcione, pode até nunca se estragar, a grande chatice é que se não tens garantia válida não o podes devolver e, por isso, vais passar por um mau bocado.
O teu pai e a tua mãe já estão juntos há 8 anos (espero mesmo que sejam oito senão durmo na sala). Estamos bem, não te apoquentes, e apreciamos muito a companhia um do outro. Claro que há coisas que mudaram. As nossas conversas já não duram horas e horas como nos primeiros encontros e há dias em que embirramos porque um prato não foi limpo (ela) ou uma passa dum cigarro não foi baforada totalmente janela fora (eu). Mas as coisas nunca atingem proporções desmedidas e sabemos sempre compreender a verdadeira dimensão delas. Normalmente resolvemos os assuntos com uma boa dose de piadas. Os teus pais gozam muito um com o outro embora, desde que nasceste, essa tendência se esvaecesse. Compreende que é mais apetecível e mentalmente desafiador gozarmos contigo e com o teu aparvalhado estilo de vida! Apesar deste ambiente saudável que fará de ti, assim o espero, uma criança especial, certas particularidades desmoronaram-se. A que sinto mais falta, mas que por outro lado é a mais fácil de recuperar, é o acto de oferecer. Claro que nos continuamos a presentear e não deixamos passar incólumes as datas especiais como o dia do casamento ou os nossos aniversários, no entanto, o princípio da oferta tornou-se rotineiro e insalubre. Um perfume, um livro ou uma camisola é sempre a nossa melhor solução de recurso para não ficarmos em branco. Já chegamos ao ponto de perguntar um ao outro o que se quer receber pelo Natal. Nada pode ser mais humilhante se analisarmos a circunstância friamente. Em tempos primordiais uma prenda tinha um significado especial porque tendia a ser batalhada. Era escolhida com base na leitura do outro e perspicaz na forma como surgia. A primeira que ofereci compôs-se numa conversa ocasional em que a Melissa me contou as histórias de infância dela. Eram bastante políticas porque o Brasil na altura vivia em ditadura e a mensagem da liberdade espalhava-se pelas canções das histórias infantis. As cantigas surgiram do génio do Chico Buarque e os censores não conseguiam alcançar a subtileza das letras. Procurei feito doido por todo o lado e lá encontrei o CD. Se não fosse o sentido de oportunidade de um verdadeiro apaixonado ela provavelmente nunca teria voltado a escutar aqueles pedaços de memória da sua terra, mas assim, graças à astúcia do teu pai, relembrou a saudade da pátria. Julgo que a conquistei no instante em que carregou no Play do Discman Sony MegaBass. Foi apoteótico porque lembro-te que não havia ainda YouTube nem mp3’s sacados na net.
Percebes agora aonde quero chegar?
O teu nascimento trouxe consigo novamente essa efervescência. Claro que entre mim e a tua mãe continuamos com as oferendas em piloto automático, mas para ti o caso muda de figura e parecemos novamente dois apaixonados. A minha primeira acção nesse sentido foi um Body impresso com uma clara alusão ao teu compositor preferido, uma moda muito em voga no início dos anos 90, especialmente com grupos de Heavy Metal. Toda a gente diz que os bebés da tua idade ficam mais calmos quando ouvem música clássica. Aproveitando o filão, existem milhares de colectânea à venda de música erudita para recém-nascidos e pasma-te, todos a ouvem. Tu não és excepção e partilhas e estás sempre a ouvir Bach. No outro dia até choraste quando o CD acabou. Por isso andei na internet à procura duma imagem para estampar. Comprei o Body e passei a hora do almoço a compor minuciosamente o produto final para que ficasse um estoiro nesse teu tronco minúsculo e sem penugem. Não ligaste nenhuma, não esperava outra coisa de alguém que está sempre de trombas, mas foi sensacional andar uma sexta-feira todo ansioso por aparecer com aquilo em casa e ver a reacção da tua mãe ao meu trabalho.
Foi mesmo espantoso voltar a sentir a dimensão épica da lembrança e ainda melhor foi ver-te ao lado dos outros bebés cheios de ursinhos e pinguins que passeavam dentro dos ovos pelo paredão.
Estavas mesmo com um ar fixe.
25/03/09
sábado, 17 de dezembro de 2011
Curtíssima sobre ser imigrante (de longa data, mas mesmo assim)
- Quando cá, as pessoas acham que não estou exatamente em casa.
- Quando lá, as pessoas não entendem que não estou exatamente em casa.
- Quando lá, as pessoas não entendem que não estou exatamente em casa.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Das coisas que o meu pai já me disse - parte I
No fim do ano sentimo-nos cansados porque fazemos contas ao ano que passou e as contas parecem nunca bater certo entre o que esperávamos e o que fizemos. Não tem de ser algo consciente.
Foi há anos que ele me disse isso, e concordo com ele. Por mais feliz que esteja, não há fim de ano em que o desânimo não bata à porta. Tudo me cansa, tudo me aborrece. E não dá para pôr culpa no Natal, que não conheço Natal mais light que o nosso. Não sei o que é, só sei que é assim.
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Do melhor da vida
- Filho, já é tarde, vamos fazer um ó-ó dos grandes?
- Xim.
(vamos para a caminha de mãos dadas, deito-o, aconchego-o, e beijo-o 49 vezes).
- Moanoite, mãe.
- Boa noite, filho. Te amo muito, muito, muito.
- Tiamo muito muito muito.
- Muito muito muito.
- Muito muito muito.
(Saio. Às vezes ele adormece de vez, às vezes chama-me e pede uma história (sempre de três frases, sempre com o Noddy), às vezes pede para vir para o meu quarto, como hoje).
- Xim.
(vamos para a caminha de mãos dadas, deito-o, aconchego-o, e beijo-o 49 vezes).
- Moanoite, mãe.
- Boa noite, filho. Te amo muito, muito, muito.
- Tiamo muito muito muito.
- Muito muito muito.
- Muito muito muito.
(Saio. Às vezes ele adormece de vez, às vezes chama-me e pede uma história (sempre de três frases, sempre com o Noddy), às vezes pede para vir para o meu quarto, como hoje).
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
Memória recente
O Gabriel, como se devem lembrar as minhas seis leitoras, acordou a cada três horas todas as noites da sua vida até muito mais de um ano, embora nunca tivesse tido problemas para adormecer. Mesmo não tendo problemas, todas as noites desde que passou a dormir no seu próprio quarto (aí dos quatro aos oito meses), punha-lhe o mesmo vídeo do youtube.
Punha-o na cama de grades e ele demorava os sete minutos do vídeo a adormecer - talvez um pouco menos.
E agora estes sons me levam de volta a esses momentos: ele deitado na caminha, eu sentada a ouvir a chucha do meu pequeno insone, a sete minutos das minhas primeiras três horas de paz da noite. E como o tempo cobre tudo de açúcar, hoje não me lembro do cansaço, lembro-me só do cheirinho dele antes de o deitar.
Não sei o que me levou a escolher este vídeo e não outro qualquer - acho que foi o primeiro a aparecer-me numa noite de desespero ao pôr "songs to sleep" na busca do tubi. Tinha esperança de que, em loop, o manteria a dormir toda a noite, mas não.
Punha-o na cama de grades e ele demorava os sete minutos do vídeo a adormecer - talvez um pouco menos.
E agora estes sons me levam de volta a esses momentos: ele deitado na caminha, eu sentada a ouvir a chucha do meu pequeno insone, a sete minutos das minhas primeiras três horas de paz da noite. E como o tempo cobre tudo de açúcar, hoje não me lembro do cansaço, lembro-me só do cheirinho dele antes de o deitar.
Não sei o que me levou a escolher este vídeo e não outro qualquer - acho que foi o primeiro a aparecer-me numa noite de desespero ao pôr "songs to sleep" na busca do tubi. Tinha esperança de que, em loop, o manteria a dormir toda a noite, mas não.
domingo, 11 de dezembro de 2011
The Holstee Manifesto
De vez em quando
Toda a confusão desfaz-se e vejo tudo com muita clareza e pouco julgamento: o que é fundamental, o que é acessório, o que é verdadeiro, o que é transitório, o que não vivo sem, o que não devia viver com.
Como é só de vez em quando, tento gravar esses momentos a ferro e fogo na minha cabeça, que é para quando o dramarama voltar, poder usá-los como botão pára-tudo.
Sei que a maioria das mulheres encontra esses momentos de verdade nos filhos. Curiosamente, os meus relâmpagos de clareza costumam acontecer quando estamos sós, eu o Hugo, a apreciar qualquer coisa em silêncio - seja a avenida da Liberdade, a praia das avencas, um bom filme no sofá, um livro na cama.
Como é só de vez em quando, tento gravar esses momentos a ferro e fogo na minha cabeça, que é para quando o dramarama voltar, poder usá-los como botão pára-tudo.
Sei que a maioria das mulheres encontra esses momentos de verdade nos filhos. Curiosamente, os meus relâmpagos de clareza costumam acontecer quando estamos sós, eu o Hugo, a apreciar qualquer coisa em silêncio - seja a avenida da Liberdade, a praia das avencas, um bom filme no sofá, um livro na cama.
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
A minha caderneta de cromos parte 2
Vocês tinham os Mr. Darcy e outros da BBC, nós tinhamos Dona Beija.
Ao contrário das novelas da Globo, as da Manchete não tinham medo de ser mais arrojadas, mais apelativas - mais sexuais, portanto. Ainda não tinha maminhas e já sonhava em tomar banho de lama, por qualquer motivo que fosse, nas nascentes de Araxá.
Todas as meninas do colégio viam dona Beija. Todo mundo dominava a trama, todo mundo queria ser Beija ou Antônio. Quando Beija amaldiçoou todos os homens que tocassem nela, também amaldiçoámos. Quando Beija se tornou prostituta, também considerámos a carreira. Odiávamos a família do Antônio.
Hoje, ao revisitar a novela no tubi, odeio o próprio Antônio pelo mesmo motivo que odeio Romeu.
Ao contrário das novelas da Globo, as da Manchete não tinham medo de ser mais arrojadas, mais apelativas - mais sexuais, portanto. Ainda não tinha maminhas e já sonhava em tomar banho de lama, por qualquer motivo que fosse, nas nascentes de Araxá.
Todas as meninas do colégio viam dona Beija. Todo mundo dominava a trama, todo mundo queria ser Beija ou Antônio. Quando Beija amaldiçoou todos os homens que tocassem nela, também amaldiçoámos. Quando Beija se tornou prostituta, também considerámos a carreira. Odiávamos a família do Antônio.
Hoje, ao revisitar a novela no tubi, odeio o próprio Antônio pelo mesmo motivo que odeio Romeu.
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
Três coisas fixes, entre muitas outras, que aprendi no curso que estou a fazer
- Contar com a inspiração é contar com o ovo no cu da galinha.
- É melhor perder um prazo do que entregar algo de que não gostamos a 100%. Fragilizamo-nos de outra forma. Sentimo-nos menos mal.
- Podemos exagerar na storyline. Tudo vale para garantir a continuação da leitura.
- É melhor perder um prazo do que entregar algo de que não gostamos a 100%. Fragilizamo-nos de outra forma. Sentimo-nos menos mal.
- Podemos exagerar na storyline. Tudo vale para garantir a continuação da leitura.
domingo, 4 de dezembro de 2011
A minha caderneta de cromos - parte I
Enquanto vocês andavam a mudar do canal 1 para o 2 e a ver a desconhecidíssima-para-mim Abelha Maia, a minha vida era outra, ali do outro lado do mar. Até aos 10 anos, tenho quase a certeza de nunca ter vestido mangas compridas e nunca ter comido morangos.
Na saída da escola, não havia gomas coloridas para vender, era algo que faria os naturebas de hoje em dia gemer de prazer verde: o puxa da cana, doce 100% natural e artesanal.
Era um homem muito baixo, de pele escura e curtida, que ficava à porta da escola puxando a cana com as mãos (bare hands, nada de luvas nem mariquices de espécie alguma)e vendendo o puxa em dois tamanhos, de 20 e de 50 - não me perguntem a moeda, não faço ideia. Como sabem, nós, brasileiros, mudámos de moeda algumas vezes nos anos 80/90.
O puxa é um doce dinâmico, tem de estar sempre a ser puxado e esticado, porque se não fica duro. Tem consistência de caramelo (que é o que é, na verdade) e é quente, e cola-se aos dentes like a bitch. Imagino que ainda se faça nos engenhos, mas duvido que ainda haja homens muito pequenos e escuros a vendê-lo à porta das escolas, já que somos todos tão assépticos hoje em dia.
Na saída da escola, não havia gomas coloridas para vender, era algo que faria os naturebas de hoje em dia gemer de prazer verde: o puxa da cana, doce 100% natural e artesanal.
Era um homem muito baixo, de pele escura e curtida, que ficava à porta da escola puxando a cana com as mãos (bare hands, nada de luvas nem mariquices de espécie alguma)e vendendo o puxa em dois tamanhos, de 20 e de 50 - não me perguntem a moeda, não faço ideia. Como sabem, nós, brasileiros, mudámos de moeda algumas vezes nos anos 80/90.
O puxa é um doce dinâmico, tem de estar sempre a ser puxado e esticado, porque se não fica duro. Tem consistência de caramelo (que é o que é, na verdade) e é quente, e cola-se aos dentes like a bitch. Imagino que ainda se faça nos engenhos, mas duvido que ainda haja homens muito pequenos e escuros a vendê-lo à porta das escolas, já que somos todos tão assépticos hoje em dia.
sábado, 3 de dezembro de 2011
Retrospetiva 2011 parte I e Resolução de Ano Novo parte II, tudo assim meio confuso
É comum ver as pessoas, depois de uma doença grave ou algo assim, dizerem que aprenderam a apreciar o que havia de bom e verdadeiro na vida, e nada mais. Não se contentam com meias coisas.
Ora bem, eu contento-me com meias coisas desde que me entendo por gente, e isso é algo que quero trabalhar em 2012: distinguir o que há de bom e verdadeiro na vida e investir nessas coisas. Quero investir em qualidade, tanto do que consumo como do que ofereço.
Também quero parar de dar murros em pontas de faca e ser mais resignada em algumas áreas da minha vida. Como é que aquele senhor muito religioso* diz? Dai-me força para mudar o que posso, humildade para aceitar o que não posso mudar e sabedoria para distinguir uma da outra.
O que mais quero é sabedoria para distinguir uma da outra.
_______separador de assunto_______________separador de assunto________
Os últimos seis meses têm sido "groundbreaking" para mim de várias formas:
- tenho tido contato com experiências novas que exigem de mim atitudes para as quais não tinha pensado nunca, o que me dá oportunidade de me conhecer melhor;
- tenho tido contato com pessoas demasiado parecidas comigo, o que é meio assustador, porém enriquecedor. Descobri que acho meio difícil lidar "comigo", mas também acho que vale a pena tentar :) (usei um smiley, mas estamos em 2011)
- tenho percebido coisas sobre a minha relação com a minha mãe e o luto que muitas sessões de terapia não me tinham conseguido mostrar;
- essas coisas que percebi sobre mim e a minha mãe também me deram a oportunidade de entender melhor algumas características minhas;
- Saio de 2011 a gostar mais de mim do que quando entrei e queria começar a agir em conformidade com isso em 2012 ( o que nos leva ao começo do post).
- Saio de 2011 sem fugir aos meus fantasmas, graças à Gralha, que me espoletou uma epifania daquelas porreiras.
- No fim de 2010, sentia que 2011 ia ser mau. Acabou por se revelar um ano duro, mas com coisas excelentes, especialmente a nível profissional. Aprendi muitas coisas novas e empolgantes e tenho cada vez mais certeza de que a aposta feita em 2007 foi uma boa ideia. Dito isto, acho que 2012 vai ser bom para mim.
- 2011 também foi um ano de sedimentar novas amizades, e sou grata por elas. É muito bom descobrir e desvendar gente nova. Obrigada, amigas novas! Obrigada por gostarem de mim. Gosto muito de vocês também.
- 2011 foi o meu melhor ano de mãe até agora. O Gabriel é uma coisinha pequena, saudável, bonita, boa onda, tranquilo como o pai. Na verdade, ainda não sei o que, de feitio, ele herdou de mim. A ver se em 2012 aparece-me aqui uma pequena criatura dramática e com queda para a super-análise. Acho que não. De um modo geral, estou orgulhosa do trabalho que fizemos em
2011, embora tenhamos, como diz lindamente o Hugo, perdido o comboio do desfralde e desmame da chucha. Mas perdemos com classe, sem descer das tamancas.
- Ia escrever que 2011 foi o ano em que comecei a ver o meu irmão como irmão, e não como filho, mas seria incrivelmente precipitado. Mas é cada vez mais meu amigo e cada vez gosto mais dele com um gostar que não é instintivo - é mesmo por ele ser um amor: inteligente, batalhador, boa onda, descomplicado a maioria das vezes, engraçadíssimo. Quero ter mais tempo com ele em 2012, mas acho difícil. Temos 10 anos de diferença, demorou alguns 20 até sermos amigos de igual para igual e receio bem que demore outros 10 até termos o mesmo ritmo de vida (se é que alguma vez);
- Os timings de 2011 foram tão perfeitos como têm sido desde sempre - tudo aparece na hora em que é mais necessário - o que me faz continuar a acreditar em anjos da guarda em 2012. Não sei se é em Deus que acredito, mas o acaso na minha vida é inteligente de mais para não ser um pai ou uma mãe. Aconteceram coisas extraordinárias na vida do meu pai também, com timings duvidosos (no sentido de "demasiado duvidosos para serem acaso").
Isto já vai muito longo, mais retrospetiva e resoluções em futuros posts! Sim, porque há muito mais. Arre, como eu penso.
* Chama-se Niebuhr, e a frase não-adaptada-à-realidade-Melíssica é: "God, grant me the serenity to accept the things I cannot change, Courage to change the things I can, And wisdom to know the difference".
Ora bem, eu contento-me com meias coisas desde que me entendo por gente, e isso é algo que quero trabalhar em 2012: distinguir o que há de bom e verdadeiro na vida e investir nessas coisas. Quero investir em qualidade, tanto do que consumo como do que ofereço.
Também quero parar de dar murros em pontas de faca e ser mais resignada em algumas áreas da minha vida. Como é que aquele senhor muito religioso* diz? Dai-me força para mudar o que posso, humildade para aceitar o que não posso mudar e sabedoria para distinguir uma da outra.
O que mais quero é sabedoria para distinguir uma da outra.
_______separador de assunto_______________separador de assunto________
Os últimos seis meses têm sido "groundbreaking" para mim de várias formas:
- tenho tido contato com experiências novas que exigem de mim atitudes para as quais não tinha pensado nunca, o que me dá oportunidade de me conhecer melhor;
- tenho tido contato com pessoas demasiado parecidas comigo, o que é meio assustador, porém enriquecedor. Descobri que acho meio difícil lidar "comigo", mas também acho que vale a pena tentar :) (usei um smiley, mas estamos em 2011)
- tenho percebido coisas sobre a minha relação com a minha mãe e o luto que muitas sessões de terapia não me tinham conseguido mostrar;
- essas coisas que percebi sobre mim e a minha mãe também me deram a oportunidade de entender melhor algumas características minhas;
- Saio de 2011 a gostar mais de mim do que quando entrei e queria começar a agir em conformidade com isso em 2012 ( o que nos leva ao começo do post).
- Saio de 2011 sem fugir aos meus fantasmas, graças à Gralha, que me espoletou uma epifania daquelas porreiras.
- No fim de 2010, sentia que 2011 ia ser mau. Acabou por se revelar um ano duro, mas com coisas excelentes, especialmente a nível profissional. Aprendi muitas coisas novas e empolgantes e tenho cada vez mais certeza de que a aposta feita em 2007 foi uma boa ideia. Dito isto, acho que 2012 vai ser bom para mim.
- 2011 também foi um ano de sedimentar novas amizades, e sou grata por elas. É muito bom descobrir e desvendar gente nova. Obrigada, amigas novas! Obrigada por gostarem de mim. Gosto muito de vocês também.
- 2011 foi o meu melhor ano de mãe até agora. O Gabriel é uma coisinha pequena, saudável, bonita, boa onda, tranquilo como o pai. Na verdade, ainda não sei o que, de feitio, ele herdou de mim. A ver se em 2012 aparece-me aqui uma pequena criatura dramática e com queda para a super-análise. Acho que não. De um modo geral, estou orgulhosa do trabalho que fizemos em
2011, embora tenhamos, como diz lindamente o Hugo, perdido o comboio do desfralde e desmame da chucha. Mas perdemos com classe, sem descer das tamancas.
- Ia escrever que 2011 foi o ano em que comecei a ver o meu irmão como irmão, e não como filho, mas seria incrivelmente precipitado. Mas é cada vez mais meu amigo e cada vez gosto mais dele com um gostar que não é instintivo - é mesmo por ele ser um amor: inteligente, batalhador, boa onda, descomplicado a maioria das vezes, engraçadíssimo. Quero ter mais tempo com ele em 2012, mas acho difícil. Temos 10 anos de diferença, demorou alguns 20 até sermos amigos de igual para igual e receio bem que demore outros 10 até termos o mesmo ritmo de vida (se é que alguma vez);
- Os timings de 2011 foram tão perfeitos como têm sido desde sempre - tudo aparece na hora em que é mais necessário - o que me faz continuar a acreditar em anjos da guarda em 2012. Não sei se é em Deus que acredito, mas o acaso na minha vida é inteligente de mais para não ser um pai ou uma mãe. Aconteceram coisas extraordinárias na vida do meu pai também, com timings duvidosos (no sentido de "demasiado duvidosos para serem acaso").
Isto já vai muito longo, mais retrospetiva e resoluções em futuros posts! Sim, porque há muito mais. Arre, como eu penso.
* Chama-se Niebuhr, e a frase não-adaptada-à-realidade-Melíssica é: "God, grant me the serenity to accept the things I cannot change, Courage to change the things I can, And wisdom to know the difference".
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Um pequeno post daqueles
Hoje de manhã, e por causa de uma epifania que tive na 3a feira, tinha feito uma resolução de Ano Novo: parar de me irritar tanto e levar tudo com mais leveza. A energia que desperdiço com pequenas obsessões saem-me caro em horas perdidas a elocubrar, em qualidade de sono, em várias coisas.
Depois apercebi-me de que essa resolução era apenas uma maneira de eu perpetuar a minha absoluta incapacidade de dizer o que me magoa e o que me desagrada: já sei que frontalidade é algo que não me corre no sangue (diria que em 75% das vezes, para meu próprio bem) e também já sei que as pequenas obsessões que vêm da minha falta de frontalidade me envenenam.
Estou, portanto, num impasse em termos de resoluções de Ano Novo.
Se calhar faço outra dieta.
Depois apercebi-me de que essa resolução era apenas uma maneira de eu perpetuar a minha absoluta incapacidade de dizer o que me magoa e o que me desagrada: já sei que frontalidade é algo que não me corre no sangue (diria que em 75% das vezes, para meu próprio bem) e também já sei que as pequenas obsessões que vêm da minha falta de frontalidade me envenenam.
Estou, portanto, num impasse em termos de resoluções de Ano Novo.
Se calhar faço outra dieta.
Subscrever:
Mensagens (Atom)