Mamãe engravidou inesperadamente do meu irmão no meio da floresta - fronteira entre o Amazonas e o Pará. Passámos lá uns parcos seis meses que me ficarão na alma para sempre. Tucanos no jardim, o maior jardim do mundo - sapos do tamanho de bolas de futebol (na altura ainda não tinha medo deles), pacas, muitas pacas e macacos e o que vocês conseguirem imaginar. Borboletas azuis, metálicas. igarapés de águas gélidas (não tinha estado nas praias da linha, nessa altura). Árvores com troncos do tamanho de casas. Fruta estranha, comida de índio, botos no rio. Andar só de calções aos nove anos.
Eu tinha quase dez anos e o sonho doido de ter um irmão. Sonho doido e esperança nula. Até que mamãe me liga dum orelhão do centro de saúde: deu positivo, Melissa. Fui a primeira pessoa a saber. Papai não estava em casa, corri para o jardim e corri e corri e corri até o viveiro de plantas. E voltei a correr também. Ia ter um irmão. Ia ter um irmão. Deu positivo. Eu nem sabia que ela ia fazer um exame de gravidez, mas tinha entendido perfeitamente o que era "deu positivo" (como anos mais tarde entendi imediatamente o que começava com "encontrei um caroço no peito").
Continua...
quinta-feira, 26 de junho de 2014
quarta-feira, 25 de junho de 2014
Dois filmes que por aqui passaram nos últimos dias
Andando (escolha minha)
Depois do arrasador (porra, que o filme não me passa!) Ninguém sabe, vimos este. Muito mais calmo e menos perturbador (parte fácil), sobre uma família japonesa que se reúne para o 12º aniversário da morte de um dos seus filhos/irmãos. O falecido tornou-se rapidamente o preferido do pai e é impossível aos outros filhos chegarem-lhe aos calcanhares. Em comum com o Ninguém sabe é o estar lá dentro de casa, da cozinha, da casa de banho, dos segredos todos. Não há pudores nem esconderijos. Adorei e estou a tornar-me uma séria fã do realizador.
Mistaken for strangers (escolha do Hugo)
Que delícia de filme. Os National são formados por dois pares de manos e um que anda para lá sozinho, mas que tem um irmão em casa que está um bocado perdido na vida. Decide, então, convidá-lo a vir como roadie numa digressão da banda. Não é um documentário sobre a banda, mas sim, um filme sobre irmãos, sobre o que é amar e aceitar (e tentar educar) um irmão. Quem tem irmãos com uma grande diferença de idade, como eu, vai gostar (e identificar-se) ainda mais.
Depois do arrasador (porra, que o filme não me passa!) Ninguém sabe, vimos este. Muito mais calmo e menos perturbador (parte fácil), sobre uma família japonesa que se reúne para o 12º aniversário da morte de um dos seus filhos/irmãos. O falecido tornou-se rapidamente o preferido do pai e é impossível aos outros filhos chegarem-lhe aos calcanhares. Em comum com o Ninguém sabe é o estar lá dentro de casa, da cozinha, da casa de banho, dos segredos todos. Não há pudores nem esconderijos. Adorei e estou a tornar-me uma séria fã do realizador.
Mistaken for strangers (escolha do Hugo)
Que delícia de filme. Os National são formados por dois pares de manos e um que anda para lá sozinho, mas que tem um irmão em casa que está um bocado perdido na vida. Decide, então, convidá-lo a vir como roadie numa digressão da banda. Não é um documentário sobre a banda, mas sim, um filme sobre irmãos, sobre o que é amar e aceitar (e tentar educar) um irmão. Quem tem irmãos com uma grande diferença de idade, como eu, vai gostar (e identificar-se) ainda mais.
terça-feira, 24 de junho de 2014
segunda-feira, 23 de junho de 2014
Relação saudável com a comida
É, como qualquer outra relação saudável, aquela que não está sempre sob escrutínio. Se pensamos demais na relação, ou no objeto da nossa relação, algo está fora dos carris.
E se querem que vos diga, acho sim, que se preocupar com tudo que se mete na boca e pesar-se todos os dias é tão doentio quanto a compulsão alimentar. Só é mais bonitinho por fora.
E se querem que vos diga, acho sim, que se preocupar com tudo que se mete na boca e pesar-se todos os dias é tão doentio quanto a compulsão alimentar. Só é mais bonitinho por fora.
domingo, 15 de junho de 2014
sábado, 14 de junho de 2014
Magia
Escrever diálogos e depois vê-los ganhar forma na TV. As entonações que saem da minha cabeça, o franzir de sobrolhos, as surpresas. Desejar e torcer ardentemente para que os atores entendam o que quis dizer. Eu penso, eles realizam.
É o mais próximo de concretizar sonhos, no sentido mais literal da expressão, que vou estar.
É o mais próximo de concretizar sonhos, no sentido mais literal da expressão, que vou estar.
quarta-feira, 11 de junho de 2014
This is water, ou de como, às vezes, adoraria ser cat person em vez de people person
Reparo, nestes dias, como a vida, de um modo geral, tem sido meiguinha comigo: praticamente só me põe gente fixe à frente, gente com quem apetece estar, de pés assentes na terra (e cabeça nas nuvens, a maioria das vezes).
Mas ultimamente as coisas têm mudado, e têm aparecido pessoas diferentes: gente insegura, gente que suga a energia e positividade dos outros, que os fazem sentir inferiores e errados de alguma forma; gente arrogante e que não conhece limites, gente que invade espaços onde não têm lugar, gente que vira a energia dos lugares onde estão. E aí tento lembrar-me do tal discurso do David Foster Wallace sobre tentarmos ver além do imediato, além da capa mesquinha superficial, de tentar ir ao fundo das pessoas. Escolher pensar e entender. E escolher a compaixão, sempre, em todos os casos.
Mas caramba, custa-me muito lidar com estas novas situações. Sofro com elas, sofro pelas pessoas que sofrem com elas. E é difícil não me tornar defensiva e amarga. É custoso estar sempre a cavar essa gente à procura da sua essência (que será boa, claro. Claro!). E se não for assim? E se estiver a perder o meu precioso tempo e energia a tentar entender o que não merece entendimento? São as ações que interessam, certo? As ações é que dizem quem são as pessoas, e não as intenções. É nisto em que acredito, mesmo tentando ir pelo lado mais crístico. Se ages como uma cabra ou um cabrão, o que me deve interessar de onde vem esse comportamento? Se ages como uma cabra ou um cabrão, devo afastar-me de ti, e não estender-te a mão. Não é assim?
Mas ultimamente as coisas têm mudado, e têm aparecido pessoas diferentes: gente insegura, gente que suga a energia e positividade dos outros, que os fazem sentir inferiores e errados de alguma forma; gente arrogante e que não conhece limites, gente que invade espaços onde não têm lugar, gente que vira a energia dos lugares onde estão. E aí tento lembrar-me do tal discurso do David Foster Wallace sobre tentarmos ver além do imediato, além da capa mesquinha superficial, de tentar ir ao fundo das pessoas. Escolher pensar e entender. E escolher a compaixão, sempre, em todos os casos.
Mas caramba, custa-me muito lidar com estas novas situações. Sofro com elas, sofro pelas pessoas que sofrem com elas. E é difícil não me tornar defensiva e amarga. É custoso estar sempre a cavar essa gente à procura da sua essência (que será boa, claro. Claro!). E se não for assim? E se estiver a perder o meu precioso tempo e energia a tentar entender o que não merece entendimento? São as ações que interessam, certo? As ações é que dizem quem são as pessoas, e não as intenções. É nisto em que acredito, mesmo tentando ir pelo lado mais crístico. Se ages como uma cabra ou um cabrão, o que me deve interessar de onde vem esse comportamento? Se ages como uma cabra ou um cabrão, devo afastar-me de ti, e não estender-te a mão. Não é assim?
Quanto custam estes? |
quarta-feira, 4 de junho de 2014
Isto vai soar incrivelmente pedante, mas lá vai
Às vezes sinto ideias antigas, amadas, histórias meio escritas, interesses meio perseguidos, tudo ao molho a bater-me na cabeça: quero sair, quero sair, quero sair!
Uma delas tem mesmo de sair urgentemente, sob pena de morrer. Já agonia, e meu Deus, como eu a amo, como ela sou eu, um bom bocado de mim.
Sim, uma questão de prioridades, eu sei. Mas caramba, é difícil dizer não a trabalho pago. Já disse isso algumas vezes, não disse?
Sim, uma questão de prioridades, eu sei. Mas caramba, é difícil dizer não a trabalho pago. Já disse isso algumas vezes, não disse?
segunda-feira, 2 de junho de 2014
Há dias bons, a maioria deles
E depois há dias de merda, como hoje, em que dez anos parecem dez dias, em que sinto a falta dela a rasgar-me, um paredão intransponível de tristeza e de ausência, a avó que não chegou a sê-lo, a mãe do homem que o meu irmão se tornou, a senhora de 60 anos que se tornaria amanhã. Perguntei naquele dia na cozinha: onde é que ela vai estar, S., quando a vida começar a acontecer? Vai ser energia, Melissa.
Mas eu não queria que a minha mãe fosse energia. Mãe não é para ser energia.
Mas eu não queria que a minha mãe fosse energia. Mãe não é para ser energia.
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