quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Transcendência e Imanência





Na primeira é tão difícil chegar a Deus, na segunda, somos Deus. Hoje ouvi "voo", a canção que me salvou em 2014, como um amigo que me diz que está tudo bem porque temos tudo de que precisamos.  Se George Harrison me angustia, Secos & Molhados diz que a busca não é cá fora.

Podia passar horas, horas, o resto da vida a escrever sobre estas duas maravilhas. O ano vai acabar e sou grata por elas terem sido escritas, por eu as ter encontrado e pelo papel que têm na minha vida, como grandes livros e grandes filmes, por me ajudarem a entender-me melhor.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Nenhuma perda é só perda: em tudo há perdas e ganhos


Já comecei e deixei psicoterapia algumas dez vezes, e levo sempre uma frase de cada terapeuta (acreditem, já não é mau). E esta aí de cima foi a frase que trouxe da segunda terapeuta da minha vida. E a cada perda que sofro, vejo que ganho alguma coisa.

Tenho um zumbido no ouvido e plenitude aural há alguns meses, sem diagnóstico. Andam a revirar-me do avesso. Parece pouco, mas quem tem um som fantasma nos ouvidos 24 sobre 24 sabe que não é. E não vou falar sobre isso agora, porque só me faz concentrar-me mais ainda no zumbido.

O que importa para aqui é que desta vez os ganhos da perda nunca foram tão claros. Vi com uma clareza monumental a grande, enorme parva que tenho sido há anos. Vi como andei a negligenciar tantos milagres para só me concentrar na merda. Quanta energia perdida com o que eu não controlava. A única coisa que esteve sempre ao meu alcance foi a reação que eu deveria ter aos acontecimentos, e nada fiz sobre isso. Tanta energia do bem desperdiçada, energia criativa.

Sim, sim, vou chagafreitar-vos a partir de agora: quantos pássaros não ouvi, quanto matagal verde, quantas piadolas do Gabriel. Quanta endorfina ficou por ser libertada enquanto descargas de adrenalina faziam a festa neste corpo maltratado. E as flores de maracujá aqui ao pé de casa? Só dei por elas quando o zumbido apareceu. Hoje vinha pelo caminho até à escola a falar com o Gabriel e perguntei-lhe se ele achava que as flores ainda estavam lá. Ele disse que sim, claro. Eu achava que não. Chegámos a elas e lá estava uma heroína da resistência, tímida mas hirta. O Gabriel apontou-lhe num sorriso sem dentes de cima, boca aberta como as dos peixes cá de casa. Surpresa, mãe.

Quantas preciosidades dessas perdi a cada dia em que me concentrei na merda, única e exclusivamente na merda? Que diabo. Mudei.

Mudei. Hoje recebi um mail chato que não me chateou nadinha. É que nadinha, mesmo.

Este foi o ganho do zumbido. Cá para mim, foi para isso que ele veio. Estou numa fase de transição da minha vida a vários níveis, todos eles com dores e delícias. E vou sair desta fase melhor, mais forte, mais saudável, mais bonita. Sobretudo mais atenta.

Antes de tudo, mais atenta ao que interessa - e já vos disse, o que interessa é o Gabriel. Depois o Hugo. Depois tudo o resto, em variadíssimos graus, sendo que o topo da minha lista nos últimos anos foi lá para o meio/fim.

É mais uma peça do puzzle.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

De Gabriel

Uma pessoa fecha-se em si e dentro dos ouvidos (no meu caso) e às vezes, possuída, não dá o devido valor ao que realmente interessa. E o que interessa é o Gabriel.

Há uns dias estive a ler os primeiros posts deste blog, que começou no dia em que ouvi pela primeira vez o coração dele a bater. Toda a descoberta, o cair - e o levantar-se, vezes sem conta - na realidade, o bebé facílimo que ele foi mas que eu, cheia de expectativas hollywoodianas, não conseguia enxergar. Mas hoje não escrevo sobre o Culpossauro nem o Ouvidossauro (um muito recente primo), escrevo sobre o meu filho, que cresceu para se tornar a criança mais formidável do mundo.

Lembro-me de, aos seis anos, querer coisas, muitas coisas. O Gabriel quer muito pouco. Quer canja da avó Lurdes. Quer que o Vô Zé venha jantar com ele. Quer cócegas da Bel. Passa horas a ver jogos na Fnac e não me lembro de ter pedido seja o que for, nunca. O mundo dele é feito de carinho, de mimo, coisas que só muito mais tarde descobri não terem preço. Para o meu filho, uma canja da avó não tem preco hoje. E ele tem seis anos.

O Gabriel é sensível, sensível como eu, para mal dos nossos pecados. Como eu, gosta de agradar  gregos e troianos. Como eu, tem uma dificuldade terrível em defender-se e, como eu, está a aprender como pode. Como eu, tem uma letra pavorosa e desenha muito mal. Como eu, constrói mundos em poucos minutos. Como eu, conta histórias. As histórias preferidas do Gabriel são as que eu lhe vou desfiando à desgarrada, ele sempre o protagonista destemido ajudado pelos seus fieis escudeiros e damas indefesas da escola contra os vilões do mundo. Bate os olhos pesadamente, o sono a levar-lhe a melhor antes do fim da história, mas a sorrir -  afinal o Gabriel salva todos no fim, a cada vez. Sonha acordado como eu, embora em voz alta.

O xodó do Gabriel não sou eu, o xodó do Gabriel é o Hugo. Entendem-se na Playstation, território que co-habitam. O Hugo dos trabalhos de casa, é com ele que comemora as novas competências. O Hugo dos métodos novos de matemática. O Hugo do puff onde se aconchegam à noite a partilhar um travesseiro, eu sozinha, no meu sofá. O Hugo, que sabe do que ele fala a maior parte do tempo, super-heróis obscuros (para mim) e territórios da Terra Média. O Hugo que o veste na natação, com os seus segredinhos de balneário masculino. Sim, tenho ciúmes. Morro de ciúmes.

O Gabriel tem a melhor educação formal que o dinheiro pode comprar, que é a escola pública que escolhemos para ele, com aqueles colegas dele e aquela professora dele, aquelas auxiliares dele. O Gabriel vem connosco ao teatro, a concertos, a passeios que diz a todos serem enfadonhos, mas que farão parte do seu património assim como uns concertos de jazz pavorosos a que os meus pais me levavam fazem parte do meu. O Gabriel senta-se no chão em museus e desenha os seus desenhinhos maus, com o pai ao lado, enquanto eu leio tudo e googlo o que não encontro. O Gabriel faz perguntas, nós fazemos perguntas ao Gabriel. O Gabriel agarrou-me um dia pelo rosto e disse-me: mãe, espero que melhores - e saiu a correr. Faz-me chorar algumas vezes.

O Gabriel é filho único dos seus pais que só sabem ser pais dele, que não querem amar mais ninguém como o amam a ele. O Gabriel inventa irmãos imaginários com os quais não sabemos lidar. O Gabriel inventa bichos de estimação imaginários muitíssimo mais fáceis de lidar do que os irmãos imaginários. O Gabriel conta os sonhos de manhã antes de dizer bom dia. Gosta de correr nu pela casa desde que aprendeu a fazê-lo, seja verão ou inverno.

O Gabriel é tão mais do que tudo que sonhei para mim. É só doçura, só prazer de viver, só beleza. A ver se me lembro de dizer isso ao Hugo, junto com um agradecimento por tudo que somos. Amanhã cedo, antes de lhe dizer bom dia.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Ouvir

"O que é que não queres ouvir?", é uma pergunta que me tem surgido de várias maneiras, através de várias pessoas, nos últimos dois meses. Tenho tido imensos problemas nos ouvidos (que coincidiram com um grande evento na minha vida) que me deixaram completamente obcecada. Tenho uma perda moderada num deles e um incómodo persistente no outro, como se estivesse sempre dentro de um avião. Já fiz ressonâncias magnéticas inconclusivas. Já fiz tudo, sobretudo pensar nos ouvidos em vez de pensar no resto da vida.

 "O que é que não queres ouvir?", perguntam-me. E eu não sei. Não sei.

Todos os dias acendo velas para o meu anão. O meu anão era um anão de jardim da minha mãe, como já devo ter dito aqui várias vezes. Com cada vela, vem um pedido, seja para mim ou para outras pessoas. Com cada vela vem um toque no nariz do anão (sem julgamentos, ok? Não está fácil para ninguém.) e um pedido formulado ou não.

Hoje acendi a primeira vela do dia e olhei para o anão. E disse-lhe: eu amo-te, eu perdoo-te. Perdoas-me? Nada mais interessa. Segue o teu caminho. Vai com Deus. Não te peço mais nada.

Fui deixar o Gabriel na escola e fui beber café. Tinha cerca de 40 minutos entre o café e uma formação via skype já marcada. Nesses 40 minutos, consegui pôr no papel, em história, uma ideia que tenho cá dentro desde há anos. Sem hesitações, do princípio ao fim.

Desde junho que não escrevo nada, não consigo. Mal escrevo aqui.

Os ouvidos continuam entupidos, mas se este puzzle tiver três mil peças, já encontrei um dos cantos.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Sim, há comunicação

Não me digam que as coisas não têm um sentido, que não há qualquer tipo de amparo. Mesmo se me disserem que "é tudo uma questão de leitura", como diz o meu pai (e que acabou por se transformar no maior lema da minha vida), quem é que predispõe os nossos olhos para o que precisamos de ler?

Estou há dois dias a chorar. Quando estabilizar, explico o porquê - caso alguém ainda se interesse e passe por cá :) -, tem sido muito difícil lidar com as emoções desde segunda feira. E eis que na minha playlist da semana do spotify surge uma das músicas preferidas da minha mãe, que ela cantava em nananan por não saber inglês.

De milhares de canções que me podiam aparecer, no meio da hispterada que costuma ser a minha lista.



Não me digam que estou sozinha.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Cochilei durante meia horinha de manhã

E estava num quarto de hotel alto, com uma vista infinita para um mar parado de água escura. Vi no quarto do hotel quadros com capas de revistas da minha infância, coisas de que me lembrava vagamente. Parti as molduras, tirei de lá as capas das revistas e olhei-as a fundo, até me lembrar de cada uma delas. O mar lá fora tornara-se revolto, batendo contra as rochas, subindo altíssimo, cada vez mais alto, galgando uma estrada ao longe. O Hugo estava lá, de repente. Apontou para o mar: olha, a água a subir para a Marginal, como gostas.


Não há nenhum sonho que não melhore com o Segundo Sol.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Curtíssima sobre coisas que tenho descoberto que deviam vir acompanhadas com imagens de gatinhos

Sou repetida e sistematicamente salva pelos meus amigos.
E eles não fazem ideia disso. 
Ou fazem e são demasiado elegantes para o demonstrarem. 

Há mais:

Existem duas coisas importantes: a saúde e as pessoas. 

Há mais: 

Banhos de descarrego no mar funcionam. A receita do meu pai é simples: entrar  e rezar Pais Nossos a olhar para o horizonte.  Eu rezei alguns Pais Nossos a olhar para o horizonte. Virei-me para a areia e rezei algumas Aves Marias a olhar para o Hugo e o Gabriel. No dia seguinte, como aquelas correntes de email dizem, as coisas começaram a desbloquear e o reboliço começou a amainar, a energia virava devagarinho e as coisas boas, aquelas de que preciso, começaram a aparecer. O poder dos mantras. Os católicos são os únicos que conheço, mas imagino que resulte com qualquer um que faça sentido.

Há mais:

Acredito em anjos da guarda. Acredito em amparo vindo de cima. 

Há mais:

É dando que se recebe. 

domingo, 26 de julho de 2015

Leve o mundo que eu vou já

Lembro-me da minha mãe a ouvir esta canção às gargalhadas, achava a letra engraçadíssima. Fazia pause para me repetir os versos preferidos, e eu não achava piada, achava simplesmente bom, a tríade Marisa Monte/Nando Reis/Carlinhos Brown não faz nada menos de excelente, pelo menos para os meus ouvidos, pelo menos até hoje. Ela adorava o disco todo, que não é este Acústico, é outro simplesmente ao vivo que não encontro em lado nenhum - mas esta canção era especial. Eu estava no Porto quando a Cássia Eller morreu, e a minha mãe telefonou-me em lágrimas. Era fã a sério.

 Não sei a que propósito ECT apareceu na minha cabeça hoje depois de tantos anos,  mas, para quem tem a memória infectada pelos últimos dias da doença dela, inomináveis, indescritíveis, é sempre um diamante, um brinde inestimável lembrar-me das pequenas coisas, do cantarolar despreocupado, da risada. "Ele estava em casa com a vitamina pronta, Melissa..." e ria-se, ria-se.

Hoje achei a canção hilariante também.


Gosto muito mais da versão que ela ouvia, umas guitarradas fabulosas. Vou ver se encontro no Spotify.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Fome

Jantámos no mercado do Bom Sucesso todas as noites, porque 1. era ao lado do hotel, 2. gostamos de mercados o que gera o 3., somos uns pirosos e bimbos. E um fim de tarde estávamos lá a bebericar mojitos quando somos abordados por uma tipa desesperada, ofegante, a pedir dois euros, por favor, dois euros é o que me falta para comer. Dei-lhe um, e ela ficou impaciente, porque precisava de dois, dois, e não um, impacientei-me e ela foi à mesa seguinte, onde um grupo alegre fazia a sua happy hour.

Enquanto lá tentava sacar dinheiro ao grupo que se ria às gargalhadas, a mulher a jurar de pés juntos que era para comida e não para a droga, eu muito indignada a dizer ao Hugo que as pessoas se apressam muito a julgar as outras, estão lá eles na pele daquela pobre diaba para saber o que custa não ter a dose de que precisa, o que é que eles têm a ver com o que ela vai fazer com o dinheiro, ou dão ou não dão, agora estarem ali a rir-se da/com a mulher, isso é que não podia ser, agora humilharem uma pessoa por causa das suas dependências, obrigando-a a mentir, será que não lhe podem deixar um pouco de dignidade?, e por aí fui em diante, com o meu filho muito perplexo a perguntar se a mulher tinha fome e eu a dizer, muito cheia de mim, que sim, filho, tinha fome mas não era de comida, tanto falei do topo da minha enorme empatia social que não reparei que a mulher já estava de volta do interior, com o seu prato de risotto muito bem decorado e uma bela duma fanta a acompanhar, sob os aplausos fortes da mesa dos happy-hourers e não só, a repetir em alto e bom som para quem quisesse ouvir, eu não disse? Eu não disse?

E eu ali, de queixo caído, enquanto ela se senta na mesa à frente da minha e sorri-me, faz-me o gesto do polegar, agradece. Eu, desconcertada, faço que sim, o que é que me resta fazer, né.

A senhora tinha fome de comida mesmo, mãe, de arrozinho.

domingo, 19 de julho de 2015

Também por isto

Consigo passar 20 minutos num crescendo de empolgação a falar como eles eram incríveis e tinham cerca de quatro partes diferentes numa só canção, tudo tão brilhante e bom e sem medo de ser feliz, e não têm só dois álbuns bons, para mim têm mesmo todos, não te lembras de Innuendo? Música enorme, não a oiço há 20 anos. 

Ele está habituado aos meus rabujos monotemáticos de uma hora, vai dizendo que sim, pontua, não conversa, não discorda, não dá corda, deixa-me falar e falar à vontade.

E depois mais tarde estamos em casa, depois de um dia intenso de calor, a aquecer o jantar e a chamá-lo 50 vezes até ouvir um já vou, tão longe de tudo que é épico e brilhante, e de repente o motivo do já vou, meteu-me Innuendo no Spotify, e sim, cliché dos clichés, ergui o pulso fechado no ar com a boca cheia de esparguete, yeah, we'll keep on trying.


quinta-feira, 16 de julho de 2015

Os rios

Estava eu à espera do cruzeirinho turístico a contorcer-me de nojo da água turva cheia de peixões enormes e radioativos, ali no cais pejado de turistada também enojada ao olhar para o rio, quando ouvimos tchibum, e mais tchibum, e eles são morenos, muito morenos do sol, assim como o meu filho, têm tronco nu e são magros, alheios ao passeio dos turistas bimbos, porque estes, senhores, estes rapazes estão a banhos. Saltam elegantemente para dentro de água, poses perfeitas, desde os mais pequeninos aos mais velhos, sendo todos jovens, jovens e sozinhos, e pobres. Capitães da Areia, e eu ali a pensar, qual é a história aqui, quem são, qual é a história.

Qual é a história aqui.

Não conhecia o Porto e não é por três dias que ia passar a conhecer, mas a história está com certeza algures nas casas que sobem a colina, velhas, decrépitas, como as das colinas que bem sabemos de Lisboa, e os rapazes são os mesmos, morenos e pobres. Só que os nossos cresceram divorciados do seu rio, enquanto aqueles cresceram no seu seio. E é bonito de se ver, os magotes de meninos espalhados ao longo das margens a chamar o Douro de seu enquanto nós, bimbos, gordos, brancos,  bebericamos vinho de dentro de barcos turísticos, não sem não invejar um pouquinho os seus mergulhos naquela tarde de 36 graus, aquele abandono, aquela confiança na água escura que os engole e os devolve, os engole e os devolve, todas as vezes.


domingo, 28 de junho de 2015

Não.

Subíamos a Almirante Reis, cerca de 23h, noite quente. Ele estava à porta da sopa dos pobres a espreitar para o interior, que estava obviamente fechada. Perguntámos-lhe se tinha fome. Claro que tinha. Levámo-lo a uma tasca, ele escolheu o jantar do menu, pediu uma coca-cola, café. Disse-nos que tinha um neto da idade do Gabriel, e dois filhos, todos em Alverca. Pagámos e despedimo-nos. Ele fez uma festinha na cabeça do Gabriel e apertou as mãos do Hugo. Olhou-o nos olhos com uns olhos que eu nunca tinha visto, como se fôssemos o seu Euromilhões pessoal. Sentimo-nos quentinhos ao sair da tasca.

Mas não. Não. Este quentinho envergonha-me por várias razões, deixo cá as duas maiores: uma é pela nobrezazinha barata e fácil: o quentinho de caridade, de superioridade. Não olhei nunca para aquele homem como um semelhante, olhei para ele como alguém que precisava de mim. E isso incomoda-me sobremaneira. Rejeito essa instrumentalização do homem faminto em prol das minhas endorfinas.

E a segunda razão: dar-lhe comida não deve ser, não pode ter sido um ato nobre. Tem de ter a nobreza de qualquer outro reflexo, que é, imagino, nenhuma: não nos sentimos bem por não deitar lixo no chão ou por respeitar uma fila. Dar comida a um homem faminto não pode ser diferente.

Nem merecia este post, se não fosse a vergonha de ter achado, nem que por cinco minutos, o ordinário, extraordinário.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Curtíssima sobre 2010

Estive a ler uns posts antigos do blog e, caramba, como eu era vibrante e eloquente há cinco anos. E otimista e de pé no chão. Gostei muito daquela gaja: tinha muito mais contra ela do que tem hoje em dia, e, no entanto, era muitíssimo mais energética e positiva.

Quero aquilo de volta, ou, por outra, quero uma atualização daquilo, porque sou a mesmíssima pessoa: continuo a pensar aquelas coisas. Continuo a abraçar o meu lado sombrio. Continuo aos trambolhões com a maternidade e o casamento. Continuo a ser uma pessoa de pessoas e não de solidão. No entanto, a energia foi para parte incerta. Não me digam que é uma questão de maturidade, recuso-me a aceitar isso e, em sendo, devolvo-a de bom grado. Era mais feliz em 2010, com muitíssimo menos dinheiro e opções.

Aconteceu alguma coisa pelo caminho que me roubou o brilho daquele ano. Um bruxedo qualquer que não identifico. Qualquer coisa me anda a sugar a energia do bem, e, seja o que for, vai ter de parar.

Se calhar tenho de escrever à Simara a perguntar que cristal uso para isso. 

segunda-feira, 22 de junho de 2015

E agora que estou mais velha...

Eu e o meu pai temos 21 anos de diferença entre nós.
E, se sempre foi pequena, esta diferença esbate-se de ano para ano. Ultimamente, de conversa em conversa. Começam comigo e os meus desesperos urgentes e estapafúrdios, e, se antes as conversas acabavam com ele a fazer-me festinhas, agora já consigo pô-lo de frente com alguns fantasmas dele. E acho isso muito bom.

Espero pelo dia em que seja ele a chegar a mim com um desespero urgente e estapafúrdio para eu resolver.
(Mas duvido, ele é macho demais.)


quinta-feira, 18 de junho de 2015

E às vezes...

... Pergunto-me se não seríamos todos mais felizes, eu, o meu pai e o meu irmão, se tivéssemos escolhido uma via mais branda, talvez o serviço público? Fazer concursos, como boa parte dos brasileiros? Talvez nunca tivéssemos saído do Brasil. Não teríamos estas agonias ocasionais de estarmos entre projetos e eu talvez ainda não tivesse cabelos brancos. 

terça-feira, 16 de junho de 2015

Notas soltas para começar o dia

 - Sim, "A Rapariga no Comboio" é vendido como o novo Gone Girl, mas não é - eu até gostei bastante, mas não é Gillian Flynn. "Ah, mas então como mato esta orfandade de gajas maradas que a Gillian deixou", perguntam vocês. E eu respondo: assim.

- A tentar decidir se a SPOILER ALERT morte do Jon Snow está mais para Jesus ou para César. Como a novela acabou, posso entreter-me com este pensamento durante algum tempo, o que muito me apraz. (E fico aqui à espera da minha Sony a vir dizer que blablabla no livro blablabla. Adoro-a, minha book snob. Parei a meio da saga, pouco antes da morte do Rob porque "não estava a acontecer nada há cem páginas" e não me arrependo, a série é estupenda e adoro todo o culto de não-leitores à volta dela. Para mim, a melhor história de sempre).

- Prometi ao Hugo que ia tentar combater as minhas obsessões. Estou sempre com uma ou outra e adoraria ser uma pessoa mais relaxada, menos preocupada com o futuro, mais parecida  com o meu irmão. Ou pelo menos que aprendesse a usar a ansiedade para o bem e não me deixasse paralizar por ela. Perco muito tempo com pensamentos circulares, inúteis, tóxicos,  tempo que podia ser muito mais bem empregue a tentar decidir se SPOILER ALERT o Jon está mais para Jesus ou César.

- A novela acabou. Foi uma novela a todos os níveis, como devem ser todas. Não estou nostálgica, não estou triste, não estou nada. E também acho isso chato. Talvez esteja entorpecida pelo cansaço, pela preocupação com o futuro... Não sei bem. Não vou transformar o não sentir nada numa obsessão e quebrar a minha tão recente promessa.

- Anseio pelo silêncio da mina, das ruínas, da água vermelha, venenosa lá em baixo. Pelo sotaque do Alentejo. É uma pena não perguntarem aos naturalizados de onde querem ser, porque eu quereria ser do interior do Alentejo, todos os dias. Adoraria passar mais tempo lá desta vez, mas o tempo não para.

- Pé em Deus e fé na taba.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Curtíssima sobre mecanismos de defesa antigos

Desligo-me emocionalmente do que não posso ter. É que por mais que tente ligar-me, não consigo, está acima de mim: todo o desejo e apego cessam diante da distância. Não desejo viagens às Maldivas, não desejo um carrão. Só cobiço o atingível. Pode ser preguiça minha, mas até sou feliz assim, que se há de fazer? Já escrevi sobre isso aqui, sobre os muros que a perda da minha mãe fizeram aparecer.

You can only lose what you cling to. Eu achava que era desapego a mais (e é), mas hoje descobri que é um ensinamento do Buda, então escrevo aqui diante de vós Iluminada.

Mas sou uma sonhadora. Ah, se sou. Mas sonho com o que consigo fazer.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

terça-feira, 2 de junho de 2015

Curtíssima sobre... o quê, mesmo?


Sim, não me lembro de um momento na minha vida em que não estivesse a queixar-me de cansaço, mas caramba, não. Isto é cansaço, isto que sinto agora. Não me lembro de nada. Estou reduzida a um nível ridículo de funcionamento mínimo, onde me esqueço do antibiótico do meu filho, de despachar trabalho, do que valho como pessoa. O cansaço, o verdadeiro cansaço, deturpa-nos os dias e desumaniza-nos, ou antes, desumaniza-me; neste momento em que vos falo não me sinto 100% gente, sinto-me um poço de desânimo e culpa.

O resto é um vazio enorme e sonolento, de pestanas pesadas e reticências entre palavras. 

domingo, 17 de maio de 2015

Dando cabo da minha reputação em três, dois...

Acho que já disse isto há uns tempos: posso duvidar muitas vezes da existência de Deus, mas não tenho nenhuma dúvida da existência de anjos. Eu sei que existem, não sinto que existem; como sei que o meu filho tem olhos castanhos.

Uma pessoa que aborda outra do nada, como se lhe farejasse o desespero, e dá-lhe uma mensagem que só ela é capaz de entender no momento em que ela mais precisava. Vi isto hoje, diante dos meus olhos. Cheguei um pouco tarde e a minha observação foi óbvia: eram duas velhas amigas, uma a consolar outra num momento mau. Mas não; nunca se tinham visto mais gordas na vida, eram perfeitas desconhecidas.  Não havia explicação lógica para aquela comunicação perfeita e antiga. Não precisava de haver. Aquela pessoa materializada do nada trouxe alívio a quem precisava e eu fui testemunha. Tentei explicar porque chorava, mas não foi necessário, porque a pessoa entendeu. Um olhar dela bastou. "Não tentes racionalizar isto", dizia o olhar.

Como há dez anos me tinha acontecido exatamente a mesma coisa - mas a mim, a mensagem era para mim nessa altura -, assenti. Não há necessidade de explicar os recados que aparecem pelo caminho. Às vezes, basta aceitar o amparo que nos surge sabe lá Deus (lá está) de onde. Aceitar e agradecer.

Racionalizar, por vezes, é para fracos.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

O dom da escrita

Para escrever profissionalmente, o "dom da escrita" ou "o jeito para escrever" vem aí em sétimo ou oitavo lugar. Antes disso, vem o dom de trabalhar duro, em equipas por vezes boas, por vezes difíceis. Vem também o jeito para engolir sapos e negociar ideias, o ser convocado a más horas em maus períodos para dar o corpo ao manifesto. O dom da humildade. O dom de trabalhar bem, muito bem, até, no vazio. Mais facilmente se consegue ganhar a vida a escrever só com estes dons e jeitos que acabei de falar do que só com talento.

Talento sem trabalho é um nada. É abstração pura. Aliás, é pior do que nada, porque dá a sensação de alguma coisa.

sábado, 9 de maio de 2015

Eu

When Iefind the living a bore, there's a place I can go. I answer the call, go over the wall, where the crosses are all in a row.

Do excelente Beneath Thy Feet.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

UrbanSketchers no Thyssen

Gostava que o Gabriel desenhasse bem, por isso ando a incentivá-lo.
Normalmente ele faz os seus rabiscos em qualquer altura e em qualquer lugar o que me dá uma certa alegria. Aproveitando o interesse, na última viagem a Madrid, este fim-de-semana, dei-lhe um caderninho para que ele se distraísse a desenhar enquanto eu e a Melissa víamos o museu Tyssen. Tínhamos algum receio que ele se aborrecesse e nos fizesse a vida num inferno. Felizmente o Gabriel ficou sentado no chão a desenhar o quadro El Paraíso de Tontoretto de 1588, entretido e todo feliz. O comportamento trouxe uma onda de enternecimento pelos visitantes que não resistiam a sorrir ao ver o desenho e o esforço dele, o que me deixou bastante babado.
A tarde passada no Tyssen foi muito agradável. A Melissa apaixonou-se por um quadro de que nunca ouvi falar chamado Maria y Annunziata “del puerto” de 1923 pintado a óleo por Christian Schad.

Foi simpático e libertador ficarmos os 3 sentados no banco em frente ao quadro da Melissa, eu e o Gabriel a desenhar e a Melissa com as lágrimas nos olhos depois destes meses todos em que andámos cansados e desatentos uns aos outros.





quinta-feira, 7 de maio de 2015

Curtíssimas Madrid - I

“If a painting really works down in your heart, you don’t think, ‘oh, I love this picture because it’s universal.’ That’s not the reason anyone loves a piece of art. It’s a secret whisper from an alleyway, Psst, you. Hey kid. Yes you.”
Donna Tartt, The Goldfinch.

Em Paris não foi um quadro, foi uma escultura. Em Madrid, foram duas atrizes numa varanda que me fizeram sentar no banquinho a respirar fundo e a dar-me tempo de as conhecer. Uma confia mais do que a outra. Uma está mais cansada do que a outra. Uma é mais amada do que a outra. Uma protege a outra, que é mais ingénua. Uma já passou por mais coisas que a outra, ou talvez tenham passado por merdas igualmente ruins mas só uma ficou com cicatrizes. 

O Hugo volta de alguns corredores à frente com o Gabriel e eu ainda estou ali a topá-las, a elas, a que já cheguei emocionada pelo Hopper da mesma sala. O Hugo senta-se e eu tento disfarçar o choro, porque foda-se, já choro, choro por milhões de motivos que a Maria e a Annuciata me evocam. Ele não olha para mim, porque sabe que eu tenho vergonha desses acessos imbecis vindos do nada. 

- Queres que as desenhe?


Este é o original, não é a versão do Hugo. :)

sábado, 25 de abril de 2015

25 de abril

Normalmente temos a noção do peso que as coisas têm na nossa vida mais tarde, quando tudo assenta, obviamente porque na altura precisamos de força e objetividade para agir.

No verão passado, os meus exames de rotina deixaram uma pequena dúvida. Havia uma pequena possibilidade de ter cancro da mama e sabemos que não há pequenas possibilidades, se houver uma pequena possíbilidade ela vai torturar-nos como as grandes, pelo menos para os neuróticos. Foi muito duro. Não sei pôr em palavras tudo que se passou na minha cabeça naquele mês de agosto, durante a ecografia e o resultado da biópsia.

Mas houve uma canção que me ajudou a passar por tudo, esta:

que ouvia em repeat várias vezes por dia a armar-me, a criar coragem para o que podia estar pela frente. Conversava com a minha mãe como se a visse enquanto ouvia Voo, num tipo de transe.

Hoje voltei a ouvi-la e chorei como não chorava há anos.




quinta-feira, 9 de abril de 2015

Casa mortuária de Tires

Não é numa igreja, ou por outra, ao que parece, é numa capela pequenina, de portas abertas para o largo mais movimentado do bairro. Às cinco da tarde, crianças são levadas pela mão por pais de fato apressados, ai a natação, ai o ATL, taxistas bebem uma mini ao balcão do café, senhoras vêm do mercado com sacos e carrinhos carregados de folhagem, a camioneta para e vomita as gentes dos comboios cá para fora, e ali o caixão virado para a rua, uma velha de luto à porta a ser amparada por outras velhas, não posso com isto, vou com ele, deixem-me ir com ele, cadeiras de que vela na rua, alguém tropeça nelas, um carrinho de bebé. A morte e a vida de mãos dadas, sem tempo uma para a outra.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Para uso pessoal



"... I thought it was an exaggeration, this thing about parents being overly involved with their kids. I mean, my mum and dad loved me, they were, like, interested in me when I was growing up in the nineties, but they weren't, like, obsessed with me."

Liane Moriarty, Big Little Lies.

domingo, 5 de abril de 2015

Curtíssima sobre três temas que, tendo sido contracultura há três anos, hoje já enjoam.

- Como a maternidade tem o seu lado negativo e
- Como as redes sociais são perniciosas e
- Quem partilha é porque tem baixa autoestima e precisa mostrar que a vida é um mar de rosas.

A sério, já não há nada de novo a dizer sobre isso. Não há, simplesmente. Falemos, por exemplo, de como é delicioso amar e ser amado incondicionalmente e como a vida antes dos rebentos afinal nem era assim essas coca-colas todas e da maravilha que é existir um algoritmo qualquer que permite ao Facebook fazer uma verdadeira curadoria do que nos interessa. E que através das partilhas de outras pessoas temos boas ideias para as nossas próprias vidas. Se a partilha das outras pessoas faz com que nos sintamos amargos, bom, não é preciso ser-se nenhum Einstein para ver que o problema não está, enfim, nas outras pessoas.

Novos ângulos precisam-se, malta. Esforcem-se.







terça-feira, 31 de março de 2015

39

Sonhei que a hora tinha mudado tanto, mas tanto, que ainda passávamos uma boa parte da manhã às escuras. Já toda a gente estava na rua a fazer a sua vida e ainda era noite. Desci a Parede toda em direção à praia de mãos dadas com o meu filho, e reparo que o sol está ali, pálido, pálido, parado, e de repente sei que o sol não está posto, mas sim, por trás de uma nuvem e que a nuvem vai dissipar-se em pouco tempo. Desato a correr em direção à praia a puxar o Gabriel pela mão, ciente da urgência do momento. Ao chegarmos lá, todos olhavam para o horizonte à espera que o sol nascesse, mas eu sabia que o sol não ia nascer, estava só escondido atrás de umas nuvens, e o lugar certo a estar era a praia, mas a olhar para o outro lado.

Tal como a Cássia Eller tentou dizer, eu bem tentei gritar a boa nova, mas ninguém quis acreditar.

segunda-feira, 23 de março de 2015

L.

 - Espere, espere, que eu trato disso, não tire as unhas da água. 

Lá vai com o Gabriel pela mão para a casa de banho às pressas, a pouca clientela horrorizada com o espetáculo gore patrocinado pela fragilidade dos vasos capilares do meu filho, que deixou um rasto de sangue de alguns dez metros entre o sofá e a torneira. Crise controlada, amansei o mulherio cheio de pratas na cabeça, não se preocupem, acontece-lhe isto desde muito novinho e não é nada, sim, já levei ao médico. A vários. Sim, já tentei isso. Sim, isso também, minha senhora, não adianta. 

Ela volta a sentar-se como se nada fosse, o meu filho volta a brincar com o filho de uma cliente com um bocado de papel higiénico enfiado numa narina. Tira os meus dedos de água, enxuga-os, olha as cutículas, põe-se a trabalhar. 

- Eu sei que não é nada porque tive o mesmo na gravidez. 

Oi? Gravidez?  Ela não parece ter mais de 17 anos. Mas tem, na verdade tem 20. Tem uma filha de 16 meses com dois L e um Y no nome, "porque tinha de ser diferente". Pergunto-lhe se a menina está na creche, ela diz que não, a menina vive com o pai. Fica séria, muito séria enquanto me tira as cutículas. Passam-se 30 segundos assim. Não tem sido fácil, pois não?, pergunto-lhe.

- Tive a minha filha aos 18 anos e não foi acidente nenhum, sempre quis ser mãe e estava apaixonada por aquele homem. Enquanto as minhas amigas queriam sair à noite, eu queria família, porque nunca tive. Na minha cabeça, ia tudo ser como nos filmes, nas novelas, mas não foi assim. O meu padrasto, quando descobriu a gravidez, pôs-me fora de casa, proibiu-me de ver os meus irmãos. Fui viver com o meu namorado a pensar que ia ser mais fácil, mas não foi. Ele não trabalhava, não trabalha até hoje. Batia-me, traí-me. Sofri muito, e era muito apaixonada. Ele era o amor da minha vida. 

Engoli em seco. Quis perguntar porque é que a menina estava a viver com ele, mas a resposta era clara, certo? Ela estava sozinha no mundo. E era, ela mesma, pouco mais do que uma criança.

- Batia-me, tratava-me mal. Mas eu confio no poder de Deus, sei que Deus tem um plano para mim. Já tenho uma queixa-crime contra ele e não lhe dou mais dinheiro nenhum. Sei que é uma questão de tempo até ter a minha filha. Parece uma bonequinha. Vi-a na semana passada, está cada vez mais linda. E vai ser minha. 

Claro que vai, disse-lhe. Todo este abandono e dor, tudo tão cedo, há de fazer sentido um dia - isto não disse, isto pensei. Mas ela não precisava de encorajamento meu, 

- E eu vou ser muito feliz, porque é a promessa de Deus, sabe? Vou ter a minha filha comigo e vamos ter um futuro bom. Haja saúde, haja trabalho, tenho as duas coisas. 

Sorri. 

- Quer um cor de rosa assim para o forte? Chegou um lindo hoje de manhã, coleção de Primavera.  

Quero, pois. 

- Vou buscar. Depois ponho o extra-brilho por cima. Vai ficar um espetáculo, parecido com unha de gel. 

Levanta-se, a cantarolar a canção brasileira que toca no fundo, exibindo uma barriguinha de cinco, seis meses de gravidez. 

Ali ao lado, o cabeleireiro dança com uma vassoura, fazendo um playback perfeito, sentindo as coisas todas que a letra da música vai dizendo. 

sexta-feira, 13 de março de 2015

Prometes que acreditarás sempre na tua esposa

 eu:  e hj tenho uma surpresa
vamos ao concerto comemorativo dos 20 anos de carreira da ivete sangalo
 hugo:  nao nem pensar
 eu:  custaram-me um balúrdio
comprei bilhetes diamante
 hugo:  sim, mas eu nao vou
 eu:  pensava que ias curtir
 hugo:  detesto aquilo
 eu:  200 eur em cada bilhete, caramba. Era um sonho.
 hugo:  eu tou parvo
gastaste 400 euros?
 eu:  temos meet and greet depois
 hugo:  foda-se eu nao estou a ler isto
 eu:  podemos tirar uma fotografia
 hugo:  nem sei o que dizer
estou de boca aberta a ler isto
200 euros cada bilhete
 eu:  vai ser giro!
acho que temos direito a champanhe
 hugo:  tou parvo
 

segunda-feira, 9 de março de 2015

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Rede de apoio

Sendo uma pessoa muito dramática, sou de pouquíssimas quedas. Uma em 2007, outra agora. E este grupo maravilhoso, com quem convivo sem conhecer ninguém pessoalmente desde cerca de 2006, esteve lá as duas vezes. E dei-me conta de que nunca tinha falado nestas pessoas, nunca os mencionei neste cantinho. Que falha enorme... Porque eles são muito importantes. Gente bonita, forte, criativa, generosa. Gente do bem.

Gosto mesmo muito, muito de vocês.

Obrigada, malta.

***

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Coisas que não eram resoluções e que, por isso, vou fazendo.

Voltei, naturalmente, a escrever um diário em papel. Como tinha dito há uns tempos, já vinha a fazer algo parecido no computador,  - julgando-me incapaz de entender a minha própria letra -, mas caramba, não é a mesma coisa. No papel, escolhemos tudo, e por tudo, quero mesmo dizer tudo: a caneta, a letra, a língua, a data. Reflito, converso só comigo e falo de várias coisas. Tem sido muito bom para ver que não sou o bicho unidimensional que julgava ser: não sou só um poço de luto mal feito e problemas de imagem corporal. Afinal, há outras coisas que me atormentam e assombram, e foi bom descobrir isso. :)

O que me faz bem não me faz escrever. 
Para quando o próximo, Moretti? Caramba. 

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Bipolaridade

Oscilo entre o "vamos ser realistas com isto" e o "por favor, digam-me que vai correr bem".

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

E começa

Na quarta que vem, vai um deles para o Brasil.
No começo de março, vai outro para sabe lá Deus.

E lá vou eu acostumar-me a ter só dois homens em vez em de quatro outra vez.

Não que os tenha tido alguma vez, só a ilusão da pertença. O meu pai e o meu irmão não são de ninguém, não têm chão, são do vento. 

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Os adolescentes

Duas da manhã, o prédio dorme. A praceta dorme, o bairro todo dorme. Talvez só a luz do Pingo Doce esteja acesa no outro quarteirão. Se fosse verão, ouvíamos grilos neste post e ficaria muito giro.

Eu, na cama, acabo de ler um livro de amor adolescente, suspiro alto como quando vi o teledisco de Always pela primeira vez. Não durmo, quero saber o que acontece aos protagonistas, foda-se, eles merecem ser felizes para sempre. 

Ele na sala, headsets postos, mata extraterrestres e sei lá mais que tipo de criaturas. Tem picos de adrenalina a cada vez que o tentam assassinar.  

Ninguém nos manda apagar a luz. Ninguém nos diz que amanhã temos teste. Ninguém nos vai acordar no dia seguinte aos berros por estarmos atrasados. 

E eu não sei se isto é bom ou deprimente. 

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Curtíssima sobre a mais nojenta das tendências publicitárias atuais

Empurrar supermercados como mercearias de bairro.

Vocês não caem nessa, pois não? Tudo bem, vão ao supermercado, é mais cómodo, etc (mais barato? Há muitos fatores a considerar, depois falo sobre isso), mas não acreditam realmente que o Pingo Doce seja o sítio do costume, o Minipreço seja o vizinho e a dona Alice abra o mastodonte do Intermarché às duas da matina, pois não?

Ufa.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

O dia seguinte

Abrir os olhos e ter esperança de que tudo não tenha passado de um sonho mau. Que o universo vai restabecer a ordem assim que perceber que fez merda e vai carregar no Rewind, só.naquela.vez. Como quando vemos várias vezes aquele filme com o final dilacerante, torcendo para que acabe de outra forma?

 O grande amor da adolescência não acabou o namoro por carta. O pequeno amor da vida adulta não resolveu que tinha dúvidas. A mãe não está doente. A mãe não está mais doente ainda. A mãe não morreu.

Mas não há rewind nenhum, e descontruímo-nos e reconstruímo-nos sempre, com peças novas e velhas, às vezes mais peças velhas do que desejaríamos, uma data de cicatrizes mal fechadas, um saco de traumas e memórias. Até que um dia acordamos e vemos que voltámos a ser felizes, porque não sabemos caminhar noutra direção. Acho que boa parte do instinto de sobrevivência é caminhar para um default de tranquilidade e felicidade, aos trambolhões.

Há que confiar nisso da próxima vez que acordarmos para um pesadelo.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

E de vez em quando

Um momento, um vislumbre de um momento ou menos até, uma centelha dum vislumbre de momento :), faz-me ver que a vida podia ser tão maior do que é, ou é tão maior do que parece. Bastava dar um ou dois passos.

Que não dou.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A resolução que quase foi à vida

A minha única resolução para janeiro era não pôr os pés num supermercado. É impressionante a energia que um Pingo Doce ou um Continente consegue sugar-me, não sei bem porquê e já desisti de tentar descobrir. Dá-me sempre uma sensação de enfartamento, de coisa-demais, de clutter, de excesso de coisas - uma sensação que odeio. Também vale para compras online, sinto a mesma coisa.

Mas caneco, que ontem não tinha nem cápsulas de café, nem grão. Precisava de ambos. Lá entrei eu no Continente, chateada comigo mesma e a prometer que era a última vez que entrava num supermercado em janeiro.

Antes, bem antes de chegar às cápsulas e ao grão, havia um enorme corredor de promoções. Quando acordei, tinha no cesto champô para um ano, bolachas que não me convêm nada, cremes para o corpo. Ovos, pasta de dentes para dentes XPTO, mais uma data, repito, uma DATA DE MERDAS inúteis e impensadas. Olhei para aquilo e senti a energia a desaparecer para sabe Deus onde, raio de lugar que nos entorpece. Suspirei. Suspirei. Lá deixei o cesto onde estava e vim-me embora, sem grão, sem cápsula, sem cinco litros de champô, a pedir umas desculpas mentais ao senhor que teria de arrumar aquilo.

E vi que seria a primeira resolução de ano novo da minha vida facílima de se cumprir.

Para quem está a perguntar-se: quero fazer as compras na frutaria, no talho e na peixaria.  Para o pouco resto, vai o Hugo com uma lista, marido fofo e objetivo, não sente coisas.

Hoje descobri que abriu uma mercearia ao lado da biblioteca que há muito não ia. Dois ou três tipos de iogurte, nada avalassador. Alguma fruta, algumas bolachas mais simples. Havia cápsulas ao mesmo preço que costumo comprar. Saí de lá feliz. 

sábado, 3 de janeiro de 2015

As férias como meio de diagnóstico

Nas Maldivas? Tóquio? Vaiórquem?

Não, aqui mesmo. Uma semaninha bem esmifrada: três dias em Évora, o resto a passear por cá ou a dormitar enquanto os gajos jogavam playstation. Nenhum livro a relatar, dois filmes e dois episódios de série.

Foram as melhores férias de sempre porque, pela primeira vez, precisava delas. Estava exausta a tantos níveis - não fazia ideia do quão urgente era recalibrar, porque eu estava completamente fora dos eixos. As férias serviram para me lembrar de que a única coisa sobre a qual tenho algum controlo na minha vida sou eu mesma, as minhas leituras das situações. E elas têm sido mais do que más, têm sido vergonhosamente pessimistas. A onda de baixo astral pode ter sido fruto apenas do cansaço, mas acho que não. Acho que foi uma combinação cansaço + leitura errada das coisas (a a tal abordagem "sono do bebé" da qual falei há uns tempos). Não posso deixar-me cair na armadilha das leituras erradas outra vez, sugam o tutano a uma pessoa. E a minha pessoa é, por defeito, mais pateta alegre do que sombria (sei que não é o que parece por este blog, mas acreditem).

O que interessa é que estas foram as férias de uma vida. Também aproveitei para estar imenso tempo com a minha gente, família ad nauseam e amigos, a lembrar-me de que os últimos meses foram solitários. Preciso de gente à minha volta, preciso da partilha, da confirmação, da gargalhada. Amar e sentir-me amada num círculo mais alargado. A neura dos últimos meses manteve-me mais afastada do resto do mundo do que o que preciso.

Enfim, a lição das férias: há uma boa parte da carga dos dias que depende de mim. E não posso dar-me ao luxo de voltar a perder a mão nela.

Dancei a noite toda da passagem de ano. Quando a dança acabou, já lá para as duas da manhã, cantei sem medo de ser feliz na PS2 da Tatas. Isto tudo completamente sóbria. Era o quão as minhas endorfinas precisavam de ser libertadas. 

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

2015

Primeiro: servir.
Depois: celebrar e agradecer.
celebrar é agradecer.