terça-feira, 31 de março de 2015

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Sonhei que a hora tinha mudado tanto, mas tanto, que ainda passávamos uma boa parte da manhã às escuras. Já toda a gente estava na rua a fazer a sua vida e ainda era noite. Desci a Parede toda em direção à praia de mãos dadas com o meu filho, e reparo que o sol está ali, pálido, pálido, parado, e de repente sei que o sol não está posto, mas sim, por trás de uma nuvem e que a nuvem vai dissipar-se em pouco tempo. Desato a correr em direção à praia a puxar o Gabriel pela mão, ciente da urgência do momento. Ao chegarmos lá, todos olhavam para o horizonte à espera que o sol nascesse, mas eu sabia que o sol não ia nascer, estava só escondido atrás de umas nuvens, e o lugar certo a estar era a praia, mas a olhar para o outro lado.

Tal como a Cássia Eller tentou dizer, eu bem tentei gritar a boa nova, mas ninguém quis acreditar.

segunda-feira, 23 de março de 2015

L.

 - Espere, espere, que eu trato disso, não tire as unhas da água. 

Lá vai com o Gabriel pela mão para a casa de banho às pressas, a pouca clientela horrorizada com o espetáculo gore patrocinado pela fragilidade dos vasos capilares do meu filho, que deixou um rasto de sangue de alguns dez metros entre o sofá e a torneira. Crise controlada, amansei o mulherio cheio de pratas na cabeça, não se preocupem, acontece-lhe isto desde muito novinho e não é nada, sim, já levei ao médico. A vários. Sim, já tentei isso. Sim, isso também, minha senhora, não adianta. 

Ela volta a sentar-se como se nada fosse, o meu filho volta a brincar com o filho de uma cliente com um bocado de papel higiénico enfiado numa narina. Tira os meus dedos de água, enxuga-os, olha as cutículas, põe-se a trabalhar. 

- Eu sei que não é nada porque tive o mesmo na gravidez. 

Oi? Gravidez?  Ela não parece ter mais de 17 anos. Mas tem, na verdade tem 20. Tem uma filha de 16 meses com dois L e um Y no nome, "porque tinha de ser diferente". Pergunto-lhe se a menina está na creche, ela diz que não, a menina vive com o pai. Fica séria, muito séria enquanto me tira as cutículas. Passam-se 30 segundos assim. Não tem sido fácil, pois não?, pergunto-lhe.

- Tive a minha filha aos 18 anos e não foi acidente nenhum, sempre quis ser mãe e estava apaixonada por aquele homem. Enquanto as minhas amigas queriam sair à noite, eu queria família, porque nunca tive. Na minha cabeça, ia tudo ser como nos filmes, nas novelas, mas não foi assim. O meu padrasto, quando descobriu a gravidez, pôs-me fora de casa, proibiu-me de ver os meus irmãos. Fui viver com o meu namorado a pensar que ia ser mais fácil, mas não foi. Ele não trabalhava, não trabalha até hoje. Batia-me, traí-me. Sofri muito, e era muito apaixonada. Ele era o amor da minha vida. 

Engoli em seco. Quis perguntar porque é que a menina estava a viver com ele, mas a resposta era clara, certo? Ela estava sozinha no mundo. E era, ela mesma, pouco mais do que uma criança.

- Batia-me, tratava-me mal. Mas eu confio no poder de Deus, sei que Deus tem um plano para mim. Já tenho uma queixa-crime contra ele e não lhe dou mais dinheiro nenhum. Sei que é uma questão de tempo até ter a minha filha. Parece uma bonequinha. Vi-a na semana passada, está cada vez mais linda. E vai ser minha. 

Claro que vai, disse-lhe. Todo este abandono e dor, tudo tão cedo, há de fazer sentido um dia - isto não disse, isto pensei. Mas ela não precisava de encorajamento meu, 

- E eu vou ser muito feliz, porque é a promessa de Deus, sabe? Vou ter a minha filha comigo e vamos ter um futuro bom. Haja saúde, haja trabalho, tenho as duas coisas. 

Sorri. 

- Quer um cor de rosa assim para o forte? Chegou um lindo hoje de manhã, coleção de Primavera.  

Quero, pois. 

- Vou buscar. Depois ponho o extra-brilho por cima. Vai ficar um espetáculo, parecido com unha de gel. 

Levanta-se, a cantarolar a canção brasileira que toca no fundo, exibindo uma barriguinha de cinco, seis meses de gravidez. 

Ali ao lado, o cabeleireiro dança com uma vassoura, fazendo um playback perfeito, sentindo as coisas todas que a letra da música vai dizendo. 

sexta-feira, 13 de março de 2015

Prometes que acreditarás sempre na tua esposa

 eu:  e hj tenho uma surpresa
vamos ao concerto comemorativo dos 20 anos de carreira da ivete sangalo
 hugo:  nao nem pensar
 eu:  custaram-me um balúrdio
comprei bilhetes diamante
 hugo:  sim, mas eu nao vou
 eu:  pensava que ias curtir
 hugo:  detesto aquilo
 eu:  200 eur em cada bilhete, caramba. Era um sonho.
 hugo:  eu tou parvo
gastaste 400 euros?
 eu:  temos meet and greet depois
 hugo:  foda-se eu nao estou a ler isto
 eu:  podemos tirar uma fotografia
 hugo:  nem sei o que dizer
estou de boca aberta a ler isto
200 euros cada bilhete
 eu:  vai ser giro!
acho que temos direito a champanhe
 hugo:  tou parvo
 

segunda-feira, 9 de março de 2015