Uma pessoa fecha-se em si e dentro dos ouvidos (no meu caso) e às vezes, possuída, não dá o devido valor ao que realmente interessa. E o que interessa é o Gabriel.
Há uns dias estive a ler os primeiros posts deste blog, que começou no dia em que ouvi pela primeira vez o coração dele a bater. Toda a descoberta, o cair - e o levantar-se, vezes sem conta - na realidade, o bebé facílimo que ele foi mas que eu, cheia de expectativas hollywoodianas, não conseguia enxergar. Mas hoje não escrevo sobre o Culpossauro nem o Ouvidossauro (um muito recente primo), escrevo sobre o meu filho, que cresceu para se tornar a criança mais formidável do mundo.
Lembro-me de, aos seis anos, querer coisas, muitas coisas. O Gabriel quer muito pouco. Quer canja da avó Lurdes. Quer que o Vô Zé venha jantar com ele. Quer cócegas da Bel. Passa horas a ver jogos na Fnac e não me lembro de ter pedido seja o que for, nunca. O mundo dele é feito de carinho, de mimo, coisas que só muito mais tarde descobri não terem preço. Para o meu filho, uma canja da avó não tem preco hoje. E ele tem seis anos.
O Gabriel é sensível, sensível como eu, para mal dos nossos pecados. Como eu, gosta de agradar gregos e troianos. Como eu, tem uma dificuldade terrível em defender-se e, como eu, está a aprender como pode. Como eu, tem uma letra pavorosa e desenha muito mal. Como eu, constrói mundos em poucos minutos. Como eu, conta histórias. As histórias preferidas do Gabriel são as que eu lhe vou desfiando à desgarrada, ele sempre o protagonista destemido ajudado pelos seus fieis escudeiros e damas indefesas da escola contra os vilões do mundo. Bate os olhos pesadamente, o sono a levar-lhe a melhor antes do fim da história, mas a sorrir - afinal o Gabriel salva todos no fim, a cada vez. Sonha acordado como eu, embora em voz alta.
O xodó do Gabriel não sou eu, o xodó do Gabriel é o Hugo. Entendem-se na Playstation, território que co-habitam. O Hugo dos trabalhos de casa, é com ele que comemora as novas competências. O Hugo dos métodos novos de matemática. O Hugo do puff onde se aconchegam à noite a partilhar um travesseiro, eu sozinha, no meu sofá. O Hugo, que sabe do que ele fala a maior parte do tempo, super-heróis obscuros (para mim) e territórios da Terra Média. O Hugo que o veste na natação, com os seus segredinhos de balneário masculino. Sim, tenho ciúmes. Morro de ciúmes.
O Gabriel tem a melhor educação formal que o dinheiro pode comprar, que é a escola pública que escolhemos para ele, com aqueles colegas dele e aquela professora dele, aquelas auxiliares dele. O Gabriel vem connosco ao teatro, a concertos, a passeios que diz a todos serem enfadonhos, mas que farão parte do seu património assim como uns concertos de jazz pavorosos a que os meus pais me levavam fazem parte do meu. O Gabriel senta-se no chão em museus e desenha os seus desenhinhos maus, com o pai ao lado, enquanto eu leio tudo e googlo o que não encontro. O Gabriel faz perguntas, nós fazemos perguntas ao Gabriel. O Gabriel agarrou-me um dia pelo rosto e disse-me: mãe, espero que melhores - e saiu a correr. Faz-me chorar algumas vezes.
O Gabriel é filho único dos seus pais que só sabem ser pais dele, que não querem amar mais ninguém como o amam a ele. O Gabriel inventa irmãos imaginários com os quais não sabemos lidar. O Gabriel inventa bichos de estimação imaginários muitíssimo mais fáceis de lidar do que os irmãos imaginários. O Gabriel conta os sonhos de manhã antes de dizer bom dia. Gosta de correr nu pela casa desde que aprendeu a fazê-lo, seja verão ou inverno.
O Gabriel é tão mais do que tudo que sonhei para mim. É só doçura, só prazer de viver, só beleza. A ver se me lembro de dizer isso ao Hugo, junto com um agradecimento por tudo que somos. Amanhã cedo, antes de lhe dizer bom dia.
6 comentários:
Primeiro tens de acordar primeiro que eu
muito boa de aturar.
gosto muito de ti, do Gabriel e dos teus textos :)
Menino bonito, o teu! <3
Maravilhoso ❤
Oh pá Melissa...
lindo! só hoje li este hino ao amor
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