Estava eu à espera do cruzeirinho turístico a contorcer-me de nojo da água turva cheia de peixões enormes e radioativos, ali no cais pejado de turistada também enojada ao olhar para o rio, quando ouvimos tchibum, e mais tchibum, e eles são morenos, muito morenos do sol, assim como o meu filho, têm tronco nu e são magros, alheios ao passeio dos turistas bimbos, porque estes, senhores, estes rapazes estão a banhos. Saltam elegantemente para dentro de água, poses perfeitas, desde os mais pequeninos aos mais velhos, sendo todos jovens, jovens e sozinhos, e pobres. Capitães da Areia, e eu ali a pensar, qual é a história aqui, quem são, qual é a história.
Qual é a história aqui.
Não conhecia o Porto e não é por três dias que ia passar a conhecer, mas a história está com certeza algures nas casas que sobem a colina, velhas, decrépitas, como as das colinas que bem sabemos de Lisboa, e os rapazes são os mesmos, morenos e pobres. Só que os nossos cresceram divorciados do seu rio, enquanto aqueles cresceram no seu seio. E é bonito de se ver, os magotes de meninos espalhados ao longo das margens a chamar o Douro de seu enquanto nós, bimbos, gordos, brancos, bebericamos vinho de dentro de barcos turísticos, não sem não invejar um pouquinho os seus mergulhos naquela tarde de 36 graus, aquele abandono, aquela confiança na água escura que os engole e os devolve, os engole e os devolve, todas as vezes.
7 comentários:
Detesto chover na tua parada mas pelo menos desde Mil Nove e Noventa e Seis que vejo rapazinhos morenos e pobres dando mergulhos nas docas de Alcântara. Mas, sim, a relação dos lisboetas com o rio é diferente.
Muito me alivias, Miss G!
Só vi isso, e em menor escala, na outra margem do Tejo.
Lisboa tem porto, docapesca e o diabo a quatro a afastar o rio da rapaziada. Não moram à beira do rio. Seria sempre diferente. Bem tentaram casar cidade e rio recentemente, mas não vejo intimidade nenhuma entre os lisboetas e o Tejo. Também sou suburbana, pode ser disso.
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