sexta-feira, 30 de maio de 2014

Na minha cabeça há dias



Adoro isto, é tão franco e bonito.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

OutJazz

Aproveitámos o sol e ficámos no Martim Moniz a beber Mojitos e comer morangos. Gostamos muito de ficar a apanhar sol no Martin Moniz. É um sítio que apreciamos bastante.
Foi uma tarde porreira.


terça-feira, 27 de maio de 2014

O capítulo com o melhor título de sempre*

"(...) A voz o chama. Uma voz que o alegra, que faz bater seu coração. Ajudar a mudar o destino de todos os pobres. Uma voz que atravessa a cidade, que parece vir dos atabaques, que ressoam nas macumbas da religião ilegal dos negros. Uma voz que vem com o ruído dos bondes, do cais, do peito dos estivadores, de João de Adão, de seu pai morrendo num comício, dos marinheiros nos navios, dos saveiristas e dos canoeiros. Uma voz que vem do grupo que joga a luta da capoeira, que vem dos golpes que o Querido-de-Deus aplica. Uma voz que vem mesmo do padre José Pedro, padre pobre de olhos espantados diante do destino terrível dos Capitães da Areia. Uma voz que vem das filhas-de-santo do candomblé de Don'Aninha, na noite que a polícia levou Ogum. Voz que vem do trapiche dos Capitães da Areia. Que vem do Reformatório e do Orfanato. Que vem do ódio do Sem-Pernas se atirando do elevador para não se entregar. Que vem do trem da Leste Brasileira, através do sertão, do grupo do Lampião, pedindo justiça para os sertanejos. Que vem de Alberto, o estudante pedindo escolas e liberdade para a cultura. Que vem dos quadros do Professor, onde meninos esfarrapados lutam pela exposição da Rua Chile. Que vem do Boa-Vida e dos malandros da cidade, do bojo dos seus violões, dos sambas tristes que eles cantam. Uma voz que vem de todos os pobres, do peito de todos os pobres. Uma voz que diz uma palavra bonita de solidariedade, de amizade: 'companheiros". Uma voz que convida para a festa da luta. Que é como um samba alegre de negro, como o ressoar dos atabaques nas macumbas. Voz que vem da lembrança de Dora, valente lutadora. Voz que chama Pedro Bala. Como a voz de Deus chamava Pirulito, a voz do ódio do Sem-Pernas, como a voz dos sertanejos chamava Volta Seca para o grupo de Lampião. Voz poderosa como nenhuma outra. Voz que atravessa a cidade e vem de todos os lados. Voz que traz com ela uma festa, que faz o inverno acabar lá fora e ser a primavera. A primavera da luta. Voz que chama Pedro Bala, que o leva para a luta. Voz que vem de todos os peitos esfomeados da cidade, de todos os peitos explorados da cidade. Voz que traz o bem maior do mundo, bem que é igual ao sol, mesmo maior que o sol: a liberdade. A cidade, no dia de primavera, é deslumbradoramente bela. Uma voz de mulher canta a canção de Bahia. Canção da beleza da Bahia. Cidade negra e velha, sinos de igreja, ruas e calçadas de pedra. Canção da Bahia que uma mulher canta. Dentro de Pedro Bala uma voz o chama: voz que traz a canção da Bahia, a canção da liberdade. Voz poderosa que o chama. Voz que toda a cidade pobre da Bahia, voz da liberdade. A revolução chama Pedro Bala."

De *"Os atabaques ressoam como clarins de guerra", penúltimo capítulo d'Os Capitães da Areia, melhor young adult de sempre - sem o ser. 

sexta-feira, 23 de maio de 2014

O mastologista que seguiu a minha mãe era de poucas palavras e menos crenças. Foi ele que, junto com a minha prima, veio falar comigo naquele dia, na cozinha da casa da minha tia, enquanto a minha mãe dormia no quarto. Eu estava atónita, porque a conversa era surreal. Falávamos da morte iminente da pessoa mais importante da minha vida. Falávamos em pormenores técnicos da morte de uma pessoa que, a poucos metros de nós, se agarrava com forças a tudo que ainda tinha para dar. Lembro-me bastante bem da conversa, mas não a vou reproduzir. Primeiro, porque me vem sempre à cabeça que menti à minha mãe durante os quatro dias que separaram o dia em que soube que ela iria morrer e o dia em que ela morreu, e,dez anos depois, ainda não estou bem com isto. Segundo, porque não está na hora, ainda está muito fresco na minha memória. Quando sentir que a coisa está a escapar-se, escrevo-o na íntegra, sem pudores, porque este blog já foi assim e quer voltar a sê-lo (obrigada, Amigo Imaginário, por me lembrares disso acidentalmente).

Mas voltamos ao mastologista. A dado ponto daquela conversa de doidos sobre a morte, eu pareço entender que, naquele momento, não estava a falar de uma história qualquer doutra galáxia. Era da vida da minha mãe, da minha vida. Então perco a voz, só me sai um sussurro: "S., (a prima), mas eu... eu ainda vou-me casar. Ainda vou ter filhos. E ela... Onde é que ela vai estar?"

A S., cansada do ano inteiro de cancro da tia que acompanhara de perto desde o diagnóstico até àquele fim, frustrada por a medicina, a sua profissão, lhe ter falhado com uma das pessoas que mais amava, agarrou-me com força a chorar muito, a dizer que ia lá estar, ia lá estar em todos os momentos, que aquelas mulheres da minha família, irmãs e sobrinhas da minha mãe, não me iam largar nunca sozinha (e cumprem isso.)

O mastologista, com a calma de quem já deu aquela notícia N vezes, disse-me simplesmente que eu podia confortar-me na certeza da transformação. Que era algo que não dependia de crenças. A minha mãe transformar-se-ia em energia e andaria cá para sempre. Estaria sempre por aí.

Nada me podia ter consolado mais, naquele momento louco.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

A lover, not a fighter

Ele sempre foi calminho, excetuando ali uns meses aos dois anos em que andava a descer o pau em todo o mundo do infantário. De resto, gosta de brincadeiras tranquilas, pouco físicas, não anda aos empurrões, vive num mundo fantasioso (adora superheróis), não bate em ninguém, não se arrisca fisicamente. Junta-se naturalmente a meninos como ele no recreio da escola, do parque, etc.

O problema é quando até meninos como ele começam a desenvolver a sua testosteroninha e o meu filho começa a ficar para trás, sempre a vítima nas brincadeiras, sempre aquele que tem de se defender, o primeiro a ser apanhado na apanhada, aquele a quem tiram os brinquedos. O Gabriel não reage a um empurrão que lhe deem. Não se defende de nada. Tenho muita sorte com o jardim de infância que escolhi, em que os outros miúdos parecem respeitar isso minimamente - nunca ninguém lhe bateu.

Mas quando vejo meninos que até partilhavam o mesmo comprimento de onda começarem a arriscar-se em árvores, em brincadeiras mais agressivas e coisas assim, o meu coração de mãe encolhe-se pelo meu molengão. E quando chegar à primária, meu Deus? Terá a mesma sorte de lhe respeitarem o feitio, como fazem agora? Duvido. 

domingo, 18 de maio de 2014

O seu limite de saudades foi atingido

As minhas saudades têm uma característica comum: são resignadas. Papai trabalha longe há muitos anos, a minha família está no Brasil desde sempre, mamãe morreu. Vou-me habituando à ausência, aos poucos.

Mas à do meu irmão, que vai passar o ano a viajar, está a ser chatíssima. Está a dar trabalho. Morro de saudades de o ir buscar para almoçar nos fins de semana. Morro de saudades das coisas que só consigo falar com ele. Morro de saudades dele, pronto. Faz-me mesmo muita falta, e o buraco não fecha. Acho que é a minha própria cabeça que me diz: vai-te foder, não aceito mais NENHUMA despedida. Te vira. Não aceito.

E também nestas horas penso que tenho um anjo da guarda bom, que sabe exatamente do que preciso - no caso, pôs-me no caminho um projeto gigantesco que me consome muito, muito tempo, e que deve acabar quando o Fernando chegar. Obrigada por mais esta, anjo da guarda. 
Dez anos de diferença. Quando podemos finalmente ser amigos, ele decide que é cigano. 


sexta-feira, 16 de maio de 2014

She once was a true love of mine

Cheguei à reunião mais cedo para acabar umas coisas do dia anterior, disse ao chefe para fingir que eu não estava ali. Detesto começar já estressada, mas têm sido assim, os últimos dias.

O chefe, ao contrário de mim, trabalha com música, e quem é que continua estressado quando está a tocar Scarborough Fair?



O ritmo baixou e o astral subiu, de imediato. 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Na mosca


De um dos meus filmes preferidos


O Jack Nicholson sai do gabinete do psicólogo, olha para todos na sala de espera e pergunta: "E se não der para melhorar? E se isto é o melhor que alguma vez vão estar?" E sai, deixando os pobres pacientes de saúde mental abilobados, a entreolharem-se. Não sei, mas eu sentir-me muito aliviada se soubesse que isto, o presente, era as good as it gets.

Tenho sentido um cansaço físico enorme os últimos dias, e, assim num lampejo, acho que o cansaço físico vem das minhas cobranças de eterna superação. Porra, estou TÃO cansada de procurar mudar o que (supostamente) está mal. EXAUSTA. Eu nem sequer sou uma perfeccionista. Porque é que não posso encarar a vida (o corpo) com mais calma, mais prazer, mais amor próprio e mais alegria? Porque é que não consigo passar dois minutos da minha vida (juro) sem pensar que devia estar a fazer uma super dieta e a passar todos os super minutos livres (que não existem) enfiada num ginásio, a punir-me seja lá pelo quê que fiz de errado no passado para merecer as coxas que tenho (que, vendo de perto, não são más: levam-me a todo o lado).

Merda, como odeio isto. Como adoraria descalçar esta bota para todo o sempre. Não falo de emagrecer, vejam bem. Falo de descalçar a bota do emagrecimento. 

sexta-feira, 9 de maio de 2014

As pausas

Não foram os cemitérios, nem os museus, nem as ruas e igrejas e vitrais e gente bonita e bistrôs e antiquários, nem o metro, nem a vista, nem a Torre. Nem Degas, nem Van Gogh.

O que mais me marcou nesta viagem cheia de chuva e feriado foram as horas boas passadas nos cafés, a beber vinho, cerveja, kirs, mojitos ou o que aparecesse. Foi a conversa sem pressa nem ter para onde ir, sem criança, sem telemóvel. O voltar a estar um com o outro e descobrirmos que ainda temos tanto assunto, tanto em comum. Intrigamos um ao outro, encantamo-nos.

Eu falo-lhe das três ou quatro ideias que tenho a brincar em simultâneo na minha cabeça. Ele fala-me do livro que está a ler, vai contando partes cheias de interesse e pormenor. Adoro, tenho de ler esse livro a seguir, Hugo, mas não vou ler, não leio nunca porque nunca é tão interessante quanto os teus relatos.

Cansamos de falar, ele desenha, eu fotografo e penso na vida, tento praticar a atenção plena (díficil!), inspiro, expiro, tento apreciar a companhia do meu pensamento. (difícil!).

Bebo mais. Ele também.



O Hugo está a ler sobre Dumas, mas a nossa Paris estava mais para Hemingway. 

terça-feira, 6 de maio de 2014

O nosso jazigo

A minha guru Geneen pergunta-nos: há quanto tempo não saboreamos uma uva-passa? Uma, só? Segurá-la entre os dedos, sentir-lhe a textura. Conhecer-lhe o toque. Pô-la, por fim, na boca. Trincar. Observar o que se sente. Atenção plena na uva-passa, portanto - como se a provássemos e a conhecêssemos pela primeira vez. Uma maravilha. Adiante.

Chovia em Paris, e os museus estavam todos fechados. Tínhamos quatro dias e um milhão de coisas para ver, e um dia a menos não calhava lá muito bem. Ok, vamos começar por um cemitério. Morre gente todos os dias, não podem estar fechados. E começámos pelo topo, por Pére-Lachaise. 

Entrámos pela porta do cavalo e, ao quarto ou quinto jazigo, já pensava que diabos o mundo tatófilo via naquele sítio, sendo os Prazeres mil vezes mais bonito, menos púdico, com os seus caixões a cair de podres e vitrais empoeirados. Estava a poucos metros de uma das principais avenidas, e não precisei de avançar muito longe para perceber o encanto. Sim, afinal era o cemitério mais bonito do mundo. Entendia-se perfeitamente. Uma floresta densa pontuada de sepulturas tristes. passaria ali uma tarde maravilhosa a fotografar esculturas e o Hugo a desenhar. Ia perder-me naquele labirinto de pedra. Ia chafurdar em alegria tumular. Ia... Ia... 

... Mas il pleut. Il começa a pleurer hard pra caramba. O Hugo ainda tinha um capucho, mas eu não tinha nada. Fiquei ensopada até os ossos. Tivemos de capitular e entrámos para o primeiro jazigo com "varandinha" que encontrámos. Isto uns dois minutinhos e estia outra vez. 

Passaram-se cinco, dez. O Hugo tira o material de desenho. Importas-te? Não, força nisso. Que fazer, pelo menos um de nós diverte-se. E passam vinte.

Abanquei ali e comecei a ver os cantos ao jazigo, porque não tinha mais nada para fazer. Os cantinhos e os cantos. E os cantos dos cantos. E comecei a interessar-me de verdade por aquele abrigo. Pelos cantos dos cantos dos cantos.





 Os cantos dos cantos dos cantos dos cantos. Bichinhos nas colunas, teias, caruma.


 Não havia nada, absolutamente nada de especial no jazigo dos Marcotte. Nenhuma escultura magnífica, nenhum anjo sofrido. Imagino que nenhum Marcotte passe por lá há muitas décadas. E que nenhum turista tenha perdido um segundo olhar na sua direção.


 Mas nós, não. Por força das circunstâncias, passei a conhecer muito bem aquele jazigo abandonado, sem graça. Sentada ao lado do muito concentrado marido, a ver bolotas e teias de aranha, tornei aquele lugar meu. Conheci-o e afeiçoei-me a ele, como se fosse um cãozinho (e eu fosse pessoa de cãezinhos.)

Enquanto lá estávamos, as pessoas olhavam para nós e imediatamente olhavam para o jazigo em frente, que o Hugo desenhava. O Hugo trouxe alguma fama ao jazigo, que, lamentavelmente, não fotografei. Terão de ir ao blog dele vê-lo. Era um muito estreito e comprido, como o próprio Hugo. :)

Uma coisa que reparámos é que todas as pessoas - aquelas com melhor equipamento para a chuva do que nós - paravam logo a seguir ao nosso jazigo e desatavam a rir (podem ver isso na primeira foto do Hugo a desenhar, lá em cima). Que diabo. Às tantas, não aguentei a curiosidade e fui lá ver. Também me ri. O que é que está aqui, perguntou o Hugo. Tenta adivinhar, mas duvido que consigas.
Une camèra. 
Entre estiagens e corridas para dentro de jazigos abandonados, lá conseguimos ver qualquer coisa antes de eu perder completamente a paciência com a chuva e marchar a passos largos para o metro. Mas vi coisas lindas - vou preparar as fotografias e criar um blog só para elas, porque começo a ter muitas fotos de cemitérios a precisar de poiso. Vi túmulos de celebridades. O Pére-Lachaise encheu-me as medidas, como de resto enche as de qualquer pessoa que goste de campos santos, mas obviamente o que me ficou na memória foi o jazigo dos Marcotte, o nosso abrigo. Obrigada, senhores. Até à próxima. Decorei o caminho.


Hora do alongamento de pescoço.
Quem seriam? Vou pesquisar. 

Update: Este Marcotte está enterrado lá. Hey, Charles! Obrigada pelo telhado.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Pequena bailarina de quatorze anos

É pequena, feia, cheia de deformidades causadas pelo exercício da dança. "Parece um macaco", disseram os críticos da época. No entanto, é altiva, orgulhosa, segura, ocupa o seu espaço de nariz para cima. Ora, ali está uma menina tortinha que sabe o que quer. 

Tive de disfarçar as lágrimas que me vieram aos olhos quando me vi diante dela. Fiquei com um gigantesco nó na garganta, não sei bem porquê. "A soft spot for broken things", à Tyrion Lannister, ou só respeito e admiração pela segurança e altivez daquela coisinha pequenina e torta, e linda, linda, linda, apesar de torta e partida.

Mas isto já é analisar, e acho que uma das minhas não-resoluções de ano novo era deixar-me simplesmente sentir as ondas que aparecem por aqui.