- Toni Morrison, a minha escritora preferida de todo o sempre, diz que ficou deprimida após a morte do pai, e que isso não foi uma coisa má; foi apenas um período de recolha, de para olhar para dentro e fechar-se em si, de não-atividade. Deprimir, para ela, acabava por ser necessário e natural.
- Os culpossauros, ao deprimirem, pensam: qual é o motivo EXATO para deprimir? Não tenho tudo? Uma família linda, saúde, dinheiro no banco? Pensa nas pessoas que não têm nada disso. Não há motivo para deprimir, vamos lá criar um plano de ataque altamente eficaz e pô-lo em execução amanhã mesmo, sem falhas. Claro que, por estarem deprimidos (versão Toni Morrison), não fazem nada disso no dia seguinte, adicionando mais uma camada de culpa ao caparro do espécime.
- Culpossauros extremamente eficazes têm pequenas boias de salvação: canções específicas, imagens da infância, imagens de filmes e livros (em que livro é que, uma vez por ano, se abria a casa e lavava-se tudo, baldes e baldes de água pelo chão a levar o pó todo para fora? A Casa dos Espíritos, será?), ou filmes inteiros. Coisas que os ajude a chegar à hora seguinte ainda com algum grau de eficácia.
- Aniversário da morte da mamãe? Crise genérica? Um ataque de solidão súbito, umas saudades sei lá bem de quê? Uma inquietação pelo que não sei ainda, ou como é que diz a canção? Disse ontem, ao meu irmão, pela primeira vez: acho que estou deprimida há algum tempo e não consigo aceitar isso. E ele: pede ajuda, partilha. Eu odeio ajuda e odeio partilhar negrume, a menos que seja completamente em público aqui no blog (e com um certo grau de anonimato). Quanto maior a necessidade de recolha, maior a minha procura por exteriorizações, porque, né, tenho tudo para estar feliz.
- Isto não é um pedido de ajuda, isto já é a ajuda. :)
- Se tenho um amigo deprimido (versão Toni Morrison), corro a sacudi-lo do banzo, vamos sair, vamos beber, vamos distrair. E se o melhor for o contrário? Vai para casa, dorme mais cedo. Amanhã, quem sabe?
- Temos, todos, culpossauros e outras espécies, que aprender a conviver melhor com o mal estar. Fugimos do mal estar como o diabo da cruz, como se ele nos fosse matar. É disso que tento lembra-me ao desenhar planos infalíveis para não deprimir: que tenho de aprender a sentir-me mal. Como não aprendo, adiciono mais uma camada de culpa ao caparro do espécime.