sexta-feira, 2 de julho de 2010

The Cure - Disintegration

 minha paixão incondicional pelo Heavy Metal permaneceu firme até que um certo formigueiro altamente corrosivo se começou a desenvolver no ventre, sempre que os meus olhos encontravam alguma miúda mais gira que, invariavelmente, acabava por despertar em mim uma sensibilidade que até então permanecia escondida por baixo dos meus jeans e t-shirts pretas, algumas delas, diga-se, com desenhos espetaculares de monstros e guerreiros de espada na mão.
O poder sónico das guitarras e os solos esganiçados tinham os seus momentos francamente inspiradores, não vou dizer que não, mas a vida dum jovem tem as suas vicissitudes e, já se sabe, por muito que nos custe, a simplicidade da infância começa mais dia menos dia a escapulir-se lânguida pelos dedos e, claro, a vida torna-se num caldeirão de sofrimento desconforto e angustia. Diz-se mesmo que foi nesse caldeirão que o João Ratão deu o seu escaldante último suspiro.
Apesar de não duvidar da experiência de vida de gente talentosa como James Hetfield dos Metallica ou Bruce Dickinson dos Iron Maiden, a realidade era que não havia nada nas suas letras que evidenciasse aquilo que eu a partir de certo momento comecei a sentir e a que o Pepe le Pew, chamava muito convincentemente de Le amour.
Portanto aos 17 anos muita coisa em mim começava alterar-se. Eram mutações físicas e mentais com as quais tinha alguma dificuldade em conviver. A minha cabeça era uma montanha russa de dúvidas, frustrações e ansiedades. Tudo era bem mais simples e divertido quando a minha única preocupação era chegar a casa, pôr os Iron Maiden na aparelhagem e ficar a tarde toda a praticar Air Guitar ou simplesmente abanar a carola para cima e para baixo. Isso sim era fixe. A coisa começou mesmo a dar para o torto quando, estupidamente, chegava a casa e ficava deitado no sofá à espera que o telefone tocasse.
Como já se percebeu, as primeiras investidas pelo então desconhecido mundo feminino revelaram-se um tremendo fracasso que muito me desgostaram e deprimiram. Mas nem tudo foi mau. Afinal, vim a descobrir, havia qualquer coisa de portentosa no tormento do amor e, apesar do desconforto que me provocava nas entranhas, tinha o seu lado libertador e meditativo que muito me aconchegava.
Foi mais ou menos aí que entrou em cena o Robert Smith e os The Cure.
Os The Cure, enfim, não me eram de todo desconhecidos, isto apesar da minha fidelidade ao Heavy Metal. Ouviam-se frequentemente várias músicas nas rádios e televisão e não se pode dizer que eram desagradáveis ao ouvido, mesmo para um tipo que, como eu, colocava presunçosamente de parte toda e qualquer canção que não tivesse um berrito ou outro.
Mas apesar de não ser bem visto gostar de outra coisa que não fosse o Heavy Metal, eu até apreciava o estilo espampanante do Robert Smith, o único problema é que o meu coração não estava sintonizado nas suas músicas de afeto e perda, preferindo as letras de desordem e inadaptação imortalizadas por grupos tão extraordinários como Megadeth, Slayer ou mesmo Sepultura.
Quando o soco do desejo colidiu no meu estômago frangível e despido de pelo, comecei a desinteressar-me pelo meu eu antigo. Agora, desolado pelas contingências da vida, reinava em mim uma melancolia silenciosa que crescia cá dentro e que precisava de se exprimir de alguma forma, porque eu, coitado, não tinha palavras suficientemente coerentes para demonstrar o que me ceifava a alma.
E foi neste contexto que, aquele homem de cabelo espetado e de cara pintada, me amornava o ânimo com as suas letras apaixonadas a verter desgosto e amargura por todos os poros que deixavam transparecer todas aquelas sensações que me devoravam a carne como um veneno mortal. Desde o Pictures of you em que a contemplação de imagens antigas ajudava, de alguma forma, a suavizar a enfermidade da perda até ao Lullaby onde um corpo rodeado por aranhas aguarda deitado uma ferrada que tanto o pode acordar como então não, tornando assim perpétuo o sofrimento, o som dos sintetizadores voava como uma camada etérea que envolvia e suavizava todo o meu processo de desintegração.
Por outro lado a história acabou por revelar Disintegration como o último grande disco dos The Cure e o Robert Smith envelheceu tanto que aquela panóplia de pinturas e o cabelo esgadelhado já não lhe ficam lá muito bem.
Disintegration foi mesmo o disco que acabei por ouvir na tarde anterior ao Gabriel nascer, quando desci sozinho a Avenida da Liberdade a consciencializar-me do que para aí vinha.

1 comentário:

Miguel disse...

Pois meu caro... estou contigo!
Esse é (talvez?) o melhor disco dos Cure. E eu nunca gostei realmente de heavy metal...