Caro Noddy,
Imagino que não deve ser fácil a sua vida depois de se ter tornado numa celebridade. Não é que ser reconhecido na rua e ter bonecos com a sua imagem no supermercado seja de alguma forma uma chatice, até porque deverá ter um belo conforto financeiro em resultado disso, o problema, parece-me, foi a excessiva exposição mediática que inesperadamente obteve o que o tornou irritante e alvo de muitas críticas e piadas deselegantes por parte dos adultos. No meio de tanta coisa que lhe aconteceu em resultado disso, desde toques de telemóvel a dobragem de cariz sexual no youtube, ainda teve de levar com a versão do genérico do seu programa cantada pelos Moonspell o que não deve ser das coisas mais agradáveis de ouvir, mesmo sendo você um desenho a viver no país dos brinquedos e as cançonetas que lá chegam serem sempre harmoniosas, fofinhas e rimadas.
Devo confessar que, durante o boom da sua fama, sempre olhei com desdém para o seu talento, apesar de, tenha tido sempre um enorme respeito pela obra da sua mãe. Gozava imenso consigo e achava-o, assim, para o parvalhote. Não havia qualquer fundamento na minha apreciação, até porque, se quer que lhe diga, nem sequer tinha visto nenhuma das suas aventuras.
A vida dá as suas voltas, como muito bem sabe, e lá dizem os sábios que, quem vocifera injustiças à toa, acaba sempre por merecidamente ferrar os dentes na língua. Não sei se é por justiça divina ou humana, mas foi o que me aconteceu e escrevo-lhe com toda a humildade a contar que me transformei num grande admirador seu.
O meu filho, um rapaz bonito de quem lhe mando uma foto em anexo, mal o viu achou-o logo merecedor da sua amizade. É verdade que a admiração que sente por si seja um tanto ou quanto doentia, mal vê qualquer produto que tenha a sua imagem estampada, pega nele e fica a contemplá-lo como o Romeu o fez à Julieta, lá na varanda de Verona. Mas enfim, as crianças têm razões que os adultos desconhecem e isso faz parte do fascínio, acho eu.
Uma das coisas que, enquanto pai mais sofri na pele, foi a hora das refeições. Passei um ano, repito, um ano, a ser bombardeado com sopa para cima em consequência do feitio endiabrado do pequeno Gabriel quando confrontado com o acto de comer. Como se fosse pouco, o soalho da sala ficava sempre conspurcado com os resquícios da luta. Se quer que lhe diga alimentar a cria era sempre a pior parte do meu dia. Até que um dia, num acto de pura fortuna, calhou o seu programa estar a passar na televisão na altura em que tentava enfiar, pela 350ª vez consecutiva, a paparoca goela abaixo. Mal o famoso e imortal genérico se iniciou, a criança paralisou e de olhos pregados ao ecrã se deixou estar, quieto e silencioso, abrindo e fechando a boca ao ritmo das colheradas de sopa que o pai lhe colocava em frente.
Deixe-me escrever a bold as palavras, obrigado Sr. Noddy! Aquele bebé, desde que começou a jantar e a assistir ao seu programa ao mesmo tempo, nunca mais deixou migalha no prato, nunca mais se sujou, nem a ele nem ao pai e até, se a aflição for maior, os progenitores podem, sem problemas de consciência, vestir-lhe a mesma roupa dois dias seguidos que não vai parecer mal. Digo-lhe já, se quiser fazer algum juízo de valor, que, enquanto pai sempre me borrifei para a verborreia dos psicólogos e não julgo a televisão como um Diabo, Deus me perdoe o uso, embora justificado, da palavra. O Gabriel brinca comigo, ri comigo, passeamos no parque, vimos o pôr-do-sol na praia e até dormimos juntos quando as noites lhe são mais pesarosas. Só há uma coisa que não abdicamos, o episódio do Noddy ao jantar.
Em acrescento deixe-me que lhe dê os parabéns pelo programa. As histórias são muito engraçadas, bem contadas e é um gosto, também para mim, vê-lo a trabalhar. Gosto muito dos episódios, “Noddy vai ás compras”, adoro o “Melhor condutor do mundo”, e aquele, que não sei o nome, em que as abelhas desaparecem todas na floresta encantada.
Bem, agora tenho de me despedir porque ainda tenho de escrever uma carta ao boneco Pocoyo que desperta o apetite de dança no Gabriel. Gostava apenas de lhe solicitar um autógrafo, desculpe-me o abuso, mas é que não é para mim, mas para o pequeno que me pediu tanto…
Um abraço!
Hugo Carvalho