sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Pessoas que não se viam há anos a pôr a conversa em dia em sussurros por trás de óculos escuros, o farfalhar do plástico das flores que vão entrando, olhares que percorrem as faixas das palmas. Família sofrida, pais emagrecidos, misericordiosamente sob o efeito de ansiolíticos, e toda a gente à volta a comungar da ideia de que é tão injusto, tão jovem e lindo e cheio de vida que aquela pessoa era.

Dói mais para quem se lembra daquela pessoa assim, linda, jovem, cheia de vida. Quem esteve por perto tem a imagem da cama de hospital, do IV, das máquinas, um resquício do que quem tanto amavam foram um dia. Para quem esteve perto, a memória é outra bastante diferente e o momento inicial, aqueles primeiros dias, são de choque e também alívio. Porque hoje vão dormir numa cama em casa, sem temer nenhum telefonema, e amanhã não irão ao hospital, e amanhã não terão nenhuma má notícia.

Amanhã não terão nenhuma má notícia. E isto sabe a lotaria. Não há mais dor, nem cansaço, nem derrota.

Claro que depois vem o momento de desfazer o quarto, de dar roupas, de desmontar toda uma vida. Mas isso é depois. Pode até ser um ou dois dias depois, ou pode ser um mês depois, ou pode ser muito tempo depois. E aí é outro assunto, outra ponte a atravessar.

Mas para já, o que importa é que amanhã não terão nenhuma má notícia.

2 comentários:

Precis Almana disse...

Dizer que adorei este texto pode soar a estranho, porque o tema é de se odiar. Mas adorei este texto, Melissinha.

Naná disse...

Sim, as más notícias diárias cessaram... o alivio do sofrimento que é ver aquela pessoa sofrer!
Mas agora todos os dias haverá a constatação do vazio e depois a crescente saudade tomará conta...