Tinha 11 anos e estava perdidamente apaixonada pelo R.. Não era coisa nova, estava apaixonada por ele desde que entrara para a minha turma no 3º ano. Mas, como disse anteriormente, eu era uma miúda esquisita, ele tornou-se imediatamente popular. Gravitávamos em dois mundos diferentes, eu no meu, ele no de toda a gente. Sigamos.
Nas festas juninas, dança-se a quadrilha e é uma festança. Durante a primária, era a professora que fazia os pares, portanto não havia problema, mas no quinto ano a coisa complicou-se. Era preciso que os rapazes convidassem as raparigas, o que me tirava de imediato do jogo. A A. recebeu vários convites, como sempre, a G. também. Tinham de decidir que convite aceitar. Eu não recebia nenhum.
Ia à missa todos os dias antes das aulas, e um dia, fiz uma promessa a Nossa Senhora para dançar com o R. Não era lá grande promessa, umas quantas ave-marias, só para ver se colava com a santa. Vá lá, Senhora, quebra o galho. Contei à minha melhor amiga T e a mais ninguém.
Um dia antes de começar os ensaios, o irmão do R. aborda-me. Quer saber se já tenho par para a quadrilha. Não, ainda não. Tu quer dançar com o R.?
Obrigada pela graça concedida, Minha Mãe do Céu.
O R., afinal, era incrivelmente tímido. Lá me entregou o convite sem dizer uma palavra e encontramo-nos no dia seguinte, no ensaio. Não conseguia olhá-lo nos olhos, nunca. Sentia uma felicidade absoluta, adiada durante anos. Lembro-me da primeira vez que nos tocámos: as mãos, em roda. Lembro-me da letra da canção.
Olha o fogo,
olha o fogaréu
queimando as pontas da palha do meu chapéu...
Lembro-me de boa parte da coreografia.
Nunca, em anos e anos de colégio, tinha-me sentido tão feliz.
Um dia, saí do ginásio depois do ensaio, e, à porta, esperavam-me quase todos as raparigas da turma. Cercaram-me.
Tu é mesmo galinha ( = fácil, oferecida). Fazer uma promessa pra dançar com um menino? Que vergonha.
Que vergonha.
Que galinha.
Galinha.
Vergonha.
A T. contara o meu segredo.
Neguei tudo, neguei tudo. Mas para quê, a palavra já estava espalhada e era uma questão de tempo até chegar aos ouvidos do R.., mais um prego tão desnecessário no meu caixão social. Agora o R. ia saber que o único motivo pelo qual dançaria comigo era a intervenção divina.
E provavelmente tinha cometido um pecado tal que ia arder no inferno para sempre. Enfim, estava fodida assim na terra como no céu.
Mas, de alguma maneira, tinha valido a pena.
Não sei se ele chegou a saber ou não. Fui a mais dois ou três ensaios, mas não fui ao dia da festa, não me lembro o porquê. Não dancei a minha quadrilha, mas não me custou. Ficaram os ensaios. No ano seguinte, saí do colégio, vim viver para o estrangeiro. Não sei, até hoje, porque é que o R. me convidou em detrimento da P, da G, da C.
Talvez tenha sido mesmo Nossa Senhora, que engravidou adolescente e deve ter perdido muitas quadrilhas.
E ainda não paguei o diabo da promessa, caneco.
Esta memória tem vários ângulos dentro da minha cabeça. Acho até que já escrevi sobre ela aqui há uns anos, só a falar na paixão doida que eu sentia, no coração a bater. Mas houve o outro lado. Há sempre um outro lado.
5 comentários:
Bom, este post responde ao anterior por isso vou só continuar por aqui, caladinha.
Não sei se já te disse, mas a tua escrita é uma pintura! Um quadro com pinceladas coloridas, vivas, que saltam da tela e nos entram pelo coração!
Ginguba, obrigada. <3
Mariana, foi menos doloroso do que parece. Na verdade, é um episódio que me marcou pela positiva. Hoje lembrei-me desse pormenor das mães de Bragança do colégio, que me deixou amedrontada durante uns dias, mas não o suficiente para me tirar o sorrisinho dos lábios.
Ia postar isto no FB, depois lembrei-me de que estão lá algumas delas. :)
Sempre imaginei que Nossa Senhora fosse mais rancorosa com as promessas não cumpridas... :)
Ahh, elogio ao Hugo? :D
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