domingo, 26 de outubro de 2014

Não é um post bonitinho (não que algum seja)

A minha mãe teve óbito declarado às 00:13 do dia 26/10/2004, fuso horário de Fortaleza, Brasil.

Sei que nem toda a gente assinala aniversário de morte, mas eu assinalo, sim. Só ignorei o primeiro, porque ainda estava a ignorar a própria dor.

Nos anos seguintes, arranjei sempre uma forma singela de marcar o dia. Em 2007, 20 dias depois de casar, atirei o meu buquê ao mar para ela, sozinha, ali ao pé do Alcatruz. Só saí de perto quando as flores estavam completamente destruídas pela rebentação.

A cada aniversário de morte da minha mãe, despeço-me dela, digo que será o primeiro ano sem sofrimento. E nunca é. Este ano tinha em mente fazer milhentas coisas para a celebrar, mas já vi que não vai ser possível, porque já estou tristíssima, porque já estou revoltada, porque já tenho 28 anos outra vez e acabei de ficar órfã e terei de desmontar a casa em que vivemos as duas durante anos. Só as duas. E não sei ligar a máquina de lavar, tem truque. E passarei um mês a ligar-lhe para o telemóvel para comentar banalidades.

Tanta falta que ela me faz. Tantos anos a ignorar a falta que ela me fazia e, neste, logo neste, cai-me tudo em cima. Já disse várias vezes que as minhas saudades não são doces, não são bonitas. As minhas saudades são ácidas, corrosivas, mazinhas. Não há ternura, não há amor, não há gratidão, nem sequer há um vazio.

É uma ferida que está ali, aparentemente cicatrizada, juramos que está cicatrizada, mas que de vez em quando lá vem qualquer coisa e passa o algodão com álcool por cima. E vemos que não está cicatrizada coisíssima nenhuma, vemos que está fresca, em carne viva. Não tens mãe. Não tens a quem ligar sobre uns sapatos ou uma doença. Não tens.

5 comentários:

disse...

Sempre bastante realista, Melissa.
"Não tens Mãe" tal e qual esta frase, que também ecoa no meu pensamento (não importa a idade, quando se perde a mãe somos sempre "pequenas" demais).
Abraço

gralha disse...

Um abraço, Melissa querida.

Naná disse...

Eu também assinalo data de morte... mas acho que escolheste uma forma bem bonita de homenagear a pessoa que era D. Mel.

Amigo Imaginário disse...

Não é um post bonitinho, mas é um post muito bonito, Mel. Duro, mas bonito. Beijo.

Joanissima disse...

(um abraço sentido, lindeza....)