sábado, 29 de maio de 2010

Ela era, entre outras coisas, assim - parte 1 de não sei quantas

Ao falar do acidente do meu irmão - que foi no ano da descoberta do cancro da minha mãe - a Carla disse: eh lá, já foi há sete anos! Parece que foi ontem. Senti-me mal com essa informação, fiquei muda sem saber o que sentir, apenas um buraco grande. Ontem, ao falar com a Anacê, consegui pôr o que senti em palavras: a minha mãe está cada vez mais longe.
E um cliché entre enlutados dizer que vão perdendo pormenores todos os dias, mas, como qualquer cliché, é putamente verdadeiro. Terrível, isto, quando estamos a falar da pessoa com quem dividíamos a vida (morávamos as duas, só), as roupas (vestíamos o mesmo número e tínhamos o mesmo gosto) e os segredos (éramos muito, muito solitárias, coisa que eu tratei de mudar.)
Claro que o tempo passou e agora sou mãe de família e a minha vida tem outro epicentro, mas naquela altura, a minha mãe era o meu casamento, e eu fiquei órfã, viúva, sem saber o que fazer da vida - não sabia ligar a máquina de lavar, sequer.

Não há outra forma de a trazer de volta se não assim.

A minha mãe, entre muitas outras coisas:

- Roía as unhas até ao talo. Só tinha uma faixinha de unha em cada dedo atarracado. Uma vez, conseguiu deixá-las crescer um bocadinho e foi logo arranjá-las, pintou de verniz Renda, da Risqué. Sentiu-se a bala que matou o Kennedy.

- Quando não queria que se entendesse o que estava a dizer, falava na língua do P fluentemente.

- Em 2003, ainda gravava cassetes da rádio. Ouvia sempre a Radar, mesmo quando ninguém a ouvia e era o rádio clube de Almada ou algo assim.

- Odiava Bossa Nova e toda a música que viesse de Minas Gerais, facto que eu herdei e não consigo explicar, é como um vestido feio com valor emocional do que não me possa desfazer (porque, pronto, saio do armário hoje, eu gosto de Bossa Nova.)

- Levava um borrifador do chinês para a praia com água doce. Assim, se o mar estivesse frio, borrifava-se. É brilhante. Grande, grande herança.

- Comia o mesmo pequeno-almoço todos os dias, todo o santo dia, há muitos anos: flocos de cereais fruta &fibra, iogurte de morango com pedaços misturados com uma dose inacreditável e insuportável de sacarina. Empurrava tudo com uma caneca enorme de café com uma dose inacreditável e insuportável de sacarina.

Por hoje, já é bom. Continuará.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Pela janela

Quando o meu irmão era bebé, vivíamos num apartamento que dava para uma linha do comboio. Sempre que ele ouvia o som do dito cujo a chegar, ficava em alerta, agarrava em qualquer coisa que lhe servisse de veículo e lá ia ele empurrando tudo pela frente, até chegar à janela, subia no veículo e ficava maravilhado olhando o comboio, repetindo, baixinho:
- "Tem". "Tem".

Vivemos agora num apartamento que dá para um jardim onde as pessoas passeiam os cães. Sempre que ouve algum sinal de que há cão no jardim, o meu bebé agarra em qualquer coisa que sirva de veículo ou vai a gatinhar, empurrando tudo pela frente até chegar à janela, apoiando-se nela e olhando maravilhado para o cão, repetindo, baixinho:
- "Ca". "Ca".

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Equipamento educativamente incorrecto que dava um jeitão

- A famosa Grua Chicco para Grávidas;
- Ata-bebés Avent Muda de Fralda Fácil;
- Algemas para refeições Nuk Papa Feliz;
- Tampões para os ouvidos Dr. Brown's Dorme Papá;
- Robô Faz Tudo Super Nanny, da Voerwerk.

sábado, 22 de maio de 2010

Curtinha sobre parto humanizado

Parto humanizado é aquele em que a parturiente está segura, relaxada e feliz, e não o parto-dentro-da-tina-com-bola-de-Pilates-e-Enya-a-tocar. Se a parturiente está segura, relaxada e feliz sendo assistida por uma equipa de obstetras, pediatra e enfermeiros, sem dor, o parto dela é humanizado.

Portanto, pediria que passassem a chamar o que chamam hoje de parto humanizado "parto doméstico", se não ainda começamos a pensar que demos à luz assistidas por veterinários.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Nova rubrica: Melissa, deixa de ser boazinha e põe tudo cá para fora

Ep. Piloto: ORGULHO E PRECONCEITO

Não me dou com famílias que tratam os filhos por você.
Não quero cá misturas.

(será que vou perder alguma leitora hoje? Hum?)

sobre o que não cabe cá dentro, saindo para fora

No meio de um trabalho chato, a mente vagueia, e assim, por nada, a minha foi parar à primeira ecografia do Gabriel - que originou este blog - e o som do seu coração. Passei imediatamente para a carinha dele agora, e tive de correr para a casa de banho da biblioteca para chorar.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Curtinha que vai parecer dor-de-cotovelo mas não é mesmo

Eu sabia que a Manue tinha falado disso quando eu ainda estava grávida e que me tinha marcado, porque nunca tinha pensado no assunto da maneira que ela punha. Mas ao estar cercada de bebés de um ano a dizerem a própria idade, a mostrar as várias partes do corpo à demanda e a fazer mil e uma macacadas*, penso o mesmo. O meu não faz nada disso, não faz rigorosamente nada que lhe pedem para fazer, aprende só o que acha útil ou divertido ou o raio que o parta segundo o seu próprio sistema de valores.
Ele lá deve saber o que vale a pena. E de alguma forma maravilhosamente inocente, já deve saber que palhaços é no circo, ó palhaços.

*Completando: por insistência dos adultos, não por vontade própria.

sábado, 15 de maio de 2010

(Não tão) curtinha sobre métodos educativos (que me faz rir)

Como toda mulher que vê a sua risquinha positiva, comecei naquele mesmo dia a reparar nos bebés todos do mundo. São tantos! Quase todo mundo tem filhos. Soube disso quando engravidei. É como quando compramos um carro vermelho e de repente metade dos carros do mundo são vermelhos. Mas adiante.
Vi muitos bebés amamentados ao peito ferrenhamente, muitos bebés com suplementação e muitos bebés que só tomaram leite de lata. Desses bebés, alguns são fraquinhos, alguns são assim-assim, alguns não apanham a porra dum mau olhado.
Independentemente da origem do leitinho.
Vi muitos bebés deixados a chorar no berço à noite até aprenderem eles próprios a consolar-se, vi muitos bebés a serem acalentados depois de alguns minutos, vi muitos bebés a serem aconchegados mal comecem a chorar. Desses bebés, alguns são inseguros, alguns são assim-assim e alguns julgam que são o Super-Homem.
Independentemente de como os pais os acodem à noite.
Vi muitos bebés a irem para a creche aos quatro meses, muitos a irem aos oito, aos doze, aos três anos. Desses bebés, alguns são meninos da mamã, alguns são assim-assim e alguns são autênticos políticos em campanha.
Independentemente de quando saíram das suas casas.
Vi muitos bebés (já viram que estou aqui para ficar, mesmo depois de ter o meu argumento perfeitamente claro) a receberem tudo das mães ao primeiro pedido, muitos a só ganharem prendas quando merecem, outros, apenas nos anos. Desses bebés, alguns são mimadíssimos, alguns são assim-assim e alguns são uns desapegados budistas.

Ri-me, hoje, ao pensar na possibilidade de o método de educação escolhido não ter qualquer influência sobre o comportamento dos pequenos. Ao pensar que é tudo, tudo mesmo, só uma questão de feitio deles, que tudo começa e acaba neles, e que as nossas opções educativas são apenas um reflexo dos nossos valores, e não algo que tenha de facto efeito prático. Que essa omnipotência que julgamos ter sobre a formação do carácter dos nossos filhos não passe de pura vaidade.
Ri-me ao pensar nessas possibilidades. Seria um pouco como descobrir que Deus não existe e andamos aqui a acender velas para nada durante toda uma existência.
Ri-me assim, ao de leve. À ateu a olhar para Fátima, vá.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Um dia

Copiando a ideia da Rute, há muitos anos, vou ali para os Picoas pôr-me atrás do velhinho do adeus, mas não vou andar a cumprimentar as pessoas, vou passar a noite a mandar valentes manguitos e caralhadas a todos os carros que passarem, todos, todos, a noite toda.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Curtinha sobre uma boa decisão

Estou com pouco trabalho e, consequentemente, com pouco dinheiro. Por isso, tomámos a decisão de, a partir de junho, o Gabriel passar a frequentar a creche a tempo parcial. Vou deixá-lo às oito e ir buscá-lo ao meio-dia. Dorme a sesta cá em casa e depois somos só nós dois e Deus.

Confesso que estou com um friozinho na barriga. A minha experiência de mãe profissional não foi feliz - os cerca de quatro meses que passei com ele em casa, sozinhos, foram um bocado desastrosos e deprimentes. A maternidade full-time revelou-se um emprego chato e pouco compensador. Detestei.
Mas agora, e até Setembro, quero que a história seja outra. Não quero deixar-me contagiar pelo desânimo e desespero de encontrar trabalho depressa - tudo na minha vida sempre se resolveu pela 3a via, aquela opção C que eu não tinha em mente. Vou tentar estar relaxada e curtir o meu bebé. Vou tentar concentrar-me nele, coisa que não fiz antes. Quero conhecê-lo melhor. Quero curtir mais toda a cena de ser mãe.
Quero divertir-me e quero que ele se divirta.
Mas confesso que sim, tenho medo que seja uma merda outra vez. O meu coração e a minha auto-estima de mãe não aguentariam o baque.

Update: ahamm... Aquela opção C, que eu não tinha em mente? Afinal o puto fica mais um mês a full-time. :)
Obrigada, anjo da guarda!

domingo, 9 de maio de 2010

Amor de mulher

Tenho um irmão destrambelhado, um filho cheio de sentido de humor, um marido lindo e um pai multitarefas. Enchem-me as medidas, todos.
Mas não tenho mulheres no meu dia-a-dia. Mamãe morreu, não tenho irmãs. E mãe e irmã são diferentes de amigas - que eu, como todos sabem, tenho as melhores.
Mas hoje, num provador de uma loja, tive irmã. E, ao perceber isso, chorei abertamente. E choro ainda.
(Se fosse contar o porquê, nunca mais pararia de escrever, seria um desabafo, e estou a tentar frear os desabafos.)
Mas tive irmã, e soube-me a mãe, e soube-me a choque, e chorei, e choro.
(Um feliz dia da Mãe brasileiro a todas.)

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O lixado dos desabafos

O lixado dos desabafos é que dura mais em quem ouve do que em quem faz. Então pomos tudo cá para fora, e o meu namorado não presta, o meu emprego é uma merda, nunca devia ter tido filhos, a minha sogra é um boi, vou-me atirar ali da janela, unhé, unhé, unhé, e... Pronto, ficou tudo cá fora. Ficamos limpinhas. Em compensação, o pobre do coitado do ouvido ficou cheio daquele lixo, e passa a achar-nos a pessoa mais frágil e infeliz e a precisar de intervenção do mundo, e quer ajudar, quer tanto ajudar que às vezes dá vontade de mandar o pobre do ouvido ir pastar (até ao próximo momento de fragilidade, pelo menos.)



(Aos amigos que podem achar que estou a falar para alguém ou sobre alguma coisa em específico: não estou mesmo. Estou é a pensar que às vezes digo qualquer coisa menos alegre aqui no blog e vêm perguntar-me como eu estou horas ou dias depois. Odeio. PASSOU, CAMARADAS, PASSOU.)

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Curtíssima sobre o luto (para tirar isto do meu sistema de uma vez por todas)

Quanto mais cedo se entra nele, de peito aberto, sem mentiras piedosas, mais cedo se sai dele.
Etapas queimadas voltam mais tarde com muito mais força, ou vão encontrando brechas no dia-a-dia.
Não há tragédia maior do que perder quem se ama. Alguma espiritualidade maquilha, mas não apaga essa verdade: não há tragédia maior do que perder quem se ama.
E o recomeço está sempre, única e exclusivamente, depois do luto.
E no luto não há passarinhos.

Pais confusos pedem ajuda

O Gabriel tem 14 meses e volta e meia, como todos os putos de infantário, aparece-nos cheio de ranho. Se não fizermos nada, algumas vezes passa sozinho, outras evolui para bronquiolite. A cena é que não sabemos bem o que fazer (o que dar) nesta fase em que é mesmo só ranho e tosse carregada:

Atrovent e ventilan são maravilhosos, mas ele não tem nada nos brônquios.
Brufen é para febre.
Celestone dá-me medo, ele já tomou na vida dele mais vezes do que eu.
Actifed durante o dia dá muito sono.
Aerosol só com soro não lhe faz nada.
Cebola no quarto só serve para o quarto cheirar a refogado.

Queríamos já ter uma certa estaleca e não ter de correr ao pediatra por causa de... ranho. Mas não temos. Alguém por aí tem alguma dica, quer partilhar a experiência? É só de ranho/tosse cheia de ranho que falamos, a tal antecâmara das bronquiolites e outras merdites.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Algo a partilhar com o mundo.

Via Tatas, obviamente. Já tenho duas ideias para esta semana.

http://www.whatthefuckshouldimakefordinner.com/

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Curtíssima sobre a nossa economia doméstica

1. Avaliar a necessidade.
2. Procurar em fóruns de trocas.
3. Procurar em segunda mão.
4. Avaliar outra vez a necessidade, mais profundamente.
5. Comprar.

domingo, 2 de maio de 2010

Curtinha sobre o dia da Mãe

Este fim-de-semana na casa no Fim do Mundo, nós e a malta como há uns anos, com a diferença dos bebés. Tão crescidos que nós estamos, todos. Tontos e crescidos.

A maioria das vezes, como já disse aqui, cansam-me as conversas do cocó, mas há vezes em que paro e acho tão engraçada a passagem dos anos e a chegada da vontade de ter bebés, e é tão bom tê-los ali à perna, a encher o saco e a divertirem-se loucamente.

Uns bebés giros, que a malta anda a ter. Keep them coming. E feliz dia da Mãe, especialmente à minha, que por ser luso-brasileira tem direito a dois, o primeiro e o segundo dia de Maio.