domingo, 30 de novembro de 2014

Angústias do guião

Graças a um excelente sistema de accountability, que é basicamente ter designado uma accountability partner que enche o meu saco e faz shaming no Facebook (OBRIGADA!), finalmente o meu Oscarizável já conta com 27 páginas de guião, quase meia hora de filme caso um dia alguém queira produzi-lo (sou uma mulher de fé, claro). Não sou ingénua para pensar que está no ponto, nem de longe - só quero uma base para começar a reescrita quando o meu atual projeto profissonal acabar (e partindo do princípio que não serei imediatamente sugada para o buraco negro de outro).

No entanto, mesmo sendo uma coisa em bruto, claro que as preocupações aparecem. Caramba, estou na página 27 e ainda me faltam uns bons cinco minutos para acabar o primeiro ato. Não sei se a história já está explicada, e o ideal é que estivesse nos primeiros dez minutos - e não está, nos dez primeiros minutos não está de certezinha. E será que está claro que a personagem Y e a Z partilham um segredo? Não, não está. E o que X veio fazer ao voltar para a terra natal? Sim, isso está. Enfim, milhares de perguntinhas que eu devia deixar para a reescrita, porque simplesmente não me deixam andar com a história para a frente. Tento lembrar-me do que dizia o Filipe dos filmes de terror, que não obedecem às mesmas regras, jogam noutro campeonato. Também me consola pensar no livrinho giro  todos os dias que ando a ler, em que já vou a 2/3 e nada mais acontece do que o conflito a adensar-se - mesmo assim consegue ser muito cativante. Ou seja, talvez eu devesse apenas concentrar-me em contar a história da melhor maneira possível.

Eu prometi que não questionaria nada desta vez, iria escrever e escrever até ao fade out. Não é bem assim, não consigo pendurar o sentido crítico assim tão facilmente. Mas bom, para quem já desistiu umas cinco ou seis vezes de andar com o projeto para a frente porque precisava de "pesquisa histórica" antes, porque nunca seria capaz de "escrever com o linguajar do século XIX" e outras procrastinações medrosas, até que está a correr bem. Uma cena por dia, com atrasos pelo meio, mas está a correr bem.

Meia hora, gente!
Só volto a falar dele com a foto da capa impressa, lá para fevereiro (se a minha accountability partner ler isto, vem cá corrigir para janeiro).

(Giro, giro foi ter encontrado uma amiga querida ontem que também está a escrever um longa, por acaso está no mesmo ponto em que estou e praticamente acabávamos as frases angustiadas uma da outra. Senti-me menos sozinha no mundo. :))

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Como todas as canções de Natal deviam ser e nenhuma é



Ontem, na zumba, fizeram-nos saltar ao som de Jingle Bells. Que diabo, man? Ainda é novembro. 

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O peru

O meu pai adora contar uma particularidade dos perus: se cercarmos um peru com grãos de milho, ele fica lá dentro e não faz mais nada, morre de inanição. Mas se tirarmos um grãozinho, ele lá começa a bicar os outros, libertando-se do círculo maldito e sem fim. Papai acha esta merda fascinante.

Muitas vezes na minha vida, sinto-me como o peru dentro do círculo de milho. Milhões de merdinhas minúsculas e sufocantes que me deixam sem ação, à espera de morrer seca no centro dos meus problemas insolúveis, a dar voltas e voltas e a embriagar-me com a perfeição do círculo formado para me f...., quando bastava que um grãozinho saísse do sítio. Um só, para me mostrar que as merdices minúsculas podem ter um fim. Assim, sentir-me-ia capaz de ir comendo os outros, um a um.

Por favor, grãozinho pioneiro, manifeste-se e quebre a roda. Estou a morrer.

Ainda sobre o meu pai, há cerca de dez minutos:
- Estou com um milhão de micro-cagalhões a chatearem-me, pai.
- Escolha dois, filha. 

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Ainda sobre o apego sem medo e totalmente relacionado ao post anterior

Ele vai buscá-lo à escola quase todos os dias, leva-o à capoeira, ao parque, têm longas conversas. O pequenino está apaixonado, a redescobrir um avô sem pressas, sem eventos estonteantes todos os dias, amor do bom, sem pensar no dia de amanhã, como se tivessem todo o tempo do mundo. Em fevereiro vai doer neles. Em mim, já dói agora.

Work in progress, em bom estrangeiro.

sábado, 22 de novembro de 2014

Abordagem blog

Ontem o padrinho falava na longevidade deste blog, como não era parecido com nada no resto da minha vida, em que largava tudo pelo caminho. Isto espoletou uma converseta sobre os motivos pelos quais continuava a escrevê-lo, este oásis de continuidade e não-desistência. Consegui reunir algumas características da abordagem-blog.

- A maior: não tem um fim à vista, não é um projeto, não tem um objetivo, não tem sequer uma finalidade: faz parte dos meus dias. É algo natural como, vá, limpar o rabo na casa de banho. Não me angustio com a necessidade de ter de limpar o rabo provavelmente mais centenas de milhares de vezes na vida. É algo que vou fazendo. No dia em que este blog gerar um átomo de cobrança na minha cabeça, vai para o céu dos Projetos que Nunca Chegaram a Ser.

- Não penso no blog a não ser enquanto estou a escrever no blog ou a ler o blog. Mesmo assim, o amor pelo blog é grande. O blog é um dos meus maiores tesouros sem exigir que me consuma por ele.

Bom, falámos disso e muito mais, mas, por causa de outra conversa que tive com outras pessoas ontem à noite - sobre a dificuldade de dormir do Gabriel em bebé -, acabei por analisar também a abordagem-sono do bebé (e várias outras coisas da minha vida, mas esta foi a mais desastrosa).

- Tinha sempre um fim à vista: será aos três meses, aos quatro, aos seis, dá para acelerar o processo, faz isto, faz aquilo... E eu a ficar cada vez mais obcecada, porque não, senhores pais e futuros pais, não controlamos este processo. Eles vão dormir noites completas quando dormirem, por razões as quais não temos acesso. Aceitar o que não se pode mudar é o caminho.

- A privação de sono invadiu de tal forma a nossa vida que julgo que perdemos uma parte da fofice dos primeiros meses; hoje, quando nos lembramos do primeiro ano do Gabriel, lembramo-nos do sono. E isso é triste e injusto, porque ele era lindo, nunca chorava, nunca tinha uma cólica, nunca vazou uma fralda, nunca chorou na creche. Foi o bebé menos trabalhoso que já vi, excetuando, claro, o objeto da minha obsessão: eu queria dormir. O tempo todo. Na altura, papai disse-nos: vocês estão a olhar para isto com os olhos errados.

E estávamos. Eu estava. E olho para muitas coisas na minha vida da mesma forma - como um processo intragável com um fim a atingir. Sacrifício, sacrifício. Sendo que está mais do que provado que, na minha vida, sacrifício não traz recompensa nenhuma, traz desistência e frustração. Não sou abnegada. O que está nas minhas mãos mudar um pouco, portanto, é a abordagem à situação. Dito isto, quero alargar a abordagem-blog a outras situações da minha vida, sendo que a mais urgente é o trabalho, que tem sido extremamente violento.

Tenho sido injusta, em parte, com o meu trabalho. Porque se por um lado há factores que realmente não controlo - e aí é fazer corpo mole como quando se cai dumas escadas ou se é apanhado por uma onda forte -, há motivos pelos quais o escolhi e que têm de voltar a ser desfrutados: a alegria da reação certa na altura certa, aquela frase espirituosa, aqueles a-ha que ocorrem de vez em quando. Eu sou paga para escrever histórias e esqueço-me disto. Podia ser paga para coisas com muito menos piada. E o mais importante: não tem fim à vista. Se tiver sorte, um projeto seguir-se-á ao outro e haverá sempre dores de cabeça. Se continuar a concentrar-me nelas, duro mais três anos nisto.

Portanto, guardadas as devidas proporções e diferenças, abordagem-blog ao trabalho é o que se pretende já. Imediatamente.

Depois, quem sabe, consigo alargá-la a outras coisas na minha vida, olha a alegria que seria.


domingo, 16 de novembro de 2014

Aprendi com a Rita

A morte da minha mãe foi um evento fraturante na minha vida. "Ah", dizem vocês, "como não seria?". Sim, claro, como não seria, mas a verdade é que, pelo menos durante um bom tempo, perdi tudo que tinha, tudo que sabia. Não me preparei para a morte dela como outros familiares de doentes oncológicos se preparam, tive exatamente dois dias e meio para o fazer - cá em casa, enganámo-nos até ao fim, ela inclusive.

Tinha amigos e namorado, pai e irmão, mas ela era o meu norte. Perdi a noção de quem eu era, do meu propósito. Mas, seguindo os seus valores, segui em frente a sorrir para todos, está tudo bem, está tudo bem, está tudo bem, deem-me mas é trabalho que isso é o que importa, mais trabalho, por favor, mais trabalho.

Tão fraturada que estava que não fui capaz sequer de encarar a morte dela de frente, com medo de perder ainda mais qualquer coisa . E este medo de perda acabou por se tornar uma constante na minha vida: em face dela, retiro-me emocionalmente das situações. Qualquer situação, com qualquer pessoa. Fico fria, o cérebro entra em modo de sobrevivência - não voltarás a fraturar.

A Rita (a nossa Silvina) escreveu, num post que não encontro para linkar, que achava ridículo a distância que os médicos interpunham entre si próprios e os pacientes, com medo de "se envolverem", quando é este envolvimento que nos torna humanos. Não cheguei a falar com ela sobre isso, mas caramba, isto fez cair uma ficha das grandes cá dentro. Que não há que temer a perda, há que aproveitar o ganho. A presença, o presente, o afeto do momento que se tem em mãos. Não posso viver a vida a pensar no que me será tirado mais cedo ou mais tarde. Não é justo para ninguém. E a primeira vez que pensei que isso podia ser um disparate em vez de inteligência e coolness foi com ela. E a primeira vez que o exercitei, também. Permiti-me amá-la naturalmente, sem medos, naqueles últimos dias em que a tivemos e chorá-la condignamente quando tudo acabou.

Não posso dizer que perdi o medo de voltar a fraturar-me, mas acho que cada dia aproveito mais um bocadinho as delícias que o apego traz. Posso amar as coisas, posso perdê-las. Tudo bem, é a dinâmica de que a vida é feita. Perdas e ganhos. Lição bonita da moça bonita que nunca cheguei a agradecer. (Se me lês aí do sítio fixe onde estás, miúda gira, pega o meu abraço tão grato).

Não é uma aprendizagem linear, o apego. O meu pai chegou de Moçambique há uns dias depois de meses fora, e a primeira coisa que o meu cérebro sobrevivente pensou foi: não te habitues a isso, porque é temporário. Enfim, lá chegarei. 




terça-feira, 11 de novembro de 2014

Gente com esforço e sem esforço

Um problema que atribuo ao meu caráter de culpossauro é o obrigar-me a gostar de toda a gente. Inicio relações com toda a gente e, muitas vezes, pouco tempo depois, vejo que 1) não temos absolutamente nada em comum ou que 2) me aproximei de uma pessoa que não me faz bem por um motivo ou outro. Acontece-me mesmo muitas vezes, provavelmente porque 1) analiso e observo muito ou 2) sou muito ciente do meu território e sinto-me abusada mais depressa do que a maioria das pessoas. Também existe um 3), atraio muitos malucos (ou sou inicialmente atraída por eles) e quando me apercebo que são malucos, é demasiado tarde, porque culpossauros não saem de relações de cujo início têm a culpa.

O que tenho feito nessas alturas são listas mentais de gente boa que também atraio e que adoro naturalmente, gente com quem não passo tanto tempo quanto gostaria (ou tempo nenhum)  e que têm doçura, graça e bondade em quantidades generosas: a S., com quem discuto assuntos macabros só para chegar à conclusão de que doentes são os outros, nunca nós. A M., que no dia do lançamento do livro da minha Casaca me levou um livro lindo com uma dedicatória mais linda ainda, com uma fita de ráfia. A P., sempre com palavras de incentivo para tudo e mais alguma coisa, criativa como ela só. E há outras, isso sem falar no núcleo duro, na minha mão cheia de amigas chegadas. Gente que me conquistou naturalmente e que adoro naturalmente, de quem não duvido, a quem não sou empurrada a ler nas entrelinhas. O culpossauro precisa dessas pessoas para ir dormir um bocado. 

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Cromos

A sala entupida de jovens hipsters do primeiro ano do curso de cinema, eu constrangidíssima, porra, onde é que me vim meter, o Hugo só dizia: caga. Não consegui cagar, sou demasiado self conscious para cagar nessas coisas, mas tudo bem, queria vê-lo e ouvi-lo, porque o adoro francamente. Mas por algum motivo achava que só eu e mais uns quantos tinham direito a adorá-lo, nunca miúdas de 21 com roupa da Outra Face da Lua e três riscos de eyeliner. Mas tudo bem, adiante.

O filme é maravilhoso. Não menos que maravilhoso. Tão incrível (e tão Wes!) que até encomendei uma cópia na Amazon, pois faltavam dois trechos na versão que o Paulo Branco miraculosamente encontrou para exibir (é a única cópia em filme que existe). Mas também não vou falar sobre o filme, vejam-no, é uma explosão de vida, de movimento, de entradas e saídas, uma Sofia Loren a quem até eu fazia um filho, um filme incrivelmente colorido sendo a preto e branco. Do ano que em mamãe nasceu. Mas adiante, que o post não é nem sobre o Wes nem sobre o Ouro de Nápoles.

Na fila da frente, a destoar das 350 groupies mal vestidas e de mim e do Hugo (e do Willem Dafoe, já agora, que estava em modo furtivo no meio da sala), um miúdo de cerca de 12 anos e o seu pai, um careca de uns 40. Pensámos: o pai queria ver um clássico italiano raro e arrastou a pobre criança, que calvário, esperemos que tenha trazido um tablet ou algo assim. Lá vimos a apresentação, o filme, até aí nada de tablet nem de bufanços pré-adolescentes... E aí acabou o filme e começou a conversa com o público. E o miúdo iluminou-se. Seguia o microfone com os olhos, ouvia as perguntas, o pai sussurrava-lhe traduções ao ouvido, o miúdo ria-se das piadas. E aí entendi: não foi o pai cinéfilo que arrastou o miúdo. Foi o miúdo cinéfilo que levou o pai a ver o seu ídolo. Que bom, que quentinho.

Não escolhemos os cromos que calham aos nossos filhos. Podemos, quando muito, estimular áreas X ou Y que consideramos importantes. No caso aqui de casa, nem isso fazemos, limitamos a levar a cria para todo o lado, sem objetivo nenhum - e ele vai escolhendo para si as peças que mais aprecia, com total liberdade. Não gosta muito de teatro, por exemplo. Aguenta bem a maioria das exposições que vamos, e muitas vezes já o vimos parar diante de algumas peças. Já ouvimos perguntas e inquietações. Nunca o forçamos em direção nenhuma nem fazemos coisas com objetivos "educativos". Deixamo-lo construir-se e explorar à vontade.

Mas caramba, como eu adoraria poder escolher o cromo da cinefilia para o Gabriel. 


quarta-feira, 5 de novembro de 2014

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A descompensada

... E ontem, a caminho de Lisboa, ia a contar ao Hugo o tal capítulo do livro que me fez parar para o digerir. Fui contando a história desde o princípio e, quando chegou à parte X, caí num pranto inconsolável. "Mas entendes como é lindo? Aconteceu o que tinha de acontecer, da maneira mais linda, mais digna, mais... buááááááá!!!!"

Ele caiu na gargalhada.

Eu corei até aos ossos.

domingo, 2 de novembro de 2014

A beleza que faz parar

Acordei às sete e meia e comecei a lê-lo, sendo que às 10h30 já ia a meio, de tão gostosa e simples que a história é (e fininho, o livro). Mas eis que chega a um capítulo tão bombástico e lindo que caramba, isto merece uma pausa para respirar e deixar assentar, merece o marcador que o meu filho fez para mim, cheio de fios com contas e bonecos rechonchudos. Isto merece pensamento.

A passagem é tão linda, tão linda, tão linda, que considerem uma prova de amor eu não pôr o último parágrafo aqui, porque a tradução deve estar aí a chegar (é um pequeno-grande hype nos EUA) e vocês merecem a mesma pausa (porque sei que vão sentir o mesmo).

sábado, 1 de novembro de 2014

Um tipo de Natal

O Hugo conduz o carrinho branco comigo no banco do passageiro, exausta, exausta como em poucas vezes na minha vida. Na autoestrada, passamos por cima do cemitério, um pontilhado de luzes vermelhas a assinalar o dia de limpar as campas, tirar o mato, lavar a laje, polir a lápide. Um pontilhado de luzes vermelhas a dizer que alguém ali foi amado, alguém ali não foi esquecido. Olá, Melissa, esta luzinha aqui sou eu. Eu.

Achei tão bonito que sim, dei a volta e voltei a passar pelo mesmo sítio, pagando portagem a mais.