domingo, 28 de junho de 2015

Não.

Subíamos a Almirante Reis, cerca de 23h, noite quente. Ele estava à porta da sopa dos pobres a espreitar para o interior, que estava obviamente fechada. Perguntámos-lhe se tinha fome. Claro que tinha. Levámo-lo a uma tasca, ele escolheu o jantar do menu, pediu uma coca-cola, café. Disse-nos que tinha um neto da idade do Gabriel, e dois filhos, todos em Alverca. Pagámos e despedimo-nos. Ele fez uma festinha na cabeça do Gabriel e apertou as mãos do Hugo. Olhou-o nos olhos com uns olhos que eu nunca tinha visto, como se fôssemos o seu Euromilhões pessoal. Sentimo-nos quentinhos ao sair da tasca.

Mas não. Não. Este quentinho envergonha-me por várias razões, deixo cá as duas maiores: uma é pela nobrezazinha barata e fácil: o quentinho de caridade, de superioridade. Não olhei nunca para aquele homem como um semelhante, olhei para ele como alguém que precisava de mim. E isso incomoda-me sobremaneira. Rejeito essa instrumentalização do homem faminto em prol das minhas endorfinas.

E a segunda razão: dar-lhe comida não deve ser, não pode ter sido um ato nobre. Tem de ter a nobreza de qualquer outro reflexo, que é, imagino, nenhuma: não nos sentimos bem por não deitar lixo no chão ou por respeitar uma fila. Dar comida a um homem faminto não pode ser diferente.

Nem merecia este post, se não fosse a vergonha de ter achado, nem que por cinco minutos, o ordinário, extraordinário.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Curtíssima sobre 2010

Estive a ler uns posts antigos do blog e, caramba, como eu era vibrante e eloquente há cinco anos. E otimista e de pé no chão. Gostei muito daquela gaja: tinha muito mais contra ela do que tem hoje em dia, e, no entanto, era muitíssimo mais energética e positiva.

Quero aquilo de volta, ou, por outra, quero uma atualização daquilo, porque sou a mesmíssima pessoa: continuo a pensar aquelas coisas. Continuo a abraçar o meu lado sombrio. Continuo aos trambolhões com a maternidade e o casamento. Continuo a ser uma pessoa de pessoas e não de solidão. No entanto, a energia foi para parte incerta. Não me digam que é uma questão de maturidade, recuso-me a aceitar isso e, em sendo, devolvo-a de bom grado. Era mais feliz em 2010, com muitíssimo menos dinheiro e opções.

Aconteceu alguma coisa pelo caminho que me roubou o brilho daquele ano. Um bruxedo qualquer que não identifico. Qualquer coisa me anda a sugar a energia do bem, e, seja o que for, vai ter de parar.

Se calhar tenho de escrever à Simara a perguntar que cristal uso para isso. 

segunda-feira, 22 de junho de 2015

E agora que estou mais velha...

Eu e o meu pai temos 21 anos de diferença entre nós.
E, se sempre foi pequena, esta diferença esbate-se de ano para ano. Ultimamente, de conversa em conversa. Começam comigo e os meus desesperos urgentes e estapafúrdios, e, se antes as conversas acabavam com ele a fazer-me festinhas, agora já consigo pô-lo de frente com alguns fantasmas dele. E acho isso muito bom.

Espero pelo dia em que seja ele a chegar a mim com um desespero urgente e estapafúrdio para eu resolver.
(Mas duvido, ele é macho demais.)


quinta-feira, 18 de junho de 2015

E às vezes...

... Pergunto-me se não seríamos todos mais felizes, eu, o meu pai e o meu irmão, se tivéssemos escolhido uma via mais branda, talvez o serviço público? Fazer concursos, como boa parte dos brasileiros? Talvez nunca tivéssemos saído do Brasil. Não teríamos estas agonias ocasionais de estarmos entre projetos e eu talvez ainda não tivesse cabelos brancos. 

terça-feira, 16 de junho de 2015

Notas soltas para começar o dia

 - Sim, "A Rapariga no Comboio" é vendido como o novo Gone Girl, mas não é - eu até gostei bastante, mas não é Gillian Flynn. "Ah, mas então como mato esta orfandade de gajas maradas que a Gillian deixou", perguntam vocês. E eu respondo: assim.

- A tentar decidir se a SPOILER ALERT morte do Jon Snow está mais para Jesus ou para César. Como a novela acabou, posso entreter-me com este pensamento durante algum tempo, o que muito me apraz. (E fico aqui à espera da minha Sony a vir dizer que blablabla no livro blablabla. Adoro-a, minha book snob. Parei a meio da saga, pouco antes da morte do Rob porque "não estava a acontecer nada há cem páginas" e não me arrependo, a série é estupenda e adoro todo o culto de não-leitores à volta dela. Para mim, a melhor história de sempre).

- Prometi ao Hugo que ia tentar combater as minhas obsessões. Estou sempre com uma ou outra e adoraria ser uma pessoa mais relaxada, menos preocupada com o futuro, mais parecida  com o meu irmão. Ou pelo menos que aprendesse a usar a ansiedade para o bem e não me deixasse paralizar por ela. Perco muito tempo com pensamentos circulares, inúteis, tóxicos,  tempo que podia ser muito mais bem empregue a tentar decidir se SPOILER ALERT o Jon está mais para Jesus ou César.

- A novela acabou. Foi uma novela a todos os níveis, como devem ser todas. Não estou nostálgica, não estou triste, não estou nada. E também acho isso chato. Talvez esteja entorpecida pelo cansaço, pela preocupação com o futuro... Não sei bem. Não vou transformar o não sentir nada numa obsessão e quebrar a minha tão recente promessa.

- Anseio pelo silêncio da mina, das ruínas, da água vermelha, venenosa lá em baixo. Pelo sotaque do Alentejo. É uma pena não perguntarem aos naturalizados de onde querem ser, porque eu quereria ser do interior do Alentejo, todos os dias. Adoraria passar mais tempo lá desta vez, mas o tempo não para.

- Pé em Deus e fé na taba.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Curtíssima sobre mecanismos de defesa antigos

Desligo-me emocionalmente do que não posso ter. É que por mais que tente ligar-me, não consigo, está acima de mim: todo o desejo e apego cessam diante da distância. Não desejo viagens às Maldivas, não desejo um carrão. Só cobiço o atingível. Pode ser preguiça minha, mas até sou feliz assim, que se há de fazer? Já escrevi sobre isso aqui, sobre os muros que a perda da minha mãe fizeram aparecer.

You can only lose what you cling to. Eu achava que era desapego a mais (e é), mas hoje descobri que é um ensinamento do Buda, então escrevo aqui diante de vós Iluminada.

Mas sou uma sonhadora. Ah, se sou. Mas sonho com o que consigo fazer.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

terça-feira, 2 de junho de 2015

Curtíssima sobre... o quê, mesmo?


Sim, não me lembro de um momento na minha vida em que não estivesse a queixar-me de cansaço, mas caramba, não. Isto é cansaço, isto que sinto agora. Não me lembro de nada. Estou reduzida a um nível ridículo de funcionamento mínimo, onde me esqueço do antibiótico do meu filho, de despachar trabalho, do que valho como pessoa. O cansaço, o verdadeiro cansaço, deturpa-nos os dias e desumaniza-nos, ou antes, desumaniza-me; neste momento em que vos falo não me sinto 100% gente, sinto-me um poço de desânimo e culpa.

O resto é um vazio enorme e sonolento, de pestanas pesadas e reticências entre palavras.