terça-feira, 30 de novembro de 2010

Recuperação de rubrica antiga: É a literatura, camarada parte ???

Hemingway é o meu escritor preferido, o que não deixa de ser cliché para uma mulher Carneiro.

Não, não é o meu contista preferido, é mesmo o meu escritor preferido. Não me vou pôr com disparates e fazer aqui um elogio, sairia sempre uma coisinha medíocre, além de não dizer nada de novo - o indefectível Harold Bloom explica timtim por timtim o que eu sinto em How to Read and Why, (há em português em qualquer biblioteca e vale muito a pena). Digo só, rapidamente, que adoro a economia, adoro as frases curtas, a absoluta limpeza do texto, a dignidade e sensibilidade masculinas, o sexo, a bebida. Falei da economia? Um génio, para mim, diz mais com menos. Tira tudo que não é David da pedra. E deixa-me completar o que não está dito.

É por isso que Os Assassinos tem, para mim, a escrita perfeita.

(Ou será o crístico caso de Francis Macomber? Ou o velhote solitário que procura um café bem iluminado que ofereça uma pausa da escuridão? Ou o regresso do jovem que nunca será como antes, ou será o menino que quer ser toureiro e aquilo tudo acabou muito mal. Sinto uma empatia enorme por todos os homens de Hemingway).

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Do que não me rio

Sou incrivelmente observadora e má-língua. Sou detalhista, vejo nuances imperceptíveis ao olho comum (comum não, normal) em tudo que vejo, todo mundo tem segundas intenções, a escolha de palavras revela quase tudo que uma pessoa mais quer esconder, quando João me fala de Pedro, sei mais de João do que de Pedro. Gozo muito com quem acho pretencioso, e acho muita gente pretenciosa. Acho muita gente ridícula, muita gente medíocre, muita gente burra. Mais ainda quando essa mesma gente se considera muito in, muito up, muito on.

No entanto, fui incapaz de me rir da Sónia que andou aí pelo "iutubi" a dizer "dabodabodabo", da mesma forma que não acho nem um pouco, mas nem um pouco mesmo, engraçado o miúdo do clarinéte. Não consigo ver, por mais que descontextualize, a piada da ignorância ingénua. Só acho triste, mais triste ainda por todo mundo (muitos do parágrafo anterior) se rir daquilo, quando "aquilo" é o que a pessoa é, de verdade, sem fingimentos.

Não achei piada ao Paulo Ruas à procura duma namorada pelo facebook. Só achei que o homem estava a ser extremamente pró-activo. Bem como todos os anúncios do correio sentimental da Maria. Não consigo rir-me daquilo, é gente a batalhar pelo que quer.

Das pessoas, não me rio do que é sincero e honesto, por mais caricato que possa parecer. Só acho piada aos maneirismos, convencimentos, à auto-estima em excesso.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Cidade 2000



A Cidade 2000 é um bairro de Fortaleza construído mais ou menos no ano em que eu nasci e que foi inicialmente formado por 2000 casinhas pequeninas para a classe média-baixa. Vivi lá em bebé, mas não me lembro, obviamente. De qualquer forma, permanece sendo o meu bairro preferido da minha cidade. E porquê? Por vários motivos, mas vou escrever só um.

A Cidinha mora ao lado da Conceição que mora ao lado da Helena que mora ao lado do Chico que mora ao lado da Tetê. A Cidinha pôs uma placa na porta de casa a dizer "cabeleireiro", a Conceição pôs uma faixa de pano a dizer "faço salgados para fora", a Helena pôs "lava-se roupa", o Chico "conserta ventiladores" e a Tetê "vende dindim" (= sumo de fruta congelado).

É um bairro de gente pobre num país mesmo muito pobre. Agora estão os caros leitores a rir-se, coitadinhos, vão tirar as placas e faixas no segundo mês, porque não têm eles dinheiro para esses serviços e a classe média não vem aqui procurá-los. Vão morrer de fome.

Não vão, não. Sabem porquê?

Porque a Conceição corta o cabelo com a Cidinha, que manda os ventiladores para o arranjo no Chico, que adora um dindim quando está calor - e está sempre -, manda sempre a roupa para lavar na Helena, que é doida por empada de palmito.

Na Cidade 2000, os vizinhos são clientes uns dos outros. E assim vão levando a vidinha, de cabeça erguida.

E é por isso que eu, economico-analfabeta, vejo perfeitamente que não é a falta de consumo que salva economias.


E fiquei contente em escolher uma casa com uma placa a dizer "gráfica" para fazer os missais da missa de sétimo dia da mamãe.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Porque somos doidos por...The Beatles

Foi a Melissa que me ensinou a gostar dos Beatles. É claro que, como toda a gente, já conhecia algumas músicas deles, mas apenas aquelas embebidas de yeah yeah e yos yos dos primeiros discos que, apesar de até serem fixes, não são assim nada de especial quando comparadas com o que eles fizeram a partir do Rubber Soul. Portanto, até aos 30 anos sempre tive uma ideia muito errada da banda e bastantes vezes me interroguei porque raio as pessoas gostavam tanto deles. Acho que o nome que o disco A Hard’s Day Night teve no Brasil simplifica realmente aquilo que eles eram: Os reis do iê iê iê. Mas nada disto é capaz de destruir um dos meus guilty pleasures preferidos: cantarolar A Hard Day´s Night enquanto faço os 15 minutos de caminhada que separam a estação de comboios da minha casa. Por ironia do destino, no exacto momento em que estou a escrever estas palavras, há uma greve geral que percorre as ruas de Lisboa e o Metro está fechado por isso vou ter de ir a pé dos Anjos ao Cais do Sodré. Imaginem a quantidade de vezes que vou ter de cantarolar aquilo!
Os Beatles foram a banda sonora da minha extraordinária entrada na vida adulta depois de eu e a Melissa termos aninhado confortavelmente as cabeças um no outro. Isto aconteceu aos 30 anos e, de facto, se for a pensar bem, 30 anos é um bocado tarde para isso, mas foi assim que aconteceu e não há nada que se possa fazer, muito embora, por outro lado e em minha defesa, posso sempre argumentar que estas circunstâncias permitiram que a minha juventude fosse um bocado mais longa, mas os reais proveitos dessa circunstância de vida não foram, como seria de prever, aproveitados condignamente com tudo aquilo que um solteirão jovem e, vá, engraçadote, deveria ter direito.

A Melissa sempre gostou de apregoar que foram os Beatles que a ensinaram inglês. Que em pequena, tal como a Mafalda do Quino, gostava muito das músicas deles e não descansou enquanto não percebeu o seu significado. Vai daí, pegou num dicionário e estrofe por estrofe, acorde por acorde vislumbrou a poesia. Isso demonstra bem a mulher que é. Na verdade, se alguém nos diz isso, sabemos que podemos casar com ela, ou não?

O primeiro disco que me ofereceu foi o Rubber Soul e disse-me que a partir dali podia ouvir o que quisesse deles. Fiquei tão impressionado com aquilo que ouvi-o continuamente durante meses até resolver comprar outra coisa. O acto de receber um disco teve para mim um efeito extraordinário, isto porque em tempos fazia imensas colectâneas das minhas músicas preferidas para oferecer às miúdas que me despertavam algum interesse. As minhas colectâneas, e fazia muitas porque tinha também muitos interesses, apesar de serem magníficas, isto qualquer crítico musical o pode facilmente comprovar, nunca fizeram grande furor e nunca atingiam o alvo tal como eu esperava. Portanto, para variar as vicissitudes amargas do passado, foi bastante agradável ser, desta vez, eu o alvo.

Nos primeiros tempos de namoro tínhamos um velhinho Fiesta de 88 a quem chamávamos muito carinhosamente de El Che porque a matrícula iniciava-se precisamente por XE. Apesar de prometermos muito, nunca chegámos a pôr um auto-rádio naquilo. O carro tinha um aspecto tão fungoso que gastar qualquer tostão nele causava-nos algum desconforto e, para ser sincero, tínhamos realmente muita coisa onde esbanjar o nosso dinheiro. Os princípios de namoro são óptimo por causa disso, perdemos a cabeça e fazemos tudo sem pensar muito nas consequências e isso até tem sentido porque nos sentimos mais ricos do que normalmente nos sentimos e há algo de profundamente sincero e maravilhoso quando conseguimos alguma riqueza não material nas nossas vidas. Independente do bom-senso, a dura realidade foi que os números da folha do saldo que a nossa vida imprimia nunca foram suficientes para comprar outro automóvel, de maneira que ainda passámos uns bons anos com o Fiesta. Com o disco rígido do cérebro da Melissa, que tem tanto espaço para o amor que sente por mim como para as canções dos Beatles, as nossas viagens eram percorridas com a sua voz a cantá-las uma por uma. Deitava-as cá para fora segundo o seu estado de espírito. Lançava farpas ao meu comportamento quando me portava mal em Norwegian Wood ou então arremessava o contentamento com o Here cames de Sun quando o sol nos fazia fechar os olhos e éramos obrigados a baixar a pala. É daquelas coisas que se vêem nas comédias românticas e que sabe bem conseguir senti-las fora do celulóide. Até porque como se sabe, as líricas do John Lennon e do Paul McCartney têm vários love you e dá um bom conforto a consciência que aquilo também pode ser cantado para nós. Até me dava vontade de gritar e puxar os cabelos como as parvalhonas das miúdas da altura.

Mas os Beatles marcaram também o meu afastamento da música mais negra, vocês sabem, daquelas canções em que tudo está a desabar e é difícil suportar a angústia duma paixão que se afasta do nosso controle. Enfim, sentimentos que estão sempre a acontecer enquanto não ancoramos num porto seguro. Mas com a Melissa isso não faz sentido pois não? Na verdade casámos, temos um filho e escolhemos sempre músicas dos Beatles quando do infantário nos pedem uma canção para pôr no PowerPoint que nos enviam de vez em quando com fotos do Gabriel. O Gabriel a comer, o Gabriel a dormir ou o Gabriel no penico. Ficamos sempre muito orgulhosos a ver as apresentações com o Got to get you into my life em fundo até que a Melissa cheia de orgulho maternal me diz:

- Não achas incrível termos conseguido fazer uma coisinha tão maravilhosa?

Curtíssima altamente enigmática



Acho que o meu primeiro momento verdadeiramente "de adulta" ainda está por vir. E cheira-me que está para breve.
E vai exigir uma goela suficientemente larga para deixar passar um cururu adulto.
E o mais provável é que a degustação batráquia seja absolutamente em vão, mas acho que vai ter mesmo de ser, porque, aí está, ser adulta tem destas coisas.

De qualquer forma, mesmo sendo diabolicamente vaga, peço reza a quem é de reza e torcida a quem é de torcida.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Nova rubrica: Porque somos doidos por... episódio 1- Glee



- Tem canções fixes com arranjos que são daqueles guilty pleasures calóricos, mas o guilty pleasure fica-se por aí, pelos arranjos e coreografias: a série não é sobre canções, a série usa as canções matematicamente para compor os diálogos, e cada verso e cada arranjo têm significado e colocação precisas.

- Assim como Popular, do mesmo gajo, vista cá por 10 pessoas na Sic Radical em 2002*, Glee começa com uma mão-cheia de clichés: as cheerleaders que têm um clube de castidade, o gay, a gorda, o jock, o deficiente físico. Leva os clichés aos píncaros durante uns poucos episódios - a cheerleader engravida, o gay tem dificuldades em sair do armário, etc - para depois começar a derrubar cada uma das nossas expectativas. Lá pelo meio da série, os lugares-comuns são baralhados - a cheerleader é boa pessoa, o gay e a gorda são sexy e cheios de segurança, o jock realiza-se mesmo é a cantar hard rock FM dos anos 80 - e os clichés que permanecem são cheios de leitura, não são caricaturas.

- Assim como Popular, Glee quer derrubar cada um dos nossos preconceitos. Quando achamos que já não nos surpreendemos, somos desafiados. Surge uma treinadora de futebol no balneário, um puto lindo de morrer mas que é profundamente inseguro da sua aparência, miúdas que curtem uma com a outra sem serem lésbicas, um deficiente que entra na equipa de futebol - tudo fundamentado de maneira profunda, bem escrita, com muita ternura e humor.

- Assim como Popular tinha a genial Bobby Glass, Glee tem a Sue, e se a série fosse uma merda mas estivesse lá a Sue, já valeria a pena. Um papel delicioso escrito para uma grande comediante! (Mas a minha personagem preferida neste momento é a Brittany - a melhor loura de sempre, e acho que é a do Hugo também. E não deve ser nenhum acaso, a produção está a dar-lhe mais espaço. Viram o episódio da Britney Spears?)

- Finalmente o Ryan Murphy tem o sucesso com uma série de adolescentes que já merecia com Popular. Quem for gleek como nós e ainda não o tiver feito - difícil - procure ver Popular.



*embora hoje em dia toda a gente diz que viu aquilo na altura em que deu e que sim, que uau, que génio, não é verdade. Traduzi boa parte da série e ninguém, fora eu e o Paulo, achava que aquilo era muito mais do que uma série de adolescentes.

domingo, 14 de novembro de 2010

Rapidíssima às amigas que serão mães

Conselho nº 1 - peçam ajuda e conselhos sem medo nem vergonha, sempre e a qualquer hora. As mães gostam de se ajudar, de uma forma geral. Troquem experiências, não se isolem, dividam
tudo que quiserem dividir, alegrias e angústias. Ter um filho é uma aventura e uma festa e os vossos amigos e amigas vão querer participar. Bem, eu sei que EU quero.

Conselho nº 2 - só sigam os conselhos que vos parecerem bem. Nisto dos filhos, a) todas nós estamos a fazer o nosso melhor e b) cada qual à sua maneira. Mais cedo do que tarde, também vocês terão o vosso jeitinho, as vossas teorias. Expressão-chave na maternidade: zona de conforto. Ninguém pode obrigar-vos a sair da vossa.

Conselho nº 3 - Não se esquecer dos dois conselhos anteriores. E de experimentar o secador de cabelo nas crises de berreiro.

Estou muito feliz por vocês, minhas bucholas! :)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Primeiro post do ano sobre o Natal

Sim, as pessoas entram numa fúria selvagem e cocainómana nos corredores dos brinquedos a 50%, sim, as crianças vêem 20 minutos de publicidade intercalados com cinco minutos de bonecos e também elas são engolidas pelo frenesim cocainómano, sim, o Natal é um "sugar rush" que dura mais de um mês e deixa meio mundo à beira de uma síncope nervosa.

Mas também, no Natal, as pessoas sentem-se mais generosas e caridosas, e falam com familiares que odeiam, e lá fazem o frete de sorrir àquele tio tão amargo, e aderem a campanhas de solidariedade, e fazem cabazes para velhinhos, e o que me importa a loucura cocainómana e hipócrita quando, no fim, pessoas com várias carências são beneficiadas, nem que seja uma vez por ano?

Com todos os seus problemas, más interpretações e maus usos, e merdas várias, continuo a gostar do Natal e a achar a sua existência mais que válida.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Microblogging

- Se a Internet só me tivesse dado algumas das pessoas que me deu já teria valido a pena o tempo que cá passo.

- Mas sim, deu-me muito mais: a totalidade do meu trabalho dos últimos três anos começou por networking virtual. Quase tudo muito bom. Fora as coisas que se aprendem.

- Também adoro os ódios de estimação virtuais.

- Adoro simplicidade, odeio simplismo. Mas é que odeio mesmo. Simplismo é burrice e cegueira ao mesmo tempo. "Ah, o problema é X? Duh, faz Y". Tá bem.

- Continuo com coisas a mais dentro de mim para o meu tamanho, e não sou pequena. Sou baixa, mas não sou pequena.

- Cada vez mais gosto de cuidar da casa. Não é nada visível para quem cá vem, porque ainda é um chiqueirinho de brinquedos e merda debaixo dos sofás, mas gosto cada vez mais, o que é melhor do que gostar cada vez menos.

- A Tatas disse-me que o senhor do Adeus do Saldanha morreu, e fiquei mesmo triste. Espero que apareça outro para continuar aquele trabalho que, por acaso, até acho bastante útil.

- Cozinho cada vez melhor, diz o Hugo.

- Tenho-me lembrado de coisas horríveis da minha infância, de quando a minha mãe trabalhava numa creche pública e estavam sempre a morrer bebés de fome, de pneumonia, disto ou daquilo. Tá bem, Portugal não está nada de jeito neste momento, mas falta muito para ser um país de terceiro mundo. Vocês não sabem o que é um país de terceiro mundo.

- Qualquer dia conto a mini-história de um desses bebés, já que é muito, mesmo muito provável que ninguém se lembre dele além de mim (e da mãe, se ainda for viva), e quando mais ninguém se lembra de uma pessoa, ela deixa de existir.

- Também me tenho lembrado de coisas maravilhosas que não podem deixar de existir, por isso, tenho de retomar o meu blog de infância.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Prioridades

- Gabriel.
- Cão.
- Ga-bri-el.
- Cão.
- Bi-el.
-Cão.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Amá-lo

Ok, cá estamos.

Podes virar-te. Respira fundo e vira-te. Não está mais ninguém aqui dentro, só tu. E isso é o pior, porque ninguém consegue ter a tua criatividade para arranjar novas maneiras de ser mazinha para ti própria. E agora vira-te, por favor. Mais vale olhar de frente do que ir tendo pequenos vislumbres inevitáveis durante o processo, isso dói ainda mais.

Coragem, vira-te.

Pronto, essa aí és tu, esse é o corpo que ficou depois da gravidez. Aquelas são as estrias, já esbranquiçadas, que ganhaste na 36ª semana. Muito volume, muita falta de jeito, muito desencaixe. Seios, braços, celulite, pele seca, alguns sinais. Pelinhos, poucos. Um umbigo.

Tudo isso és tu. Tudo isso aí do outro lado tem história. Esteve tudo presente desde o primeiro momento, desde que mal passavas dum desejo de uma noiva pós-adolescente. E isso tudo foi crescendo afogado em amor de muita gente, que a família é grande e os amigos abundam. E levou-te por tanta parte, foi veículo para sentir tanta coisa boa, tanta coisa má.

Esteve tão presente quanto a tua mente, que gostas tanto e é capaz de coisas incríveis. Mas sabes que mais? Isso tudo, aí do outro lado, também é.

É sempre uma tortura comprar roupa. Deixas ter tudo velho, a cair de podre, para criares coragem e fazeres-te à luta. Mas a tortura, tu sabes, não é a roupa em si, e sim, este momento em frente ao espelho com as luzes fluorescentes da cabine acesas em cima de ti, despida, sem nenhuma piedade. E, se nada mais puderes fazer, se nada mais puderes pensar, vamos pelo menos, juntas, deixar de ter medo da verdade do espelho, em primeiro lugar.

E amá-lo, em segundo. Amá-lo assim como ele está, e não o que pode ser daqui a cinco meses, porque, ai meu Deus, a partir de amanhã não passarei das 500 calorias diárias para sempre. Vamos encarar a verdade de frente e amá-lo por tudo que ele permite: ver o vermelho, sentir frio e calor, cantar alto, ter orgasmos, chorar até fazer enxaqueca, cheirar o pescoço do teu filho.

Agora vamos lá, juntas, comprar roupa, que bem precisas. De cabeça erguida, agora.

domingo, 7 de novembro de 2010

A Castanha

Passeia com ela no ar, zuuuum zuuuum, ião, ião! (avião), zuuum... Para no segundo seguinte dar-lhe um grande pontapé: BÓIA! BÓIA! E leva-a ao ouvido, atarefadíssimo, e atende uma chamada: Tô? Tô? E desliga.

Não admiro tanto a criatividade do meu bebé como a invejo.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O fervor que me falta

Ao contrário da ponderada amiga Cê, sou e sempre fui de extremos. As minhas ideias estão quase sempre nos pólos e é raro alguma coisa me ser indiferente (mas há algumas). Ao contrário de muitas características minhas que mandava sem olhar para trás pela sanita abaixo, o ser-se intensa faz de mim o que sou, e as melhores partes de mim o são por causa disso mesmo. De qualquer maneira, nunca disse e pouco pensei, na vida, que a opinião do outro é cocó*, e é isso o que interessa.

Interessa porque justifica o fervor que me falta: não tenho, nem nunca vou ter preconceito político. O estar-se errado à partida só por se ser de direita ou esquerda, e todos dum lado são uns cabrões e todos do outro são salvadores da pátria. Não consigo, apesar dos rubores vermelhos cá de casa, achar que não haja ideias boas e más em todos os lados. E especialmente que aqueles gajos lá a mandar sejam princípios bons ou maus antes de serem gente, o que me leva a pedir a chuva de pedras que se abaterá sobre esta singela extremista que vos fala: ontem, ao ver a entrevista com o Sócrates na TVI, não sibilava como os repórteres e os rodapés que o atacavam sem piedade. Só via um homem metido numa enorme alhada, mesmo que tenha sido criada por ele próprio. Pensei o quão lixado seria se tudo que estivesse ali a dizer fosse de absoluta boa fé, o quão kafkiano. E sim, tive pena do homem. Caraças, e se fosse o meu pai?

(Não, não voto PS, como disse, sou uma mulher de extremos. E não gosto mais do Sócrates do que de qualquer outro político, porque estou meio como uma lôra política, não sei bem quem fez o quê. É só de princípios que falo, e não da actualidade ou de quem fez o quê de certo ou errado, ou quem mentiu ou deixou de mentir. Interessa-me, é claro, mas não encontro uma resposta que me satisfaça em lado nenhum, nem na direita, nem na esquerda).


* têm é de estar de acordo com isto, obviamente.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Vassalagem ao tempo

Porque às vezes, como já disse, não resta nada além de ficar parada a torcer por nós mesmos, sem perder a fé, e reconhecer que não dá para acelerar os dias, o ritmo das coisas, algo muito acima de nós e da nossa compreensão, e ainda mais da nossa intervenção.

Controlar a ansiedade. Viver o presente. Ver as cores de hoje. Sentir as sensações de hoje, humildemente, sem perguntar o que vem a seguir, porque o Tempo, senhor de nariz empinado, não diz.

Não hiperventilar.