quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Rayo de Luna

"Menina, tu devia ter dado mais trabalho", disse o meu pai para uma estupefacta Melissa de uns 26, 27 anos, comparando-a ao muitíssimo trabalhoso irmão adolescente. Não era o Fernando que devia dar menos trabalho, era eu que tinha dado pouco, e dei mesmo - a adolescência passou por mim sem álcool nem drogas nem más notas nem indisciplina.

Só amores. 

Muitos, muitos, medonhos, dolorosos, desmedidos. Precoces.  Tenho quase a certeza de já ter escrito uma versão disto há uns anos, mas caramba, sou só uma, quantas coisas pode uma só pessoa viver? Vamos lá outra vez. O Samir no jardim de infância, aquela ansiedade toda de chegar mais cedo, de lhe dar as Pringles que mamãe trazia de Manaus. Olhar meninos na praia quando ainda andávamos todos nus. Dona Melânia toda a vida chamou-me "miolo mole", e tinha razão.

Tantos meninos.

O Stefan do sétimo andar. A mãe dele adorava-me, comprava-me prendas no Dia dos Namorados para o filho me dar lá em 1986. Em 1995, o Fernando, que morava no mesmo apartamento que o Stefan entretanto tinha vagado e com quem acabei tudo quando soube que tínhamos vindo ao mundo pela mão do mesmo obstetra, demasiado esquisito.

1987, colónia de férias do banco, Napoleão e as dores que me causou. Só pensava nele e ele, na Bárbara. No último dia sussurrou-me ao ouvido: *você é linda*, fazendo com que eu me atirasse para a piscina, esvaziasse os pulmões até chegar ao chão, tapasse os ouvidos e gritasse o nome dele ali para a água ouvir. 

O Renato, paixão perene da terceira classe ao sexto ano, ia e vinha em episódios mas sempre ali com a coisa em modo crónico. 

Rayo de Luna é Menudo na formação de 84, acho, Ricky Martin com 12 anos de idade a cantar o que eu queria ouvir de meninos.

Todas las mañanas mi niña
Guarda mis besos bajo la almohada

A primeira vez que reparei na letra deste diamantezinho romântico já foi em adulta e caramba, como voltei atrás, não em memórias de momentos mas desses calores: ainda não chamávamos paixões de emoções e emoções de hormonas, nada era explicado e era tudo avassalador - chegava do nada, consumia até às cinzas e procurava outro poiso.

Fundes el hielo con tu mirada 

Não sei se troco estas xaropadas teen por canções de amor adulto, para quê, também, né. 

Cuando besa dice primero
-Beso tus labios porque te quiero.

Menudo tem outras letras com outros versos deliciosos, do género "llega de pronto, llega sin avisar/ como flecha de buen arquero". Escrito a metro, porém rasgado. Estávamos bem entregues nos primeiros amores, foda-se. Muito por onde partir agulhas de gira-discos junto com o coração.


 


 

 


2 comentários:

Julia disse...

O Stephen Fry conta nas memórias (que eu não li, ouvi o próprio repetir a história em dois podcasts) que desprezou o próprio eu futuro adulto quando sentiu as primeiras paixões adolescentes, porque já lera o suficiente para saber que nunca sentiria nada com tanto ardor outra vez.

Melissa disse...

Eh, pá, sim. É tão triste.
Ainda bem que eu na altura não tinha lido quase nada!