domingo, 21 de setembro de 2014

Toda crise é uma oportunidade? (ou o fim do verão)

Fora os dias maravilhosos no Alentejo, não deixou saudades. Agosto foi marcado pela correria dos exames à mama e acabou com a bênção do diagnóstico, sim, mas foi horrível. Houve coisas boas no meio da crise, claro, há sempre - toda crise é uma oportunidade, não é o que dizem? - e, mesmo obcecada e doida, gostei de sentir o carinho e a preocupação à minha volta. Pessoas que não souberam disto antes do resultado da biópsia: foi para vos proteger. Na verdade, não contei a ninguém por livre vontade, as pessoas é que iam aparecendo em momentos cruciais onde eu estava com a velha cara de cu. Vê-las preocupadas comigo foi lisonjeiro, como disse, mas também, às tantas, achei desnecessário. Claro, isto pode ser o culpossauro a falar, a Indigna de Carinho. E já divago. Sigamos.

Toda crise é uma oportunidade e também tive uns momentos assim neste agosto horroroso. Sinto-me mais calma e centrada, menos doida. Ter alucinado com a minha mãe pode ter ajudado (ora bem, eis o tipo de coisa que devia guardar para o journaling, mas que se lixe). Sinto-me melhor comigo mesma, cliché dos clichés. A minha mãe ajudou bastante, porque não apareceu como uma santa mãezinha a pegar-me ao colo, nada disso. Apareceu dura como sempre foi comigo. Mas não falou do que eu julguei que ela falar, não criticou o óbvio (e visível). Ela foi a minha mãe como eu a adorava, porque caramba, como eu a adorava. Dez anos depois e ainda me debato com problemas que ficaram por resolver, e critico-a enraivecida muitas vezes por ter deixado tantos buracos abertos. Mas adorava-a. Adorava-a, aquele sentido de humor porquito, o dom de ver as intenções das pessoas, o conhecimento de mundo. Adorava-a.  Tanto que foi com ela que eu alucinei, e não com nenhuma Nossa Senhora ou Fada Fófis. Lembrar-me disto no meio de tanto sentimento mal resolvido foi outra bênção, outro "benigno" que recebi.

Toda crise é uma oportunidade, certo? Não sei se todas,  mas esta também me deu a oportunidade de abrir caminho por um pântano de frustração e excesso de informação. Perdi e recuperei muitos quilos em pouco mais de dois anos, e vi que tinha tomado o processo por garantido. O processo não é garantido. Nenhuma relação - seja com o marido, filhos, com o próprio corpo ou própria alma - é garantida. Tudo exige esforço e amor, e uma boa dose de desconfiança quando tudo parece andar sobre carris e a tentação de olhar para o lado é grande. O meu corpo grita por atenção, e já está a tê-la. Merece tanta atenção - ou mais, porque tem sido tão negligenciado - quanto outras partes da minha vida. E não foi a minha mãe que me disse isso.

Enfim, cá vamos em frente, eu que achava que ia ter praia até outubro. Pelos vistos, São Pedro também não teve um verão por aí além e decidiu pôr-lhe cobro. Eu entendo, seu moço.
Eu entendo.




2 comentários:

gralha disse...

Mereces sempre todo o carinho. E se vier na forma de alucinação é porque é a única forma de contornar esse culpossauro. Xô, culpossauro, deixa a Melissa agarrar o Outono com tudo a que tem direito.

Want Lisbon House disse...

Nenhuma relação - seja com o marido, filhos, com o próprio corpo ou própria alma - é garantida. Tudo exige esforço e amor, e uma boa dose de desconfiança quando tudo parece andar sobre carris e a tentação de olhar para o lado é grande"

Se esforço e atencao não funcionarem, tenta com presença, respeito, carinho e perdão, por quem és e onde estás, agora, já maravilhosa, já bela, sem dever nada a ninguém, sem justificações, criticas, metas difíceis. Só sendo, aqui e agora.
Quando resvalares, e são sempre tantas as vezes que resvalamos, mais presença, mais carinho, mais perdão e siga porque a morte é certa.