terça-feira, 21 de julho de 2015

Fome

Jantámos no mercado do Bom Sucesso todas as noites, porque 1. era ao lado do hotel, 2. gostamos de mercados o que gera o 3., somos uns pirosos e bimbos. E um fim de tarde estávamos lá a bebericar mojitos quando somos abordados por uma tipa desesperada, ofegante, a pedir dois euros, por favor, dois euros é o que me falta para comer. Dei-lhe um, e ela ficou impaciente, porque precisava de dois, dois, e não um, impacientei-me e ela foi à mesa seguinte, onde um grupo alegre fazia a sua happy hour.

Enquanto lá tentava sacar dinheiro ao grupo que se ria às gargalhadas, a mulher a jurar de pés juntos que era para comida e não para a droga, eu muito indignada a dizer ao Hugo que as pessoas se apressam muito a julgar as outras, estão lá eles na pele daquela pobre diaba para saber o que custa não ter a dose de que precisa, o que é que eles têm a ver com o que ela vai fazer com o dinheiro, ou dão ou não dão, agora estarem ali a rir-se da/com a mulher, isso é que não podia ser, agora humilharem uma pessoa por causa das suas dependências, obrigando-a a mentir, será que não lhe podem deixar um pouco de dignidade?, e por aí fui em diante, com o meu filho muito perplexo a perguntar se a mulher tinha fome e eu a dizer, muito cheia de mim, que sim, filho, tinha fome mas não era de comida, tanto falei do topo da minha enorme empatia social que não reparei que a mulher já estava de volta do interior, com o seu prato de risotto muito bem decorado e uma bela duma fanta a acompanhar, sob os aplausos fortes da mesa dos happy-hourers e não só, a repetir em alto e bom som para quem quisesse ouvir, eu não disse? Eu não disse?

E eu ali, de queixo caído, enquanto ela se senta na mesa à frente da minha e sorri-me, faz-me o gesto do polegar, agradece. Eu, desconcertada, faço que sim, o que é que me resta fazer, né.

A senhora tinha fome de comida mesmo, mãe, de arrozinho.

5 comentários:

gralha disse...

Só para dizer que, do ponto de vista literário, ando a apreciar muito esta tua nova fase.
(O teu Culpossauro vai vestindo novos figurinos mas continua inconfundível: olá, Culpossauro da Melissa! Tudo bem? O meu manda um abraço)

Melissa disse...

O meu culpossauro anda a ler Kant!

Melissa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ginguba disse...

Os ares do Porto inspiraram-te!
:)

Unknown disse...

Olá Melissa, boa noite o meu nome é Ana Donoso. Tenho alguma urgência em falar consigo. O meu e-mail é anacordero13@hotmail.com