segunda-feira, 27 de março de 2017

Dos clichés que também somos, no fundo.


Vi uma palestra da Marta Gautier este fim de semana e gostei muito mais do que achava que ia gostar. Entre muitas coisas que ouvi por lá, uma mexeu comigo em especial: ela falava da sua experiência de ter sido uma criança muito calma e de estar sempre a ser incitada a mexer-se. Vai para o baloiço, filha, e lá ia ela, e fingia divertir-se quando tudo o que queria era estar parada a observar. Sorri e lembrei-me da minha dona Mel, envergonhadíssima num baile de carnaval infantil depois de ter costurado à mão uma máscara espetacular para mim apenas para me ver no chão a apanhar confetis.

 Nunca fui a filha que ela queria. Nunca. Demasiado emotiva, demasiado analítica, pouquíssimo vaidosa, esquisita, viajandona. Não era a filha duma pragmática como ela, e sim, filha de uma sonhadora. Mas era o que tínhamos, foi com isso que lidámos durante 50 anos. Sorri ali, no meio do auditório.

Até me cair o balde de água fria sobre a cabeça.

Puta que o pariu, estou a fazer a mesma merda ao meu filho. Estou a incitá-lo a quebrar limites o tempo todo, o meu menino amedrontado. A dizer a um menino que se porta bem que não devia portar-se tão bem. A exigir-lhe um ritmo que ele não tem. A empurrá-lo na direção contrária à essência dele. Tudo para que ele se encaixe numa tal "normalidade" que nem sei bem o que é. Que esteja numa média qualquer. E isso é apenas parvo.

Penso se não o farei por ter sido uma criança esquisita, que via coisas, inventava histórias e vivia muito dentro da própria cabeça. Sofri um bocado durante a primária. Mas ele parece bem. Caramba, ele está bem, não tenho de espelhar nele o que fui ou não fui. 

E pergunto-me se será esta a sina de todos os pais: tentar cumprir nos filhos o que não cumprimos no nosso tempo, assim com os nossos pais e avós não cumpriram antes de nós, e os nossos filhos continuarão com essas expectativas sobre os seus filhos, e os seus filhos nos filhos deles, desde o início dos tempos, como se fôssemos um só ser humano a nascer vezes sem conta, um ser humaninho que nunca corresponderá inteiramente ao que se espera dele, com uma forma que nunca será preenchida na sua totalidade porque ninguém lhe conhece os contornos. Como um campeonato que nunca será vencido porque ninguém lhe conhece as regras. A ver se é desta, a ver se é desta.

2 comentários:

Ginguba disse...

Ena! Como sempre, vais fundo!
Acho normal que o incites a quebrar limites, mas daqui do alto da minha sabedoria de mãe de (quase) adulta te garanto: Uma coisa que nunca conseguirás é mudar-lhe a essência, por mais que o empurres na direcção contrária! Ele está bem? Então força! Continua!

Patrícia disse...

Também já dei por mim a pensar no mesmo... Mas somos humanas caramba, e os miúdos não vêm com livros de instruções!