sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Amor de pai

… foi mais ou menos como um filme dos irmãos Cohen. Quando cheguei o Gabriel estava mesmo em baixo.
- Tem uma invaginação intestinal. Dificuldade em fazer cócó. Por isso é que o coitadinho vomitou. Saiu tudo pela boca. Qualquer coisa que o pode estar a prender. Normalmente isso resolve-se com um clister, mas pode ser necessário operar. Vamos ver. Fique com ele aqui um bocadinho porque vai ser transferido para o Santa Maria. Vou tratar de tudo, mas temos de fazer uns exames e só podem ser feitos lá porque não temos a tecnologia necessária. Não se preocupe que vai tudo correr bem.
Enquanto o médico tratava das coisas, telefonemas para a frente e para a trás como as cenas mais dramáticas duma série de médicos, fiquei com o Gabriel ao meu colo. Encolhido como uma gamba, começou a fazer força, a querer deitar para fora a porcaria que tinha presa nos intestinos. Apoiei como pude o esforço e desejei que fosse bem sucedido na sua tentativa.
- Força filho!
Ao princípio, se calhar levado pela certeza de ter de ir fazer exames no inferno dum hospital público ou pela dor que o meu filho estava a ter nem senti. Mas quando os meus pensamentos ficaram mais leves havia um calor que se alastrava. Primeiro na mão depois no peito, barriga e pernas.
Era merda! Castanha, claro, muita e derretida com um cheiro insuportável que me tinha tingido blusão, camisolão, camisola interior e calças. Toda a roupa que trazia no corpo. Se o Stan Lee me visse teria a ideia de criar o Homem Merda.
O Gabriel de pois do alívio começava a ganhar, felizmente, alguma cor. Toda a roupa que trazia vestida foi inutilizada. O body , os collants, as calças. Arrastei-me com a cria para a casa de banho numa uniformidade arrepiante e mal cheirosa onde manchas repulsivas nos tingiam a roupa e pele. Para que o constrangimento ficasse na memória de todos, quis o arquitecto do Hospital Lusíadas, que as únicas casas de banho disponíveis para o público ficassem, precisamente, no meio da sala de espera das urgências. O nosso surgimento na sala, cheia de crianças e acompanhantes, foi escoltado com um silêncio espontâneo e embaraçoso. O único som que se podia ouvir era o genérico da Manon que se evaporava como uma marcha fúnebre da televisão sintonizada, obviamente, no Canal Panda.
- Manon, tarararara, Manon…
Não tínhamos roupa a não ser a que estava literalmente colada ao pêlo. Uma das enfermeiras ofereceu-me um body cor-de-rosa para pôr no miúdo.
- Só temos isto! - e encolheu os ombros.
Lavei e esfreguei os meus pertences o melhor que pude. Disfarcei a tonalidade do borrão mas não o cheiro e sempre que entrava em qualquer sítio, enfim compreende-se, julgo eu, aonde quero chegar.
No Santa Maria, depois de evitarmos, com a pressa, atropelar 257 ciganos que estavam à porta a fumar, fomos atendidos com uma simpatia brutal e, depois dos exames feitos, podemos finalmente respirar de alívio. Estava tudo normal. Mas o aviso foi dado:
- Este tipo de coisas acontecem e são normais. Fique só atento que pode acontecer outra vez!
E lá fomos os três, em união familiar de volta para o lar. Com o carro cheio de coca-colas, pãezinhos de leite e bolachas que tínhamos comprado, antes da urgência, para compor a mesa na comemoração do primeiro aniversário dele no Sábado.
- Pá, abre aí o porta-luvas! Acho que está aí um ambientador. Colocá-o aí no retrovisor o mais rápido que puderes!

14 comentários:

Melissa disse...

Que maravilha, marido. Sinto-me purgada do dia, agora.

Unknown disse...

Bendita merda!:)

Marta disse...

Olá Mel, Hugo e Gabriel:) Sigo o vosso cantinho desde o início e já por várias vezes estive para comentar os vossos posts(tenho um Carlos de 16 meses), mas nunca arranjei coragem para o fazer. Hoje não resisti depois de ler este "post acastanhado". Vocês são sem dúvida uma família deliciosa, e não há dia que passe que não venha à procura de um bocadinho mais de vocês. Obrigado por partilharem a vossa vida, os vossos problemas, os medos, as alegrias, as tristezas... a vossa alma. Se um dia o Carlos tiver um mano...será Gabriel;)

Anónimo disse...

Olá,

espero mesmo que isso não se repita, pelas vossas roupitas, pelas pessoas que esperam nas salas dos hospitais e especialmente pela saúde do Gabriel :)

Dizem que muita abóbora ajuda a manter o intestino a funcionar bem.

beijinhos

Pekala disse...

Opá graças a Deus que se cagou todo!GRAÇAS GRAÇAS GRAÇAS!
(que susto pá...)

Ana. disse...

Até o body cor de rosa ficava bem num filme dos irmãos Cohen!

Só o nome dessa bosta já assusta, tadinho do Gabriel.
Kiwis, muitos kiwis, its what makes go!!

Beijinhos para a Mel e bons banhos para o pequeno e para o pai!!

;)

Miguel disse...

Que situação de... merda!! Mas fico feliz que o miúdo tenha ficado bem!

Mafalda disse...

merda é sinal de dinheiro e hoje é dia de euromilhões! depois do susto, a sorte! :D
(ou uma tentativa parvinha e sem graça de te animar!)
beijo grande*

Ana C. disse...

Ainda bem que tudo saiu pelo sítio certo, chiça que sufoco!!!! As melhoras para os três.

Ginguba disse...

Ainda bem que já está tudo bem!
Que susto, fogo!
Até tou meia pateta, nem sei que dizer...
Beijinhos para os três.

Precis Almana disse...

Ai pá, agora percebo a aflição que a Mel dizia, coitaditos pá.
As melhoras para todos, descansem bem, o susto passou...

Precis Almana disse...

E parabéns ao Gabriel!!! ... nesta data querida. Muitas felicidades, muitos anos de vida!!!

Bailarina disse...

Q merda! fosgasse lá para os putos!

sofia disse...

Só posso dizer que ainda bem que conseguiu
E acredito que para vocês as roupas, o cheiro e tudo tenha valido bem a pena porque o importante foi ele ter ficado bem e aliviado
Beijinhos e que não se repita