Antes de mais, e para tirar isto do caminho, a Vó Gnoma não se chamava, obviamente, Vó Gnoma, mas eu chamava-a assim de mim para mim, porque ela não devia passar de 1,30 m, andava a passos muito curtos e rápidos e era velhíssima. E porque corre até hoje pelo bairro que ela fazia bruxarias de verdade, daquelas que funcionavam mesmo, o que me deixou completamente apaixonada, porque, pela primeira vez, ali estava diante de mim uma velhota que parecia bruxa e era, de facto, bruxa.
A Vó Gnoma um dia sentou-se numa pedra no quintal e contou-nos toda a sua história, com pretéritos perfeitos e mais-que-perfeitos, com um requinte de pormenor que deixaria as nossas jovens memórias coradas de vergonha, desde que tinha vindo de uma aldeia ao pé de São Pedro do Sul, menina ainda, para limpar casas em Lisboa, e trabalhou toda a vida no duro, indo da Madragoa comprar peixe a Setúbal de madrugada para vir vender de volta a Madragoa ainda pela manhã. E "fazia casamentos". A princípio, achei que "fazer casamentos" era o código para alguma macumbinha básica de amarração, mas não: fazer casamentos era mesmo preparar banquetes em restaurantes. Não havia uma única festinha que levássemos a Vó Gnoma que ela não falasse mal de toda a comida e dos preparos, porque ela sim, é que sabia fazer casamentos.
A Vó Gnoma teve dois maridos. Não maridos oficiais, penso. Mas teve dois companheiros e um filho de cada. Estamos a falar de Portugal da década de 40, não mais do que isso.
A Vó Gnoma morava numa barraquinha. Não, não era numa casa simples, era mesmo uma barraquinha. Minúscula e esburacada. Um dia, perguntei-lhe se queria que eu trouxesse o aquecedor, ao que respondeu: "a minha casa é muito quente, muito quentinha, especialmente o meu quarto!", como se de um T3 falasse, com um orgulho enorme que deitou por terra ali mesmo todas as minhas queixas e insatisfações com a minha vida, redefinindo todo o conceito do que é ser rico para mim.
A Vó Gnoma fez 95 anos no dia em que casámos, e teve um bolo só para ela, com parabéns só para ela e a atenção de 70 pessoas só para ela, com palmas, muitas, muitas palmas de pé, só para ela.
2 comentários:
Que giro, pá!
:)
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