terça-feira, 27 de julho de 2010

Bad Karma, Good Karma

Dizem os budistas - e sucedâneos de budistas - que, quando morremos, temos sempre algo a dizer sobre a nossa próxima encarnação, de modo a favorecer-nos o karma: pelo que entendi, o objectivo é ter o mínimo de encarnações possíveis e ficar a beber caipirões no Nirvana para sempre, e isso consegue-se com a aprendizagem da alma - que, em bom português, é mais ou menos sinónimo de sofrimento.

Vai daí que parece sempre ser uma boa opção pedir para encarnar leproso, feio, desgraçado. Esses leprosos, feios e desgraçados podem ser assim por escolha própria no limbo, segundo os budistas (ou algo do género). É, por assim dizer, um investimento cármico.

Sei que escrito assim parece ironia, mas na verdade gosto muito desse modo de pensar: acho que dá um consolo enorme pensar que tudo tem uma causa maior (e, melhor ainda, a culpa das nossas cagadas e infortúnios NÃO SER INTEIRAMENTE NOSSA).

Dito isso, e enquanto tenho ali a roupa a acabar de lavar, um estendal cheio por recolher, o chão enchiqueirado a precisar de lixívia e o bebé a tentar bebê-la, quero aqui declarar, pública e formalmente, que CAGUEI no karma e faço QUESTÃO de encarnar como um DONDOCÃO INÚTIL da próxima, nem que demore mais algumas eras galácticas a chegar ao chatíssimo Nirvana.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

A Vó Gnoma

Antes de mais, e para tirar isto do caminho, a Vó Gnoma não se chamava, obviamente, Vó Gnoma, mas eu chamava-a assim de mim para mim, porque ela não devia passar de 1,30 m, andava a passos muito curtos e rápidos e era velhíssima. E porque corre até hoje pelo bairro que ela fazia bruxarias de verdade, daquelas que funcionavam mesmo, o que me deixou completamente apaixonada, porque, pela primeira vez, ali estava diante de mim uma velhota que parecia bruxa e era, de facto, bruxa.

A Vó Gnoma um dia sentou-se numa pedra no quintal e contou-nos toda a sua história, com pretéritos perfeitos e mais-que-perfeitos, com um requinte de pormenor que deixaria as nossas jovens memórias coradas de vergonha, desde que tinha vindo de uma aldeia ao pé de São Pedro do Sul, menina ainda, para limpar casas em Lisboa, e trabalhou toda a vida no duro, indo da Madragoa comprar peixe a Setúbal de madrugada para vir vender de volta a Madragoa ainda pela manhã. E "fazia casamentos". A princípio, achei que "fazer casamentos" era o código para alguma macumbinha básica de amarração, mas não: fazer casamentos era mesmo preparar banquetes em restaurantes. Não havia uma única festinha que levássemos a Vó Gnoma que ela não falasse mal de toda a comida e dos preparos, porque ela sim, é que sabia fazer casamentos.

A Vó Gnoma teve dois maridos. Não maridos oficiais, penso. Mas teve dois companheiros e um filho de cada. Estamos a falar de Portugal da década de 40, não mais do que isso.

A Vó Gnoma morava numa barraquinha. Não, não era numa casa simples, era mesmo uma barraquinha. Minúscula e esburacada. Um dia, perguntei-lhe se queria que eu trouxesse o aquecedor, ao que respondeu: "a minha casa é muito quente, muito quentinha, especialmente o meu quarto!", como se de um T3 falasse, com um orgulho enorme que deitou por terra ali mesmo todas as minhas queixas e insatisfações com a minha vida, redefinindo todo o conceito do que é ser rico para mim.

A Vó Gnoma fez 95 anos no dia em que casámos, e teve um bolo só para ela, com parabéns só para ela e a atenção de 70 pessoas só para ela, com palmas, muitas, muitas palmas de pé, só para ela.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Partilha, gentileza e confiança

Não preciso de mais do que isso para definir um amigo. Amigos são pessoas gentis com quem partilho o meu dia-a-dia de uma forma ou de outra e em quem confio. Não preciso de mais poesia, partilha e confiança para mim já é sólido o suficiente.

Ao contrário da maioria das pessoas que vou lendo pelos blogs afora, eu:

- Tenho uma sorte bestial com os amigos que tenho (vou passar a usar amigas, porque a verdade é que não tenho muitos amigos homens). São umas tipas valentes e generosas, preocupadas e leais.

- Não tenho mágoas passadas nenhumas e é-me fácil confiar nas pessoas. Conto pelos dedos da mão do Lula (menos, até) as pessoas com quem rasgo a alma sem estribeiras, mas não por medo de ser traída ou algo assim, e simplesmente por não gostar de ouvir palpites quando não os peço e isso acontece com mais facilidade depois de momentos de fragilidade (conheço poucas pessoas que sabem enterrar um assunto, eu, pelo menos, ainda estou a praticar). As minhas amigas nunca trairiam a minha confiança, nenhuma das muitas, nunca (fui traída duas vezes por amigas: uma grande, grande amiga dormiu com o homem por quem eu estava apaixonada e outra espalhou coisas terríveis sobre mim por toda a empresa em que trabalhávamos, fazendo-me alvo de bullying constante sem entender porquê. Não, não lhes desejo o melhor do mundo, muito pelo contrário. Desejo que sejam atropeladas diante dos meus olhos).

- Adoro não precisar de uma longa história a dois para usar o termo "amizade". Para mim, um acto de gentileza é um acto de amizade: uma pessoa que me empresta, sem me conhecer pessoalmente, um brinquedo caro da filha para o meu bebé é uma amiga. Alguém que, de longe, me estende a mão num momento difícil é, sem sombra de dúvida, minha amiga. Não preciso do convívio. Não é o convívio que faz as minhas amizades, mas sim, vide título do post.

- Não catalogo as minhas amizades por antiguidade.

- Entendo, aceito e abraço os ciclos. Há alturas em que os melhores amigos andam afastados por estarem em momentos diferentes. Os ritmos de vida mudam. Torço sempre, quando estou separada por um motivo ou por outro de algum amigo, que os nossos caminhos voltem a cruzar-se mais à frente, mas não forço nada. Faz parte.

- Ao escrever este post, pensei que tenho todos os tipos de amigos e amigas, mas que me faltava um: aquele amigo cromo que me acompanhasse nas minhas manias instantâneas que raramente duram mais de um mês. Foi quando me lembrei do meu melhor amigo de verdade, o Hugo. Além de partilhar o dia-a-dia, ser de uma gentileza rara (uma característica de todos os meus amigos homens, por acaso) e saber exactamente quando pode dar bitaites e quando leva com o telecomando na tola, é um excelente companheiro de cromices, e tá para tudo, desde que seja de dia e comece a horas.

Fogo, que sorte. Tenho mesmo muita sorte com todos.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Curtinha sobre a empregada da Carolina Patrocínio

O meu filho não só me obriga a descaroçar cerejas como me cospe as peles depois de as comer.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Avassalada

Lembram-se, minhas amigas mais antigas, dos meus tempos de engonha?
Engonha, engonha, engonha.
Não fazia um cu e, ao fim do dia, vinha uma sensação de frustração tremenda por não ter despachado trabalho, por me deixar corromper tão facilmente por qualquer chamada para um café ou assunto mais interessante - ou menos interessante - no msn? Tão descontente que eu estava comigo mesma e com tudo, queria virar a mesa, queria mudar de dentro para fora, queria renascer uma pessoa que eu não era.

Aí chegou o Gabriel, pondo ordem no meu dia e obrigando-me mais do que qualquer patrão a get my act together. Passei a ir para biblioteca trabalhar, de modo a ter menos acesso a distracções. Passei a acordar mais cedo (como se possível fosse), passei a organizar listas de compras. Passei, aos trambolhões, a ser o mais organizada que conseguia ser.

E perguntam vocês agora: está a correr bem?
A resposta é: não. Continuo com muitas coisas sempre por fazer. A casa está um caos. As vacinas do Gabriel estão atrasadas. Tenho de o levar ao dermatologista. Tenho de tirar o cartão do cidadão. Tenho de o inscrever, e ao Hugo, na minha médica de família.


Isto para não falar do meu médico, do meu dermatologista, do meu cartão do cidadão, da minha vida.

Pergunto-me se me sentirei sempre assim, avassalada. Ou pela engonha, ou pelo excesso de coisas, mesmo. Tenho muitas coisas para fazer, muitas. Sou o coelho do Cais do Sodré.

PS - O tal livro "Get Your Act Together" anda a render umas boas gargalhadas. Excelente para aumentar a autoestima dos que sofrem de défice de organização. Vá lá.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Esta tocou-me

Nunca divulguei causas, mas acho tão bonito senhoras assim., de portas sempre abertas e sempre a pôr mais água no feijão para mais uma boca. Conheci algumas, e merecem tudo.
Agir localmente, pensando - ou não - globalmente. Mas agir localmente é sempre bom.

Esta pequena família adoptou a obra da tia Preta como sua causa.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O futuro começa AGORA

Porque, como a amiga Anacê, a amiga Carla e mais uma catrafada de boas amigas dizem, eu sei o que está mal. Ter este tipo de clareza é uma sorte do caraças (e não, não estou a falar de perder peso desta vez, não desta vez, não objectivamente, pelo menos) e já chega de pouco amor. É preciso mais amor.

Uma mudança para melhor de cada vez. Começa agora, com um plano, como eu gosto.

A primeira mudança: vou brincar com o meu filho concentradamente todos os dias. Ando muito, muito distraída e ele não para de crescer diante dos meus olhos.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Felizmente são cada vez menos

Mas há dias em que só quero a minha vida a dois de volta, sem passar 99% do meu tempo extra-trabalho a correr atrás de um bebé incansável, poder sonhar com um livro à beira da piscina nas férias, que luxo, santo Deus.
Arre, que nem consigo ansiar por Agosto, assim.
Xô, baixo-astral.

Update: já pedia muita ajuda, mas vou passar a pedir ainda mais. Queria ser daquela raça de mãe para quem tudo é uma alegria e natural, ai como é bom ter bebés, tantos bebés, que venham mais bebés. Não sou. Isto cansa-me à brava.
E para quem pensa que me queixo muito, sim, queixo-me mesmo muito, e ainda me vou queixar muito mais.

Conversa que tive no FB com o meu irmão agora:

Eu

a nossa vida neste momento é:

acorda 6h30, pequeno-almoço do bebé, bebé, bebé bebé até deixar o bebé na creche

dp trabalhar até à hora de ir buscar o bebé

dp bebé bebé bebé até ele dormir

dp casa até desmaiarmos

no fim de semana muda para

bebé bebé bebé bebé bebé beb
é


Update 2: e quando me sinto assim, COMO.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Bichos

Esta história da Lua Nova já me começa a chatear.
De facto até consigo compreender as motivações da menina Bella. Dum lado um vampiro do outro um lobisomem, os dois bonitos, que a protegem e amam e baixam a tampa da sanita quando vão à casa de banho, muito embora o Jacob prefira fazer no mato. Portanto, presumo, embora não perceba nada disso, que estas condições são importantes na hora de decidir com quem acasalar.
Isto até podia fazer sentido se a menina Bella fosse interessante. Mas não é. Apesar da sua beleza, a rapariga não tem nenhum interesse, não prima pelo sentido de humor e inteligência e, na minha opinião, não é mais do que um pãozinho sem sal. Por outro lado também não é rica, só dá problemas, não deixa ninguém dormir e parece-me que, pela forma como o seu coração se divide, não é muito de fiar.
Interrogo-me o que raio é que aquelas criaturas vêem nela para justificar tanto livro e tanto filme.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

The Cure - Disintegration

 minha paixão incondicional pelo Heavy Metal permaneceu firme até que um certo formigueiro altamente corrosivo se começou a desenvolver no ventre, sempre que os meus olhos encontravam alguma miúda mais gira que, invariavelmente, acabava por despertar em mim uma sensibilidade que até então permanecia escondida por baixo dos meus jeans e t-shirts pretas, algumas delas, diga-se, com desenhos espetaculares de monstros e guerreiros de espada na mão.
O poder sónico das guitarras e os solos esganiçados tinham os seus momentos francamente inspiradores, não vou dizer que não, mas a vida dum jovem tem as suas vicissitudes e, já se sabe, por muito que nos custe, a simplicidade da infância começa mais dia menos dia a escapulir-se lânguida pelos dedos e, claro, a vida torna-se num caldeirão de sofrimento desconforto e angustia. Diz-se mesmo que foi nesse caldeirão que o João Ratão deu o seu escaldante último suspiro.
Apesar de não duvidar da experiência de vida de gente talentosa como James Hetfield dos Metallica ou Bruce Dickinson dos Iron Maiden, a realidade era que não havia nada nas suas letras que evidenciasse aquilo que eu a partir de certo momento comecei a sentir e a que o Pepe le Pew, chamava muito convincentemente de Le amour.
Portanto aos 17 anos muita coisa em mim começava alterar-se. Eram mutações físicas e mentais com as quais tinha alguma dificuldade em conviver. A minha cabeça era uma montanha russa de dúvidas, frustrações e ansiedades. Tudo era bem mais simples e divertido quando a minha única preocupação era chegar a casa, pôr os Iron Maiden na aparelhagem e ficar a tarde toda a praticar Air Guitar ou simplesmente abanar a carola para cima e para baixo. Isso sim era fixe. A coisa começou mesmo a dar para o torto quando, estupidamente, chegava a casa e ficava deitado no sofá à espera que o telefone tocasse.
Como já se percebeu, as primeiras investidas pelo então desconhecido mundo feminino revelaram-se um tremendo fracasso que muito me desgostaram e deprimiram. Mas nem tudo foi mau. Afinal, vim a descobrir, havia qualquer coisa de portentosa no tormento do amor e, apesar do desconforto que me provocava nas entranhas, tinha o seu lado libertador e meditativo que muito me aconchegava.
Foi mais ou menos aí que entrou em cena o Robert Smith e os The Cure.
Os The Cure, enfim, não me eram de todo desconhecidos, isto apesar da minha fidelidade ao Heavy Metal. Ouviam-se frequentemente várias músicas nas rádios e televisão e não se pode dizer que eram desagradáveis ao ouvido, mesmo para um tipo que, como eu, colocava presunçosamente de parte toda e qualquer canção que não tivesse um berrito ou outro.
Mas apesar de não ser bem visto gostar de outra coisa que não fosse o Heavy Metal, eu até apreciava o estilo espampanante do Robert Smith, o único problema é que o meu coração não estava sintonizado nas suas músicas de afeto e perda, preferindo as letras de desordem e inadaptação imortalizadas por grupos tão extraordinários como Megadeth, Slayer ou mesmo Sepultura.
Quando o soco do desejo colidiu no meu estômago frangível e despido de pelo, comecei a desinteressar-me pelo meu eu antigo. Agora, desolado pelas contingências da vida, reinava em mim uma melancolia silenciosa que crescia cá dentro e que precisava de se exprimir de alguma forma, porque eu, coitado, não tinha palavras suficientemente coerentes para demonstrar o que me ceifava a alma.
E foi neste contexto que, aquele homem de cabelo espetado e de cara pintada, me amornava o ânimo com as suas letras apaixonadas a verter desgosto e amargura por todos os poros que deixavam transparecer todas aquelas sensações que me devoravam a carne como um veneno mortal. Desde o Pictures of you em que a contemplação de imagens antigas ajudava, de alguma forma, a suavizar a enfermidade da perda até ao Lullaby onde um corpo rodeado por aranhas aguarda deitado uma ferrada que tanto o pode acordar como então não, tornando assim perpétuo o sofrimento, o som dos sintetizadores voava como uma camada etérea que envolvia e suavizava todo o meu processo de desintegração.
Por outro lado a história acabou por revelar Disintegration como o último grande disco dos The Cure e o Robert Smith envelheceu tanto que aquela panóplia de pinturas e o cabelo esgadelhado já não lhe ficam lá muito bem.
Disintegration foi mesmo o disco que acabei por ouvir na tarde anterior ao Gabriel nascer, quando desci sozinho a Avenida da Liberdade a consciencializar-me do que para aí vinha.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Curtíssima sobre andar de fones na rua

Tanto casal a brigar dentro dos carros, tanta gente a ter conversas embaraçosas ao telemóvel, tanto chorinho bom de recém-nascido, tanto plec plec de saltos-agulha, e o barulho surdo do metro, e o barulho surdo do comboio.

Não acho que seja pôr música na vida. Acho é que é tirar a vida do momento.