sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Abandono

Depois de dez dias sem ir à creche que ele tanto adora, hoje chorou muito, mas sem escândalos, sem se atirar para o chão, chorou baixinho, enfiado no meu pescoço, e não olhava para os colegas, só chorava baixinho e fingia que dormia. Vai, filho, mamãe tem de trabalhar, vai brincar com os meninos.

Hoje, pela primeira vez, deixá-lo lá soube-me a traição.


Telefonei um quarto de hora depois, já andava a pintar. Menos mau, menos um coração partido nesta família.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Do filme "The Kids Are Alright"*

marriage is hard... Just two people slogging through the shit, year after year, getting older, changing. It's a fucking marathon, okay? So, sometimes, you know, you're together for so long, that you just... You stop seeing the other person. You just see weird projections of your own junk. Instead of talking to each other, you go off the rails and act grubby and make stupid choices... You know if I read more Russian novels, then...







* com um link optimista para a experiência de um génio.

A partilha

Se tivesse tido este veículo para berrar ao mundo inteiro tudo que sinto desde 2003/2004, seria hoje uma pessoa muito mais leve, em vários sentidos.

O poder pôr aqui os meus sentimentos em relação a tudo é um bálsamo absoluto. Não o faço pelos comentários, pela aprovação, por nada que se pareça.

Faço-o só para me sentir ouvida.

E pouco me importa a coerência, o "ter de engolir o que disse". É um blog que regista o meu caminho, e o meu caminho não é auto-estrada europeia, Deus santíssimo, o meu caminho é a BR-116 em 1982.

Obrigada a todos os que ouvem.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Funeral

Quando o cortejo fúnebre saiu da capela em direcção ao lote propriamente dito, e eu via o caixão em cima do carrinho e tentava ouvir o barulho das rodas, e a temperatura que fazia e as pessoas que ali estavam, e pensei:
"Ahh, então é assim. É isto".

Já sabia como era enterrar a mãe: era aquilo. Um monte de gente que me amava à minha volta e a sentir-me terrivelmente sozinha, na mesma.

Porque, pois mais amigos e gente linda que tenha à minha volta, sou imigrante, sou de família nuclear: pai, irmão, marido, filho.

Ontem voltei a ter um momento "Ah, é isto": então é assim perder a nossa vida. Está bem, check.

Tal como naquela altura, também tive gente linda à minha volta, e também me senti terrivelmente sozinha.
Tal como naquela altura, vou ter de reaprender a fazer tudo, agora com um filho. Das quatro pessoas fundamentais da minha vida, uma viaja hoje para muito longe, e a outra viajou ontem para nunca mais voltar. Das quatro pessoas fundamentais da minha vida, restam duas, e as duas dependem de mim.

Tenho um caminho longo pela frente. Mas se pensar que, quando perdi a minha mãe não sabia sequer ligar a máquina de lavar, acho que posso ter fé no futuro. E tal e qual como quando perdi a minha mãe, sei que o futuro não começa hoje, começa depois do luto.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Um presente num comentário

"Em qualquer momento que comece é o momento; a pessoa que chega é a pessoa certa;o que acontece é a única coisa que podia ter acontecido; quando algo termina, termina."
(Sai Baba - 4 Leis Espirituais)


Veio da Cátia há uns dias, e não há um dia que passe que não me ajude de uma forma ou de outra.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Elogio à Simplicidade Adquirida (ou "coisa de póóóbre")

O Hugo tem um momento ritualizado no dia dele, que é, por volta das 23h, ir para a janela fumar um cigarro - ou dois, quando está mais reflexivo - olhando para a praceta. Eu, mulher sem ritual nenhum, fico com inveja e vou lá chateá-lo de vez em quando - a ele, não, que da cintura para cima, ele está na rua. É mais chatear as pernas e o rabo dele. Hoje foi assim:

Eu - Sabes uma coisa? Estou ansiosa pelo Verão.
Pernas&rabo - Pelo casamento da Ju? Vai ser giro, há bué que não vamos lá e vai ser a primeira viagem do...
Eu - Não, não. Estou ansiosa pelo Verão como foi o último. Fazer o jantar de manhã que é para chegar às 19h e ir-te buscar à estação e descermos para a praia dar um mergulho, brincar muito com o Gabriel, chegar a casa cansadíssimos e ter o jantar pronto... E o Fernando aparece, e...

Quando me dei conta do tamanho da suburbanice que tinha acabado de dizer, calei-me a ver o que é que as pernas&rabo diziam. Não diziam nada. Meti a cabeça na janela também e lá estava o meu marido a rir-se, saudoso do nosso Verão mais teso de sempre.

Quando noto o quanto apreciamos e ansiamos por momentos assim, vejo que a minha família está a seguir naturalmente pela direcção que nós escolhemos, independentemente de ter ou não dinheiro: menos é mais. Menos é mais felicidade. Menos trabalho, menos complicação, menos coisas, menos tempo no carro, menos shopping, menos supermercado, menos dinheiro gasto. E mais liberdade. Liberdade porque o Verão de 2011 tem tudo para ser ainda mais apertado do que o de 2010, mas o mergulho a três ao fim do dia, ninguém nos tira.

Um mergulho ao fim dum dia de trabalho é luxuoso.
Estamos mesmo ansiosos.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Crime e castigo

Aí há uns meses, e a propósito de um conhecido escândalo da blogosfera sobre uma blogger que defendeu uma grande amiga até às últimas até se provar que a tal amiga matara o ex-namorado. Até aí tudo bem, faria o mesmo por uma amiga minha - quem é que acredita que andou nos copos ou a chorar no ombro de uma assassina, certo? O que me lixou a cabeça foi, depois de a tal blogger se ter exposto daquela forma enquanto a outra lhe mentia descaradamente, a blogger continuou a considerá-la a sua melhor amiga, e foi dar-lhe beijinhos e abracinhos à prisa e tudo.

Como é habitual, conversei com a amiga Carla, que, como quase toda a gente, é mais moderada e menos apoquentada do que eu. E ela perguntou-me: "mas então deixarias lá o teu amigo?" E eu: "obviamente que sim". Premeditar a morte de alguém separa o homem da besta, e não sou os Direitos Universais do Homem, sou só a Melissa. Um assassinato premeditado não é coisa de gente, é demoníaco e sim, o meu amigo deixaria de existir - não garanto que instantaneamente, era coisa para levar o seu tempo e o seu luto, mas, para mim, era a atitude moral a tomar.

(Agora vocês estão à espera que eu diga que descobri que a Carla é uma assassina e que afinal lhe levo tabaco à cadeia todas as quartas-feiras. Não, moços, infelizmente a minha vida não é tão rocambolesca e a Carla ficou ali no parágrafo anterior mesmo, sendo a boa amiga moderada e equilibrada que sempre foi, e eu continuo com a minha moral intacta).

Mas supondo que a Carla fizesse mesmo isso. Supondo que a Carla fizesse mesmo o que separa os homens dos demónios. Eu iria mesmo esquecer-me do que ela tinha sido antes? Iria enterrá-la em vida, como é, e é mesmo, o que acho correcto moralmente? Pensei nisso durante muito tempo depois da tal conversa.

Quando já tinha deixado de pensar, vi a tal manifestação de apoio ao puto do saca-rolhas à porta da igreja lá da terra dele, e os amigos a darem todo o tipo de explicações para o inexplicável. E não consegui condená-los tão instantaneamente como gostaria.

É que perder um amigo é mesmo lixado, caramba.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

To mother (um verbo que faz falta)

Em Abril de 2004 a minha mãe terminou a quimioterapia e, contentíssimos, achámos todos que ela estava pronta para voltar à sua vida cá em Portugal. Em Julho do ano anterior tinha sido levada às pressas pelos irmãos para o Brasil, para que pudesse ser tratada lá, dentro do mundo que a conhecia melhor. Foram meses de muito amor, muito mimo. Foi por isso que, em Abril, escrevi uma carta aos meus tios e primos (e pedi-lhe que a imprimisse e lhes oferecesse em meu nome, até hoje não sei se o fez). Não me lembro do que escrevi e nem guardei cópia, mas agradecia-lhes, no fim, com algo como "A todos vocês, fantásticas mães homens e mulheres, obrigada por terem-no sido para a minha".

É o que sinto até hoje: ser mãe também é um papel a desempenhar. Ontem em conversa com a douta amiga Cê sobre o assunto, comecei a dizer o que era, para mim, amor de mãe, e se seria preciso parir para o conhecer. Cheguei a algumas conclusões, no meio da minha própria baboseira, sobre o que penso:
1 - penso que o tal "amor de mãe" tem, sim, uma componente biológica que nos liga à cria e isso torna esse tal "amor" diferente de outros que tenhamos experimentado. No entanto, partilho com a douta amiga Estrela a noção de que é uma faca de dois gumes: não tem de ser necessariamente bom. É um novo tipo de amor, sim, mas também um novo tipo de medo. Ganhamos uma nova fragilidade. Desculpem lá a falta de romantismo da coisa, mas mesmo depois de me rebaixarem de signo continuo a ser Carneiro nas vísceras e no coração.

2 - Repudio genuinamente a noção de que o amor de mãe é que é o amor de verdade. Acho que o amor de verdade é qualquer amor abnegado e generoso: a enfermeira que larga o quentinho de casa e vai para um cenário de catástrofe cuidar de gente podre, morta e sem nada, para mim, ama com abnegação. O amor de verdade é o que transcende o eu pelo próximo no cuidado - revela-se, portanto, na acção. Acrescento ainda que o acho ainda mais formidável sem o tal elo biológico, quando a sua motivação não nasce de um instinto.

3 - Já disse que, para mim, "amor de verdade" é acção? Sendo um "amor de verdade", o "amor de mãe" é acção e aqui volto ao agradecimento que fiz aos meus tios. Amor de mãe é ser mãe. Além de cuidar, cheirar e morder as pessoínhas maravilhosas que escolhemos fazer, podemos ser mãe em pequenas doses diárias todos os dias ou em doses magníficas e gigantescas de abandono de si próprio pelo outro, por quem está mais fraco e precisa de nós.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Um desabafo familiar

Detesto, absolutamente detesto o facto de uma família ter de se separar quando já é pequena de si, quando já falta um dos membros, quando se amam muito, quando se dão bem e são amigos uns dos outros, quando são muito ligados uns aos outros, quando um dos seus poucos membros é bebé... E já disse quando a tal família já é pequena de si e um dos membros já não existe de maneira definitiva?

Detesto o facto de esta família ter de se separar por causa da merda desta recessão.

(Se forem comentar, adianto: estou a falar de uma amiga).

sábado, 15 de janeiro de 2011

Fair is foul - dia 6

Só para pôr cá para fora que o tal cheiro de desconfiança não me larga, e eu sou tão boa a desapegar-me do que não me faz bem (tenho uma fraqueza, só uma), e isto já dura há dias e não passam, vá, quatro horas sem que eu não me lembre disso e é como um algodãozinho com álcool a passar numa ferida pequenina. Não tenho maturidade para isto. Não sei estar magoada.

No entanto, já decidi que não vou tirar nada a limpo. O algodãozinho malvado que continue a passar por cima de onde dói, dum lado para o outro, dum lado para o outro, dum lado para o outro.

Tirar a limpo implicaria verbalizar o que não quero e provavelmente ouvir o que não gosto.

Se o tempo cura tudo, também isto passará, também isto será esquecido - mas só o suficiente para permitir que eu não volte a sentir-me assim outra vez.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Fazendo eco às palavras do querido Karim

Maltinha jornaleira/blogueira/comentadeira, em Portugal não existe "grau" de homicídio, boa?
Homicídio qualificado, simples, involuntário.

Grau é coisa das lentes, e dos coisos. Vinho e tal.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Fair is Foul

Farto-me de dizer que tenho os melhores amigos - especialmente amigas - do mundo aqui neste meu canto virtual, bem como em todo o lado, em voz alta ou em voz escrita. Sou doida pelos meus amigos. Inclusive, ao escrever sobre amizade, há uns largos meses, disse que só tinha tido um grande arrependimento, uma grande quebra de confiança na minha vida. E é verdade, só tive uma, e nunca fui gaja de poucos amigos (como também disse nesse mesmo post).

(Longe de mim, também, ser ingénua. Sou o oposto. Vejo, sim, as falhas dos meus amigos, mas aceito-as como parte da dor e da delícia que são, da sua humanidade. Não tenho amigos sobrehumanos).

Mas adiante: senti o tal gostinho da quebra de confiança apenas uma vez na vida, e, pelos vistos, mesmo não tendo feito de mim uma pessoa amarga, o tal gosto ficou-me na memória. Porque ando, de uns tempos para cá, a sentir coisas parecidas. Um cheirinho, uma coisinha.

O bicho da desconfiança. Desconfiança de falhas que deviam ser combatidas, e não assimiladas como parte da humanidade, da dor e da delícia. Falhas daquelas inexplicáveis.

E dá-me um nó na garganta, porque, por falta de experiência, não sei deixar de confiar.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Para além das reuniões de condomínio

Mais uma reflexão excelente que buscar ao blog da Cátia.

Todos os anos, pela altura das festas, selecciono frutas e/ou legumes da horta e distribuo pelos vizinhos em Lisboa. Este ano foram as tangerinas que estão mais saborosas do que nunca.

Há quem retribua a lembrança com comiditas, quem agradeça em palavras e sorrisos e quem nunca se pronuncie. Eu sei que toda a gente esboça um sorriso ao abrir a porta e encontrar os cartuchos de fruta. O simples facto de os preparar e distribuir me enchem de energia e alegria.

Presentear a vizinhança com fruta no inverno e flores na primavera, é a forma que encontro de chegar mais perto do meu ideal de "comunidade vertical" em que os habitantes de um ou vários edifícios partilham actividades do dia-a-dia, se entre-ajudam, tornando a vida mais simples e agradável.

O meu sonho é que todos os prédios se assemelhem mais a um que conheci em Copenhaga, no qual os vizinhos partilhavam uma área no rés-do-chão onde se situavam:
- o bengaleiro - já imaginaram deixar os sapatos, casacos, guarda-chuvas à entrada do prédio em vez do hall de entrada do apartamento?
- a dispensa - onde ficavam carrinhos de bebé, bicicletas, patins, carrinhos de compras...
- uma zona de banhos, aquecida onde cada família tina um cacifo. Para as crianças era uma alegria brincar e pular na água;
- um jardim com churrasqueira e baloiços.

Claro que o dois primeiros já seriam um must :)

Para além dos espaços conjuntos os vizinhos distribuíam entre si tarefas como a compra do pão, legumes frescos, carne etc... desta forma, cada família se preocupava em encontrar o melhor fornecedor de cada um dos produtos e distribuir pelas estantes. Todos os dias havia na nossa porta pão fresco, todas as semanas encontrava uma cesta com frutas e legumes. Depois de vazias, as cestas de vime para as frutas e os sacos de pano para o pão iam para a dispensa no rés-do-chão.

No meu sonho, de forma rotativa, os vizinhos fazem uma refeição para toda a vizinhança. Vivi numa casa comunitária onde isto acontecia e cada um se esforçava por fazer a melhor refeição do mundo. Desta forma, todos os dias, havia comida deliciosa para todos sendo que cada 1 apenas necessitava de cozinhar 1 grande refeição a cada X dias. Foi assim que aprendi a fazer frango do Suriname, feijoada à brasileira, goulash, pizza e várias massas italianas.

A propósito de tudo isto, encontrei na net a iniciativa Prédios que Falam
(http://prediosquefalam.marar.eu/).

Em 2011 estou a planear as comemorações do Dia do Vizinho (http://blog.vizinhos.eu/?m=201005)

Por enquanto, ficamos pelas tangerinas, flores, sorrisos e entretenimento do petiz quando necessito de uuns minutos para concretizar alguma tarefa. Passo a passo, caminhamos para uma vizinhança mais consciente e solidária.

sábado, 1 de janeiro de 2011

A primeira vez

Lembrei-me hoje de que a primeira vez que cozinhei foi aos 11 anos - o meu irmão era bebé, daí devia ser isso. Olhei para uma frigideira e pensei: o quão difícil pode ser? Fui ao frigorífico, peguei na caixa de ovos - no Brasil são sempre de 12 - parti-os todos para uma tigela e bati. Depois, peguei no resto da sopa de carne do baby Fernando e pensei: isto ficava bem era com ovos. Então pedi à empregada que acendesse uma boca de fogão e refoguei a sopa com mais meia dúzia de ovos. Depois, juntei a dúzia de ovos batidos. Foi a minha primeira omelete. E lembro-me do sabor, também. Sabia a muitos ovos com carne e bocados de cenoura e batata.

E mamãe teve uma apoplexia ao saber que eu tinha comido 18 ovos num dia só (não os comi sozinha, também dei ao Fernando e à empregada). Curiosamente não por causa do colesterol, afinal o que era colesterol em 1987, mas porque os ovos andavam pela hora da morte.