segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

cheiro e memória

Não há memória como a olfactiva.

Às vezes, guardamos o sabor de um prato ou doce da infância e, ao revisitá-lo eras depois, vemos que a nossa memória o romantizou e que afinal aquilo nem é assim grande coisa - aconteceu este fim de semana comigo, estava com desejo de comer pamonha há sete anos. Acho que a  cada ano que passava eu ia dando mais uma camada de magia à pamonha, até transformá-la no maior manjar do mundo, um deleite.

Papai trouxe-me pamonha. Comi. Não era a mesma coisa que era na infância. Ou pelo menos, o que teria sido há sete anos. A simplicidade do sabor do milho, só milho e mais nada, já não me chegava. Que pena.

O mesmo se passa com gente e lugares bonitos, a memória visual - às vezes não resiste ao teste do tempo e ao nosso cada vez maior grau de exigência. E o humor de amigos, ou o amor de e por amigos. Acho que, no reencontro, tudo envelhece. Tudo se desencanta.

Mas os cheiros, não. Talvez por estarem condenados a permanecer eternamente no reino do imaterial, podemos romantizá-los à vontade, sem perigo de revisitações. O cheiro da cozinha da minha avó. Do perfume Seiva de Alfazema dentro do armário, do sabonete Phebo, de Omo, de pão, de farofa, de maracujá, de feijão verde, de caju, de bolo de milho e de pamonha, do cabelo da mãe da gente, do pescoço do bebê da gente, de talco no pescoço. Pinho Sol, trouxa que vinha da lavadeira. Cheiro de boneca nova.

Nada tão imaterial, nada tão concreto.




3 comentários:

Naná disse...

O oposto acontece com os cheiros menos agradáveis... com o passar dos anos eles tornam-se cada vez mais desagradáveis, menos apelativos!

Anónimo disse...

Sabes, tenho pensado muito neste tema com a entrada do mais velho na primária. Eu sabia, sempre, com toda a certeza, que o cheiro que mais guardo da minha infância é o da mochila, o papel, o lápis de carvão, há ali uma mistura perfeita que eu ainda conseguia lembrar-me. Neste mais de 2 meses de escolinha a mochila dele já ganhou esse cheiro e eu derreto-me sempre que a abro e me vem aquele cheirinho a escola... sim, sou uma mãe que snifa a mochila do filho, podia dar-me para pior...
Mas sim, é mágico...

Melissa disse...

É isso, mistura mágica de cheiros. Não existem cheiros puros, são sempre um complexo de coisas.