segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Porque faz parte da vida

Que maravilha de crónica que me veio parar ao FB hoje. Foi uma atitude que mudei quando a minha própria mãe morreu. Não quis ir ao enterro, pois toda a vida me ensinaram que virando as costas aos maus momentos eles deixam de existir. Caneco, foi a minha própria mãe que me ensinou isso. A minha mãe acreditava que se não nos víssemos numa despedida, ela não se faria sentir. Se não falássemos na morte, ela não chegaria. Aliás, a única vez que a minha mãe falou da morte foi para dizer que, quando morresse, não queria que a vissem (mais uma fuga, é óbvio - mas respeitámos isso).

Decidi ir ao funeral a cerca de meia hora do fim, sendo que estava a vinte minutos de distância. A minha querida Sunny, que também passou a vida a não ir a funerais, agarrou em mim e lá fomos em disparada. Chegámos mesmo, mesmo no fim da missa de corpo presente. Pude ver a cara de dor das pessoas. Pude ver o caixão da minha mãe. Pude tocar-lhe e chorar com muita força. Pude vê-lo descer à terra. Pude lançar-lhe flores. Aguentei o choro das pessoas que mais a amavam. Aguentei os abraços. Senti-me só, só como nunca antes. Mas só virei as costas mesmo no fim.

O melhor amigo dela sussurrou-me ao ouvido: eu já estava indo te buscar para te trazer à força.
Melhor amigo, até ao fim.

Porque não é para gostar. Porque não é para ser bom. Porque não temos de concordar com os rituais para agir em conformidade - não somos o centro do mundo. Na morte, não somos nada - o que importa são os outros, o que partiu e os que ficaram. Na morte, devemos ser veículos de amor, e nada mais. O ego pode esperar.

5 comentários:

Mafalda disse...

Querida Melissa, ainda no âmbito das crónicas, da perda e da dor, partilho contigo esta, de hoje.
http://expresso.sapo.pt/post-its-do-ceu=f852745

beijo grande*

Naná disse...

Tendo sido habituada a ir a funerais desde miúda, não me passaria pela cabeça não ir. A coisa que a minha mãe me fez que me mais me custou foi quando o meu avô morreu, tinha eu 8 anos, ela me ter impedido de ir ao funeral do avô que eu idolatrava... considerei a hipótese de fugir de casa da minha prima. porque se eu podia ir a todos os funerais de todos os tios e primas afastados, era minha obrigação ir ao de uma pessoa que eu amava profundamente...

E anos mais tarde, falhei o funeral de uma grande amiga e colega de escola, porque estava a 500 km de distância. Ainda hoje custa-me acreditar que ela morreu no dia que completava 21 anos... e quando me encontro com outros amigos, ainda quase me escapa a pergunta: e a Verónica, alguém sabe dela?!

Para mim os funerais são os momentos de "closure" (não encontro palavra em português que consiga traduzir...) e por isso irei sempre!

gralha disse...

Das maiores diferenças que tenho com a minha mãe é o facto de ela viver em negação permanente e eu precisar de realidade como de pão para a boca. Mas tenho medo do dia em que eu seja confrontada com uma dor tão grande que também escolha a fuga.
Que texto tão em cheio, Mel :)

Amigo Imaginário disse...

Que bonito, Mel! De repente, fiquei cheia de saudades da minha mãe...

Joanissima disse...

Que texto espectacular, Mel.
Obrigada.