segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Amá-lo

Ok, cá estamos.

Podes virar-te. Respira fundo e vira-te. Não está mais ninguém aqui dentro, só tu. E isso é o pior, porque ninguém consegue ter a tua criatividade para arranjar novas maneiras de ser mazinha para ti própria. E agora vira-te, por favor. Mais vale olhar de frente do que ir tendo pequenos vislumbres inevitáveis durante o processo, isso dói ainda mais.

Coragem, vira-te.

Pronto, essa aí és tu, esse é o corpo que ficou depois da gravidez. Aquelas são as estrias, já esbranquiçadas, que ganhaste na 36ª semana. Muito volume, muita falta de jeito, muito desencaixe. Seios, braços, celulite, pele seca, alguns sinais. Pelinhos, poucos. Um umbigo.

Tudo isso és tu. Tudo isso aí do outro lado tem história. Esteve tudo presente desde o primeiro momento, desde que mal passavas dum desejo de uma noiva pós-adolescente. E isso tudo foi crescendo afogado em amor de muita gente, que a família é grande e os amigos abundam. E levou-te por tanta parte, foi veículo para sentir tanta coisa boa, tanta coisa má.

Esteve tão presente quanto a tua mente, que gostas tanto e é capaz de coisas incríveis. Mas sabes que mais? Isso tudo, aí do outro lado, também é.

É sempre uma tortura comprar roupa. Deixas ter tudo velho, a cair de podre, para criares coragem e fazeres-te à luta. Mas a tortura, tu sabes, não é a roupa em si, e sim, este momento em frente ao espelho com as luzes fluorescentes da cabine acesas em cima de ti, despida, sem nenhuma piedade. E, se nada mais puderes fazer, se nada mais puderes pensar, vamos pelo menos, juntas, deixar de ter medo da verdade do espelho, em primeiro lugar.

E amá-lo, em segundo. Amá-lo assim como ele está, e não o que pode ser daqui a cinco meses, porque, ai meu Deus, a partir de amanhã não passarei das 500 calorias diárias para sempre. Vamos encarar a verdade de frente e amá-lo por tudo que ele permite: ver o vermelho, sentir frio e calor, cantar alto, ter orgasmos, chorar até fazer enxaqueca, cheirar o pescoço do teu filho.

Agora vamos lá, juntas, comprar roupa, que bem precisas. De cabeça erguida, agora.

9 comentários:

Dani disse...

Ui... esta doeu... como eu te entendo!

Ana. disse...

Queria ir às compras contigo para te mostrar como és linda!
Nem toda a beleza obedece a medidas, Mel...
;)

Ana C. disse...

Encararmo-nos de frente, sem meia luz, com espelho de corpo inteiro, sem nada que nos impeça de olhar com crueza para nós mesmas, é fodido, é corajoso, é do caraças.
Tu és genial a fazeres isso com o teu interior, toca a encarares-te de frente com o exterior. Só assim vais conseguir avançar para onde quer que seja que queiras avançar.
Tu mereces ir até onde queres ir, tu mereces.

Precis Almana disse...

Força!

Anónimo disse...

ou então compramos só na feira onde não há cabines, nem luzes indiscretas

Carla R. disse...

Não sou muito corajosa e sou incapaz de me olhar no espelho sem reter a respiração, é um tique, não ha nada a fazer. E nem sequer é batota. Recuso-me a vestir-me nas lojas, porque não gosto das luzes e porque as vendedoras anoréticas sabotaram os espelhos. Isto é um facto, tenho provas. A musica normalmente também é horrivel. Compro, experimento em casa, troco, se for preciso.
E o facto de ja não comprar roupa ha alguns anos nem sequer tem a ver com o corpo, é mesmo porque não gosto.
Mas sou gira, acredita! Um dia mostro.

Sofia disse...

Como te compreendo!!!
E faço minhas todas as tuas palavras.
Bjocas grandes

Unknown disse...

Muito bem escrito e brutalmente verdadeiro. Quantas de nós assumem assim na boa tudo o que escreveste?

Esse corpo que é teu, assim como é, precisa de ser amado por ti, e isso tu também já sabes. A partir daí tudo é possível e mudá-lo também. E retirando prazer daí.

Depois de anos a fazer dietinhas de merda comecei a fazer exercício e quando dei por mim, depois das primeiras semanas de dores e cansaço, estava viciada e a sentir-me muito melhor. De repente começaram a aparecer músculos insuspeitos e o corpo mudava a olhos vistos.

E mudá-lo, se quiseres, mas se quiseres, realmente, tu consegues. E só por ti.

Rita disse...

Que texto poderoso!!!!

Adorei!