quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Porque somos doidos por...The Beatles

Foi a Melissa que me ensinou a gostar dos Beatles. É claro que, como toda a gente, já conhecia algumas músicas deles, mas apenas aquelas embebidas de yeah yeah e yos yos dos primeiros discos que, apesar de até serem fixes, não são assim nada de especial quando comparadas com o que eles fizeram a partir do Rubber Soul. Portanto, até aos 30 anos sempre tive uma ideia muito errada da banda e bastantes vezes me interroguei porque raio as pessoas gostavam tanto deles. Acho que o nome que o disco A Hard’s Day Night teve no Brasil simplifica realmente aquilo que eles eram: Os reis do iê iê iê. Mas nada disto é capaz de destruir um dos meus guilty pleasures preferidos: cantarolar A Hard Day´s Night enquanto faço os 15 minutos de caminhada que separam a estação de comboios da minha casa. Por ironia do destino, no exacto momento em que estou a escrever estas palavras, há uma greve geral que percorre as ruas de Lisboa e o Metro está fechado por isso vou ter de ir a pé dos Anjos ao Cais do Sodré. Imaginem a quantidade de vezes que vou ter de cantarolar aquilo!
Os Beatles foram a banda sonora da minha extraordinária entrada na vida adulta depois de eu e a Melissa termos aninhado confortavelmente as cabeças um no outro. Isto aconteceu aos 30 anos e, de facto, se for a pensar bem, 30 anos é um bocado tarde para isso, mas foi assim que aconteceu e não há nada que se possa fazer, muito embora, por outro lado e em minha defesa, posso sempre argumentar que estas circunstâncias permitiram que a minha juventude fosse um bocado mais longa, mas os reais proveitos dessa circunstância de vida não foram, como seria de prever, aproveitados condignamente com tudo aquilo que um solteirão jovem e, vá, engraçadote, deveria ter direito.

A Melissa sempre gostou de apregoar que foram os Beatles que a ensinaram inglês. Que em pequena, tal como a Mafalda do Quino, gostava muito das músicas deles e não descansou enquanto não percebeu o seu significado. Vai daí, pegou num dicionário e estrofe por estrofe, acorde por acorde vislumbrou a poesia. Isso demonstra bem a mulher que é. Na verdade, se alguém nos diz isso, sabemos que podemos casar com ela, ou não?

O primeiro disco que me ofereceu foi o Rubber Soul e disse-me que a partir dali podia ouvir o que quisesse deles. Fiquei tão impressionado com aquilo que ouvi-o continuamente durante meses até resolver comprar outra coisa. O acto de receber um disco teve para mim um efeito extraordinário, isto porque em tempos fazia imensas colectâneas das minhas músicas preferidas para oferecer às miúdas que me despertavam algum interesse. As minhas colectâneas, e fazia muitas porque tinha também muitos interesses, apesar de serem magníficas, isto qualquer crítico musical o pode facilmente comprovar, nunca fizeram grande furor e nunca atingiam o alvo tal como eu esperava. Portanto, para variar as vicissitudes amargas do passado, foi bastante agradável ser, desta vez, eu o alvo.

Nos primeiros tempos de namoro tínhamos um velhinho Fiesta de 88 a quem chamávamos muito carinhosamente de El Che porque a matrícula iniciava-se precisamente por XE. Apesar de prometermos muito, nunca chegámos a pôr um auto-rádio naquilo. O carro tinha um aspecto tão fungoso que gastar qualquer tostão nele causava-nos algum desconforto e, para ser sincero, tínhamos realmente muita coisa onde esbanjar o nosso dinheiro. Os princípios de namoro são óptimo por causa disso, perdemos a cabeça e fazemos tudo sem pensar muito nas consequências e isso até tem sentido porque nos sentimos mais ricos do que normalmente nos sentimos e há algo de profundamente sincero e maravilhoso quando conseguimos alguma riqueza não material nas nossas vidas. Independente do bom-senso, a dura realidade foi que os números da folha do saldo que a nossa vida imprimia nunca foram suficientes para comprar outro automóvel, de maneira que ainda passámos uns bons anos com o Fiesta. Com o disco rígido do cérebro da Melissa, que tem tanto espaço para o amor que sente por mim como para as canções dos Beatles, as nossas viagens eram percorridas com a sua voz a cantá-las uma por uma. Deitava-as cá para fora segundo o seu estado de espírito. Lançava farpas ao meu comportamento quando me portava mal em Norwegian Wood ou então arremessava o contentamento com o Here cames de Sun quando o sol nos fazia fechar os olhos e éramos obrigados a baixar a pala. É daquelas coisas que se vêem nas comédias românticas e que sabe bem conseguir senti-las fora do celulóide. Até porque como se sabe, as líricas do John Lennon e do Paul McCartney têm vários love you e dá um bom conforto a consciência que aquilo também pode ser cantado para nós. Até me dava vontade de gritar e puxar os cabelos como as parvalhonas das miúdas da altura.

Mas os Beatles marcaram também o meu afastamento da música mais negra, vocês sabem, daquelas canções em que tudo está a desabar e é difícil suportar a angústia duma paixão que se afasta do nosso controle. Enfim, sentimentos que estão sempre a acontecer enquanto não ancoramos num porto seguro. Mas com a Melissa isso não faz sentido pois não? Na verdade casámos, temos um filho e escolhemos sempre músicas dos Beatles quando do infantário nos pedem uma canção para pôr no PowerPoint que nos enviam de vez em quando com fotos do Gabriel. O Gabriel a comer, o Gabriel a dormir ou o Gabriel no penico. Ficamos sempre muito orgulhosos a ver as apresentações com o Got to get you into my life em fundo até que a Melissa cheia de orgulho maternal me diz:

- Não achas incrível termos conseguido fazer uma coisinha tão maravilhosa?

2 comentários:

mm disse...

lindo! vocês os dois são lindos de ler.

Miguel disse...

Chiça pá! Assim fazes com que o resto de nós, homens, pareçam mesmo... normais!