Até aqui o meu papel de pai tem sido mais ou menos lavar a criança, alimentá-la com paciência e mudar-lhe a fralda. Não é para me gabar mas julgo que as coisas estão a correr bem, ajeito-me bem com as tarefas e de certa forma posso dizer que ando bastante contente com o meu trabalho.
Com o crescimento do petiz, os desafios têm aumentado de intensidade e, claro está, também de dificuldade. Até porque o Gabriel em si está mais inteligente e já não o consigo enganar com tanta facilidade. Ultimamente, até me tem tratado com maior consideração. Dum momento para o outro, deixou o gritinho “uh” que, apesar de ser fofinho ouvir, era um bocado escasso para a importância da minha figura e passou para um honroso e pomposo “pai” que tem a força de me abarrotar o coração e eriçar a penugem de felicidade.
Quis o destino que nos meus tempos de ociosidade juvenil seguisse séries de televisão tão esclarecedoras como o Super-Pai ou o Médico de Família. Deste modo pude assimilar os ensinamentos que me foram revelados pelo Luís Esparteiro e o Fernando Luís no seu rodopio paternal. Por isso, julgo que esta é uma das razões porque estou sempre tão bem preparado para dar uma resposta positiva aos eventos que me vão surgindo pelo caminho.
O meu maior desafio surgiu na semana passada. O Gabriel ia fazer parte duma peça de teatro. A ocasião merecia algum cuidado da minha parte. Já se sabe, é nestas alturas que uma cria precisa da presença e sabedoria do progenitor para lhe dar bons conselhos e estender a mão em ajuda.
Esta foi, mais ou menos, a minha primeira conversa de pai para filho, da qual diga-se muito me orgulho, embora a mãe do pequeno, um bocado ciumenta de eu me ter chegado à frente, pense o contrário:
“ Então é assim Gabriel…esta oportunidade pode ser um grande passo percebes? Pode parecer uma coisa amadora e até podes pensar que isto não é nada de especial, mas acredita que as coisas começam sempre assim. Quantas entrevistas é que já viste em que as estrelas de Hollywood se referem a estes espectáculos como o início? Ou tu pensas que o George Clooney e o Harrisson Ford estavam no café e no momento seguinte passeavam na passadeira vermelha? Pronto, tens razão, o Harrisson Ford não é o melhor exemplo para definir um bom actor mas enriqueceu com o cinema e isso também tem o seu valor ou não? Independente do seu talento o que interessa é a dedicação. Sabes? Dedicação!
O teu pai quando era pequeno nunca teve nada disto. Não havia espectáculos de Natal na escola, não havia câmeras de filmar e os miúdos ficavam sempre com as avós sem nada para fazer além de ver televisão ou, no meu caso, jogar Subbutteo. Portanto nunca pisei um palco. Se tivesse a oportunidade que tu tens agora agarrava-a com as duas mãos e esforçava-me imenso por interiorizar as ideias da educadora. Podes nem gostar daquilo que ela está a compor mas apenas tens de fazer o teu papel o melhor que conseguires e esperar os aplausos do público. No fim tudo se resume a isso, aos aplausos e reconhecimento do público.
Não deves é ficar ansioso ou nervoso. Se te apresentares calmo vais ver que tudo corre normalmente. Também não deve ser nada de especial o teu papel. Com toda a certeza que não tem a exigência dum Shakespeare, um Sam Shepard ou um Tenesse Williams. Repara, tens uma actuação física, não tens falas para decorar e nem sequer te vais preocupar com as marcações de cena. Ocupa a tua mente em bater palmas, rodopiar e bater com os pés. Só isso. Pá, estás sempre a fazer isso em casa e na rua só tens de transpor o sentimento para aqui. Mas digo-te que quando as cortinas se abrirem vais sentir um murro no estômago. É sempre assim, estejas aqui, na faculdade a apresentar um trabalho ou a pedir ao teu chefe um aumento. Chama-se pressão. E mais cedo ou mais tarde vais te de lidar com ela. E hoje é o teu dia. Vais ser o centro das atenções, os olhos e os flashes vão seguir-te por todo o lado. Todos os passos que vais dar vão ser registados e postos no youtube ou facebook.
Mas tu és bom sabes?! És talentoso e, nesta maravilha que é a criação, ficaste com a candura e inteligência do teu pai, só tens de usar o que te está nos genes. E deixa as coisas seguir com naturalidade. Olha, pensa que as pessoas estão todas de fralda. Costuma resultar.
Gabriel olha lá agora para o pai! Olha, olha para mim vá! Percebeste o que eu te quis dizer? Hum? Mas por favor, aconteça o que acontecer e tenho a certeza que a determinada altura vais ficar baralhado com as luzes, as pessoas e o movimento, não me chores em palco. O choro é para mariquinhas e no palco era bom que fique o teu suor e não as lágrimas. Percebeste, fofinho?
Ainda bem, sendo assim vai lá ter com os outros e muita merda para ti!”
2 comentários:
Calma Hugo, ele percebeu tudo, vi-o ontem à porta do Maria Vitória, creio que ia a um casting do La Féria :D
Orgulho de pai é uma cena brutal! ;)
..quando for uma estrela de hollywood, de certeza que te há-de mencionar como inspiração..
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