Chovia em Paris, e os museus estavam todos fechados. Tínhamos quatro dias e um milhão de coisas para ver, e um dia a menos não calhava lá muito bem. Ok, vamos começar por um cemitério. Morre gente todos os dias, não podem estar fechados. E começámos pelo topo, por Pére-Lachaise.
Entrámos pela porta do cavalo e, ao quarto ou quinto jazigo, já pensava que diabos o mundo tatófilo via naquele sítio, sendo os Prazeres mil vezes mais bonito, menos púdico, com os seus caixões a cair de podres e vitrais empoeirados. Estava a poucos metros de uma das principais avenidas, e não precisei de avançar muito longe para perceber o encanto. Sim, afinal era o cemitério mais bonito do mundo. Entendia-se perfeitamente. Uma floresta densa pontuada de sepulturas tristes. passaria ali uma tarde maravilhosa a fotografar esculturas e o Hugo a desenhar. Ia perder-me naquele labirinto de pedra. Ia chafurdar em alegria tumular. Ia... Ia...
... Mas il pleut. Il começa a pleurer hard pra caramba. O Hugo ainda tinha um capucho, mas eu não tinha nada. Fiquei ensopada até os ossos. Tivemos de capitular e entrámos para o primeiro jazigo com "varandinha" que encontrámos. Isto uns dois minutinhos e estia outra vez.
Passaram-se cinco, dez. O Hugo tira o material de desenho. Importas-te? Não, força nisso. Que fazer, pelo menos um de nós diverte-se. E passam vinte.
Abanquei ali e comecei a ver os cantos ao jazigo, porque não tinha mais nada para fazer. Os cantinhos e os cantos. E os cantos dos cantos. E comecei a interessar-me de verdade por aquele abrigo. Pelos cantos dos cantos dos cantos.
Os cantos dos cantos dos cantos dos cantos. Bichinhos nas colunas, teias, caruma.
Não havia nada, absolutamente nada de especial no jazigo dos Marcotte. Nenhuma escultura magnífica, nenhum anjo sofrido. Imagino que nenhum Marcotte passe por lá há muitas décadas. E que nenhum turista tenha perdido um segundo olhar na sua direção.
Mas nós, não. Por força das circunstâncias, passei a conhecer muito bem aquele jazigo abandonado, sem graça. Sentada ao lado do muito concentrado marido, a ver bolotas e teias de aranha, tornei aquele lugar meu. Conheci-o e afeiçoei-me a ele, como se fosse um cãozinho (e eu fosse pessoa de cãezinhos.)
Enquanto lá estávamos, as pessoas olhavam para nós e imediatamente olhavam para o jazigo em frente, que o Hugo desenhava. O Hugo trouxe alguma fama ao jazigo, que, lamentavelmente, não fotografei. Terão de ir ao blog dele vê-lo. Era um muito estreito e comprido, como o próprio Hugo. :)
Uma coisa que reparámos é que todas as pessoas - aquelas com melhor equipamento para a chuva do que nós - paravam logo a seguir ao nosso jazigo e desatavam a rir (podem ver isso na primeira foto do Hugo a desenhar, lá em cima). Que diabo. Às tantas, não aguentei a curiosidade e fui lá ver. Também me ri. O que é que está aqui, perguntou o Hugo. Tenta adivinhar, mas duvido que consigas.
Entre estiagens e corridas para dentro de jazigos abandonados, lá conseguimos ver qualquer coisa antes de eu perder completamente a paciência com a chuva e marchar a passos largos para o metro. Mas vi coisas lindas - vou preparar as fotografias e criar um blog só para elas, porque começo a ter muitas fotos de cemitérios a precisar de poiso. Vi túmulos de celebridades. O Pére-Lachaise encheu-me as medidas, como de resto enche as de qualquer pessoa que goste de campos santos, mas obviamente o que me ficou na memória foi o jazigo dos Marcotte, o nosso abrigo. Obrigada, senhores. Até à próxima. Decorei o caminho.
Quem seriam? Vou pesquisar.
Update: Este Marcotte está enterrado lá. Hey, Charles! Obrigada pelo telhado.
Os cantos dos cantos dos cantos dos cantos. Bichinhos nas colunas, teias, caruma.
Não havia nada, absolutamente nada de especial no jazigo dos Marcotte. Nenhuma escultura magnífica, nenhum anjo sofrido. Imagino que nenhum Marcotte passe por lá há muitas décadas. E que nenhum turista tenha perdido um segundo olhar na sua direção.
Mas nós, não. Por força das circunstâncias, passei a conhecer muito bem aquele jazigo abandonado, sem graça. Sentada ao lado do muito concentrado marido, a ver bolotas e teias de aranha, tornei aquele lugar meu. Conheci-o e afeiçoei-me a ele, como se fosse um cãozinho (e eu fosse pessoa de cãezinhos.)
Enquanto lá estávamos, as pessoas olhavam para nós e imediatamente olhavam para o jazigo em frente, que o Hugo desenhava. O Hugo trouxe alguma fama ao jazigo, que, lamentavelmente, não fotografei. Terão de ir ao blog dele vê-lo. Era um muito estreito e comprido, como o próprio Hugo. :)
Uma coisa que reparámos é que todas as pessoas - aquelas com melhor equipamento para a chuva do que nós - paravam logo a seguir ao nosso jazigo e desatavam a rir (podem ver isso na primeira foto do Hugo a desenhar, lá em cima). Que diabo. Às tantas, não aguentei a curiosidade e fui lá ver. Também me ri. O que é que está aqui, perguntou o Hugo. Tenta adivinhar, mas duvido que consigas.
Une camèra. |
Hora do alongamento de pescoço. |
Update: Este Marcotte está enterrado lá. Hey, Charles! Obrigada pelo telhado.
9 comentários:
Isto era material para um mês de posts. Ai, o detalhe, o detalhe do detalhe.
Cria lá o novo blogue, que estás a converter-me à tanatofilia.
Maravilha :)
Venham daí esses ossos góticos, Gralha!
PS - li algures que os apaixonados dos cemitérios eram tatophyles. Será tanathos, mesmo? Eu sou as duas coisas :P
TaFÓfilo, é assim.
Tafófilo é extremamente tafofinho.
O próximo será portanto o quinquagésimo blog que a melissa cria, certo?!!
Há 2 anos trabalhei no projecto de construção de um memorial aos mortos no ultramar (do meu concelho). Pus na cabeça imortalizar ainda mais os perto de 30 homens daqui que lá morreram colocando, no livro da cerimónia, a fotografia de cada um. Alguns consegui junto das famílias, outros... tive que ir fotografar as fotos nas sepulturas. Corri os cemitérios ao fim-de-semana, com o R. coladinho a mim que não entrava lá sozinha, isso não. Se soubesse tinha-te convidado para a tarefa... :)
Estou sempre pronta para projetos desses!
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