... A gravidez não corria bem, e vivíamos isolados no cu de judas adentro. Era preciso fazer um exame sofisticadíssimo, uma ecografia. E, para tal, tínhamos de ir a Santarém, uma viagem de barco. Por algum motivo, fui com ela. E o meu irmão na barriga.
Ora bem, o Amazonas não é o Tejo, nem a viagem de barco no Amazonas é uma travessia para o Seixal. Para chegarmos a Santarém, levávamos uma noite e uma manhã de barco. As pessoas armavam redes no convés, iam a dormir a noite toda. Mamãe, por estar grávida, alugou um camarote. Não pensem também que é o camarote do HM Queen Elizabeth, estava mais para um comboio indiano, classe económica: era uma cabina do tamanho de uma casa de banho com duas beliches vendidas ao acaso. se abríssemos a porta, éramos devorados por insetos (não discorrerei sobre insetos da floresta tropical); se a fechássemos, o cubículo chegava facilmente aos 40 graus, mesmo à noite. Por isso, passávamos muito tempo simplesmente acordadas no convés, a ver a água preta, um breu de preta, a floresta preta, tudo preto e cheio de sons, de sombras se houvesse lua, tudo cheio de noite. O motor do barco. Peixes grandes, enormes, movimentos na água. O silêncio dela, da minha mãe. "Ameaça de aborto" foi uma expressão que aprendi na altura. "Em Santarém vamos comprar um conjuntinho para ti. E um maiô".
Ela morria de medo de perder o bebé. Morria de medo.
Continua...
2 comentários:
Estou sentada na bordinha da cadeira à espera de mais.
Fogo... fiquei de coração minúsculo...
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