sábado, 17 de novembro de 2012

Doce Cantinho

- Hoje a gente vai numa casa de chá.
- Eu não gosto de chá.
- Tem problema não, tem suco. A gente vai é pra comer.

E assim lá saímos nós do Center Um e entrámos por um centro comercial pequenino ali trás, apanhando o bafo quente da rua entre a climatização dos dois shoppings - isso do bafo sou eu a dizer, que não me lembro, é claro. O ar quente de Fortaleza só virou "bafo" muito mais tarde, ao conhecer o frio. Lá fomos nós, mamãe muito empolgada.

- É lindo, Melissa. E tem todos os tipos de biscoitos.

Não fazia ideia ao que ia. Uma pequena portinha com cortina cor de rosa escrito "Doce Cantinho". Uma campainha. Uma mulher abre a porta, pergunta se mamãe marcou alguma coisa, mamãe diz que não, diz que é rápido, só quer que a filha conheça a casa de chá. E a mulher arranja-nos uma mesa.

- Bora, Melissa, bora.

Era uma salinha completa - COMPLETAMENTE - cor de rosa com rendas. Desde o papel de parede aos estofos das cadeiras "coloniais" à toalha das mesas redondas e mínimas "coloniais", vasinhos de violetas em cada uma. Cheiro bom de bolachas no ar, provavelmente coloniais. No Brasil da década de 80, "colonial" era o mesmo que chique, mas isto, tal e qual o bafo quente, sou eu a suprir. Naquela altura, eu não pensava no estilo colonial. Naquela altura, eu via a sala mais linda de sempre, um sonho de bonecas, como o mundo todo devia ser. Havia mais mulheres na sala, todas com roupas demasiado quentes para Fortaleza, com meninas que usavam meias. Lindo, lindo, como o desenho da Cinderela e o da Bela Adormecida ao mesmo tempo, e éramos só eu e ela ali e ela estava a dar-me aquele momento de presente.

- Não é lindo? É caro, mas é só hoje.

Vieram cestinhos de pão e bolachas, doce de morango (e não de goiaba ou banana). Bebi chocolate quente, que detestei - não tinha suco. Comi tudo e aquilo parecia comida do céu, nada a ver com biscoitos vitaminados São Luiz. Era tudo diferente e cor de rosa. O que importava é que era cor de rosa. Mal falámos, eu e ela. Estávamos ali a beber e a comer cor de rosa, mesmo sem meias, mesmo com o cabelo eternamente emaranhado e cadernos meio sujos com letra feia e a calcinha sempre aparecendo por cima do short, um dente escurecido por uma queda, mesmo meio tortinha como eu era e me sentia, ela levou a sua menina à casa de chá Doce Cantinho.

Meu Deus, como a amei nesse dia.

Lembrei-me deste episódio ao barrar uma fatia de pão com doce. Grata pelo pão, grata pelo doce, grata por ter tido mãe durante tanto tempo, mesmo que, por vezes, aos trancos e barrancos. Muito, muito grata por me lembrar destes momentos.

5 comentários:

Ana C. disse...

Só consigo escrever isto:
:)

Naná disse...

Momento lindo mesmo!
Esse ficará para sempre :)

disse...

Que flashback tão bonito, Melissa!
A nossa mente guarda todos os bons momentos, mesmo aqueles mais longínquos ;)
Ás vezes também os tenho, às vezes também pelas memórias dos meus filhos mais crescidos, que viveram tão bons momentos com a avó... De uma ou de outra forma são sempre momentos maravilhosos!

gralha disse...

Muito obrigada poe este episódio (nesta segunda-feira de manhã) :)

Mary QA disse...

Oh Melissa, que post lindíssimo.
E é essa a mãe que eu quero ser também.
Que inspirador!