Não tenho vergonha nenhuma de dizer que já fiz terapia umas quantas vezes (e duvido que me fique por aqui - como disse a minha última (e melhor) terapeuta, sou uma mulher elaboradora. Tenho de analisar tudo, quebrar os eventos até não restar mais nada. Não é o tipo de coisa que se possa fazer inteiramente com amigos, nenhum resistiria (se bem que tenho algumas amigas incrivelmente resistentes ao meu eterno chafurdanço mental). Mas este não é um post sobre terapia, é um post sobre lugares especiais.
Supostamente devíamos trazer o nosso lugar especial - aquele sítio nosso onde podemos refugiar-nos dentro da nossa cabeça quando precisamos de ar, aquele de que nos lembramos com cores vivas, reais ou supridas pela nossa imaginação, a nossa bolha de felicidade - e eu trago o meu lugar especial dentro de mim, sim. Mas não inteiramente. O meu lugar especial existe lá fora, e é tão longe, caramba. Porque diabo não escolhi um mais perto? Sintra, por exemplo, que é o lugar especial de um amigo querido que mora longe.
Não, o meu lugar especial é na fronteira do Ceará com o Rio Grande do Norte e é para lá que a minha mente vai quando eu preciso. Um bocado do meu coração está lá desde sempre - talvez porque tudo de Icapuí me lembre amor, exclusividade e pertença quando nenhum dos três tinha nome. Icapuí lá estava para as férias e fins de semana prolongados cheios de peixe, de água calma e barrenta, de areia insuportavelmente quente ao meio dia. Não havia TV. Não havia eletricidade durante a maior parte da minha infância. Mas havia os banhos de mar morno (como todo mar havia de ser) mesmo à porta de casa, o catar pedrinhas no meio das rochas, as piscininhas de água salgada quando a maré baixava. Bicho de pé. Caju. Mexilhão. Lagostim. Reflexo da lua na areia molhada. O som da água à noite e de manhã. Mamãe e papai juntos, depois só papai ou só mamãe. O Nando bebé, meu nenuco tardio. Tanta pena que eu tenho de o meu irmão não se lembrar de Icapuí.
Talvez passemos o nosso primeiro Natal em família no Brasil este ano e, se assim for, tenho de lá ir. Sei que não vou encontrar o mesmo lugar - e graças a Deus, porque sou demasiado princesa para meio selvagem estes dias -, mas a areia ainda deve ser insuportavelmente quente e a água, calma e barrenta. E vou dizer ao Gabriel: foi aqui que o teu bisavô nasceu. Foi daqui que partiram em burros para Fortaleza, tinha ele sete meses. Foi aqui que parte de ti começou, e Icapuí vive em ti também, meu amor. Não sentes?
10 comentários:
Há coisas nos nossos lugares especiais que não podem nem devem mudar nunca!
Sim, é importante mesmo que saibamos de onde vimos!
Que texto lindo, Mel! Que lindo!
(e eu adoro que sejas elaborada!)
Melissa, quando acabares o O. escreve um livro com os teus lugares, as tuas pessoas e as tuas cores. Por favor!
Amei este post!
Estou à espera da história certa, Ginguba!
Queria um lugar especial assim...
Estou aqui, estou a trocar o meu lugar especial (no Algarve) pelo teu. O que causa um pouco mais de transtorno.
Apenas uma questão técnica : Pode uma pessoa que nasceu num sitio especial, mas não se lembrar porque veio embora muito cedo, como o teu irmão, ter esse sitio, como o seu sitio especial ? Porque ouviu muitas historias e viu muitas fotos ?
Claro! O sítio especial tem as cores que quiseres. Pode até ser totalmente inventado. O Brasil do meu irmão, por exemplo, não existe no mundo real.
Deve ser como o meu Moçambique, então. Perfeito.
tão bonito.
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