terça-feira, 12 de março de 2013

No comboio

A caminho de casa, perto das 23h. Uma miúda e dois rapazes, comecinho dos 20, sentam-se ao meu lado. Ela é uma coisinha energética, uma bomba de vitalidade que fala sem parar. Bonita. Os dois rapazes ouvem e pontuam quando ela deixa. Mas estão, sobretudos, deslumbrados com ela.

"... E fui a uma entrevista e dois dias depois estava a trabalhar, mas o gerente é cabrão e sei que..."
"... Fui para Odivelas, porque, tipo, na minha zona não contratam pretos, é muito difícil..."
"... Quando chegar aos 28 anos já sei, quero ter trabalho fixo, marido, filho... Quero isso tudo..."
"... Não, não danço kizomba, não danço nada, péssima dançarina. PÉSSIMA..."
"... Feio não dá com feio. Um casal tem de ser um bonito e um feio..."
"... Se eu andasse na faculdade o passe era 27 eur? A sério?..."

E fala, e fala, e fala, e deslumbra. O rapaz à sua frente é cagão, é mais do campeonato dela, completa as piadas, entende o que ela diz. Mas o rapaz ao lado... o rapaz ao lado está hipnotizado. É o da faculdade. Fala pouco. Tenta tocar-lhe de vez em quando. Ela não parece notar, ou nota muito bem - merda para o meu ângulo, se soubesse que ia ter algo tão interessante a acompanhar-me a casa ter-me-ia sentado no banco da frente, em vez de virada para os adolescentes borbulhentos a chafurdar em pacotes de My Time de chocolate (e a comer apenas o chocolate - porque diabo não compraram uma tablete?). O rapaz hipnotizado vai gaguejando uma coisa ou outra. Pouco.

Ela sai em Carcavelos para apanhar o autocarro com o passe da irmã que está de baixa e volta ao trabalho no dia seguinte, porque blablablablabla....

O tímido suspira um suspiro pesado, põe a cabeça entre as mãos. O assertivo inclina-se, mete-lhe a mão no ombro.

- Man, não podes fraquejar agora, man.
- Ela dá cabo de mim, man. Esta mulher dá cabo de mim, não sei mais o que fazer. O que é que eu faço, man?
- Fica na tua. Fica na tua, está a correr bem.
- Achas?
- Então não se vê, man?

O comboio chega à Parede, e finalmente posso trocar um olhar com o tímido. Sorrio, porque está mais do que na cara que ouvi tudo que foi dito nos 45 minutos anteriores. "Estás lixado, tu", digo com os olhos, e saio, morta de pena de não ouvir o resto do plano do amigo. Por outro lado, sei o horário da rapariga para o resto do mês, posso voltar a tentar a minha sorte a ver o desenrolar da coisa.

Claro, fiz o resto do caminho a pensar nos dois amigos, enquanto isto tocava dentro da minha cabeça, com sérias falhas na letra.

7 comentários:

Ana C. disse...

É a parte boa dos transportes públicos. Voto na eventual perseguição à miúda. Se já sabes os horários...
Aguardo:)

Naná disse...

Muito bom!!!

Espero que haja mais crónicas do quotidiano do puto tímido e a miúda bomba de vitalidade!

Sabes, é disto que por vezes sinto falta dos tempos em que vivi em Lisboa e andava de transportes!

Anónimo disse...

Faço minhas as palavras da Naná. Se tivesse tido juizo tinha escrito um livro só com o que se ouve, já viram que sucesso?!...
Chego a ter saudades das quase 4 horas no regional da beira baixa... e das pessoas carregadas de flores, couves e mantimentos vários caseiros para levar aos filhos... Uma vez uma casal estava a comer um pãozinho com queijo, duas garrafas de plástico, uma com vinho para ele, uma com sumo de laranja para ela. Paninho estendido para aparar as migalhas. No final da bucha a senhora abriu a janela para sacudir as migalhas e entra tudo para dentro, migalhas no cabelo e roupa de pessoas num raio de 5 metros, eu incluida, foi um fartote. E nunca mais me esqueci disto...

Melissa disse...

Lindo, Vera :)

Joana Félix disse...

Fico (ansiosamente!!!) à espera do desenrolar... :)

Naná disse...

Ahahahahahah... Vera, desculpa mas essa das migalhas é de gargalhar!!!!!

Su disse...

Que história maravilhosa.