sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Quando a minha mãe entrou oficialmente em estado terminal*, eu passei a ser a filha da mulher que ia morrer. Era assim que as pessoas olhavam para mim. Não havia outro assunto possível, não havia brechas. Eu só queria pôr a conversa em dia, falar da novela, fazer uma piada. Mas não dava, não havia clima, porque estava toda a gente a "pôr-se no meu lugar", gente boa,  muito boa, desejosos de ajudar de alguma forma, ansiosos por me dar colo. Mas eu não queria colo. Eu queria respirar. A única coisa que eu queria era que me tirassem daquele filme de terror nem que fosse por dois minutos, e não me incentivassem a chafurdar nele.

Só passei quatro dias assim. Tudo com a minha mãe se precipitou misericordiosamente depressa. Graças a Deus.

Nem imagino o que é passar meses à espera do inevitável. Meses à espera de que o resto da vida comece, meses à espera de ver como será a perda, se seremos engolidos, se morreremos também.

Cada vez que a minha amiga Ju faz like a uma foto minha no Instagram ou no FB, mando-lhe uma mensagem alusiva à tragédia que ela está a viver. Obrigo-a a posicionar-se quando ela provavelmente só quer uma escapatória qualquer durante um segundo que seja. Uma pessoa pensa que aprende, mas não aprende nada, estamos sempre a mudar de papéis, a cumprir o guião que nos compete do zero. Um diabo, isto. 

*Não sei como se diz isso em mediquês, se há algum termo consagrado. Refiro-me, obviamente, ao momento do "sua mãe não vai melhorar". 

4 comentários:

Naná disse...

Sim, estado terminal é o correcto... porque tive vários médicos a frisar isso mesmo, para justificar o não internamento da minha mãe, quando nós já não tínhamos como cuidar dela...

Ao contrário de ti, ninguém me recordou constantemente que era a filha da mulher que estava a morrer. Muitos amigos meus e colegas de escola nem sequer sonhavam do que se passava comigo quando eu saía da escola... Muitos ficaram chocados mesmo quando eu comuniquei que a "minha mãe morreu!" assim secamente... porque apesar de eu não querer atenção constante, quis muitas vezes um abraço e um pouco de preocupação de quem me rodeava... e foram tantas as vezes que os achei a todos uma cambada de fúteis, mas no fundo sabia que eles eram uns "inocentes"...

Sinceramente? Não sei que situação é mais difícil de gerir...

Curiosamente, sucedeu o mesmo quando o meu pai esteve em coma 2 meses até morrer... o mundo girava normalmente enquanto eu só queria que ele parasse um pouco!

Naná disse...

Ooops... desculpa o lençol de comentário....

Quanto à Ju... não sei como se lida com um "vá para casa e espere!" quando se trata de um filho.... toda a força do mundo para ela!

gralha disse...

Não sei se alguém algum dia aprende a lidar com o calvário, nem o nosso, nem o daqueles que amamos. Nestes dias penso nesta família e não tenho palavras, só muita ternura e muito respeito.

InêsN disse...

por aqui foi mais de um ano de "irreversível", "inoperável", "terminal"...um pesadelo 24 sobre 24 horas.

não imagino o que seja com um filho. nem quero imaginar :(