Os pais do Hugo são separados há muitos anos - como os meus eram. No entanto, são os primeiros a estarem um ao lado do outro tanto nas alturas críticas da vida, como na morte das respectivas mães com uma diferença de três meses uma da outra, em que em ambos os casos foram os primeiros a aparecer, como em coisas perfeitamente quotidianas, como o primeiro email da vida da Lurdes, depois de concluído o curso de informática, ter sido do Tim, com fotos dos netos.
A minha mãe e o meu pai conheciam-se desde a infância, moravam um em frente ao outro. A memória mais remota que minha mãe tinha era a aprender a andar de bicicleta numa enorme pasteleira velha e o gordinho da casa da frente lhe saltar para a garupa, derrubando os dois. Começaram a namorar cedo e cedíssimo se casaram, mesmo sendo duas pessoas muito diferentes. E, no meu modo de ver, cedo perderam o casamento também. Em idas e vindas, conheciam-se como ninguém. Em idas e vindas, a minha mãe sabia tudo sobre o meu pai. E adorava-o e torceu por ele quando ele precisou dela. Anos depois, foi a vez dele de torcer, e torceu, e ficou sem chão quando perdeu não a ex-mulher, mas a melhor e mais antiga amiga.
Adoro ver que, pelo menos na minha família, não há perda de amor com o fim do casamento. Aliás, acho que a única coisa que acaba é mesmo o casamento - tudo que foi edificado com ele permaneceu: os segredos, a cumplicidade, a genuína aceitação e conhecimento, a maturidade.
O amor.
6 comentários:
Uma delicia este texto...
Isto é tão "civilizado", tão maduro. Tenho assistido a algumas separações em que ambos "deitam fora" o passado e envenenam aqueles anos de amor e profundo carinho com as tretas mais estúpidas possiveis.
Acho que nem é uma questão de quantidades ou qualidades de amor, é mais da boa formação das pessoas. Tantos "amores" maiores que o mundo que se transformam em revolta e desprezo... Mas, quando o fundo das pessoas está muito bem edificado, isso faz toda a diferença :)
tão bonito...pois eu tenho o exemplo contrário perto de mim. Um casal que não se fala há anos e anos (muitos mesmo), mas que vive na mesma casa e dorme na mesma cama. E não se falam, nem uma palavra. Inacreditável mas verdade.
Depois de ler mais esta pérola do teu passado, acabei de construir uma teoria:
Quando um casamento surge de uma grande amizade, termina da mesma forma.
Quando é um casamento que surge de uma grande paixão, intempestiva, quente e pulsante, vai terminar desta forma. Não há amizade possível. Poderá haver respeito e tolerância, sim, mas amizade não.
E pronto.
É capaz, é. Mas também acho que vai da própria vida, dos anos que vão passando e a importância das coisas vai mudando, deixando para trás o supérfluo...
É o amor que se vai filtrando através dos anos, lutando por se adaptar ao meio.
O verdadeiro amor tem um instinto de sobrevivência do caraças, é a minha teoria.
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