Uma das imagens mais bonitas que não fotografei foi no dia de Finados passado. Afastei-me para ir buscar qualquer coisa e, quando olhei para trás, estava o Hugo a ajudar a mãe a arranjar a campa da avó, enquanto o Gabriel os olhava do seu carrinho, muito curioso e concentrado.
Acho muito bonito todo o ritual de dia de Finados. O lavar das lages, a substituição das flores de plástico, plantar mais relva, podar a que há. No Brasil é diferente, ou pelo menos é diferente para mim, de família de classe média, que tenho os meus mortos num cemitério particular em que não cuidamos da campa, fazem tudo por nós. Daí achar comovente e bonito as famílias a chegarem e pegarem nos baldes e pás disponíveis à entrada, partilhando mangueiras e regadores, falando baixinho.
Não há muitas lágrimas no dia de Finados. Há muito silêncio e muita paz nos cemitérios, muita saudade.
Ao contrário de quase todo mundo, gosto de rituais fúnebres. Gosto que haja uma despedida, que haja esse momento. Gosto que haja uma campa aonde eu possa ir depositar flores, sentar-me e rezar, e conversar. Não gosto de ignorar a morte. Queria encará-la como parte da vida, e quero que os que foram à minha frente continuem a fazer parte da minha vida. Há quem prefira fazê-lo na intimidade da sua casa ou visitando os locais preferidos do ente querido, mas eu sinto-me mais perto deles no cemitério.
Tenho pena de que minha mãe tenha resolvido (hoje sei que foi assim) morrer onde nasceu, e ser enterrada junto dos seus pais. No dia do funeral, uma prima querida sussurrou-me: ela vai ficar bem juntinho da mãe dela para sempre. E isso consolou-me enormemente, porque não imagino nada mais confortável.
Sei que quem passar por aqui e ler isto vai pensar "ai credo, que mórbida". Li há uns tempos que a morte substituiu o sexo como tabu derradeiro. E recuso-me que assim seja cá em casa. Falarei sempre abertamente da morte, dos meus mortos, dos rituais.
10 comentários:
Pois eu adorei ler isto. Sabes que sempre que visito um país gosto de ver os cemitérios, a forma como tratam os seus mortos? Os nossos são do piorzinho que há, cimento, cimento, cimento com raras excepções. Na Cornualha conheci o cemitério onde não me importava de rest my bones eternamente. Sobre o mar revolto um pequeno cemitério muito verde onde me sentei sem absolutamente pressa nenhuma de me ir embora. Acho que tenho fotos e tudo, ainda vou falar sobre isso.
Ainda continuava a divagar sobre a parte do tabú, mas acho que já chega...
Eu não gosto de cemitérios, mas não por serem feios ou bonitos, é mesmo porque acho que não devíamos ser enterrados, eu quero ser cremada.
Quanto à morbidez ou falta dela, acho que não é nada mórbido o que escreveste. Só estranhei que o tenhas feito no dia a seguir à celebração do teu nascimento ;-)
Eu gostei de lêr a tua reflexão sobre os mortos e não achei mórbido. Achei calmo e sereno e foi bom. Eu não gosto do dia de finados. Gosto de ir ao cemitério em todos os outros dias menos nesse. E sinto-me lá mais próxima dos meus queridos que já partiram mas no dia de finados faço questão de não ir!
Não vejo as pessoas a honrarem os seus mortos nesse dia. Vejo-as a mostrar vaidades aos vivos.
Precis, na verdade estou para escrever isto desde o dia de Finados passado. Hoje acordei com o post na cabeça mas com outro tom, mais sobre os mortos do que sobre os rituais, por isso, sim, é capaz de ser do meu aniversário, que me traz sempre alguma saudade.
Ginguba, pois eu gosto dessa vaidade, sabes? Acho que equivale à vaidade de limpar bem a casa antes de uma visita importante, ou pôr as melhores roupas para o domingo. Acho que não é vaidade, é brio, mesmo que seja para os vivos verem.
Anacê, aparte o significado, sou maluca por cemitérios. Até tenho livros e tudo, é uma tara. Deve ser a única coisa que tenho em comum com o Moita Flores, hehe.
Adoro os Prazeres e o do Alto de São João. Os Prazeres, então, é como aterrares em Nova Orleães, com os seus anjos enormes e assustadores. Há túmulos estranhíssimos ali. Vale muitíssimo a pena uma visita, de preferência guiada - acho que são aos 3os sábados de cada mês.
Aí assumo uma perninha no mórbido, vá. Gosto de espiar para dentro dos mausoléus, ver as fotografias antigas, as mantas que cobrem as urnas, pensar naquela gente toda. É um equivalente macabro a ouvir as conversas dos outros nos restaurantes e autocarros.
(À noite tenho pesadelos terríveis com isso, mas vale a pena, que aqueles anjos enormes são TÃO BONITOS.)
A ver:
http://br.olhares.com/galeriasprivadas/slideshow.php?user_id=48861#id=album458731&num=1618494
fugindo um pouco à linha dos comentários - uma coisa que me irrita profundamente é que aqui no Brasil proibiram em muitas cidades (não sei se em todas, mas me parece que talvez sim) os velórios em casa, porque agora todas têm velórios municipais, uns salões com luz branca e divisórias minúsculas, coisa horrenda. Quero morrer longe daqui se for preciso ser velada assim.
Isso é uma pena, Júlia, ainda empurra a morte para mais longe da vida e a torna mais tabu.
Em casa da minha avó, coisa que não faltava eram fotos de velórios, com toda a gente à volta do caixão: crianças, adultos. Era um evento familiar, triste, sim, mas parte do quotidiano.
eu exijo ser cremada quando morrer mas áparte isso também adoro cemitérios.o meu pai morreu qnd eu era míuda e todos os domingos ia com a minha avó ao Alto de São João e passávamos lá a tarde inteira.Enquanto ela ficava junto à campa eu corria o cemitério inteiro e conhecia-o como as palmas das minhas mãos e adorava!Ainda hoje o cemitério significa pra mim um lugar de paz e nunca tive pesadelos.foram dezenas de domingos a vaguear naquele cemitério e não os acho mórbidos,acho-os um descanso.ali ninguém te chateia.quanto à parte do ritual,o velório,o funeral e tudo já me custa mais mas isso é poque já enterrei muitos dos meus e é sempre doloroso.prefiro o depois.
Olá! Gostei do seu post, também gosto de pensar na morte desta forma, acredito que a morte é só uma continuidade da vida. Até achei interessante o que uma escola aqui no Brasil fez com os alunos, que foi levá- los ao cemitério. Bom pode parecer estranho mas concordo que a morte tem que ser um processo natural assim como a vida! Particularmente não gosto de ir em enterros, mas gosto dos cemitérios, tem muitas histórias neles. Bom um grande abraço.
Ser Estranho Ser!!
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