domingo, 4 de dezembro de 2011

A minha caderneta de cromos - parte I

Enquanto vocês andavam a mudar do canal 1 para o 2 e a ver a desconhecidíssima-para-mim Abelha Maia, a minha vida era outra, ali do outro lado do mar. Até aos 10 anos, tenho quase a certeza de nunca ter vestido mangas compridas e nunca ter comido morangos.

Na saída da escola, não havia gomas coloridas para vender, era algo que faria os naturebas de hoje em dia gemer de prazer verde: o puxa da cana, doce 100% natural e artesanal.


Era um homem muito baixo, de pele escura e curtida, que ficava à porta da escola puxando a cana com as mãos (bare hands, nada de luvas nem mariquices de espécie alguma)e vendendo o puxa em dois tamanhos, de 20 e de 50 - não me perguntem a moeda, não faço ideia. Como sabem, nós, brasileiros, mudámos de moeda algumas vezes nos anos 80/90.
O puxa é um doce dinâmico, tem de estar sempre a ser puxado e esticado, porque se não fica duro. Tem consistência de caramelo (que é o que é, na verdade) e é quente, e cola-se aos dentes like a bitch. Imagino que ainda se faça nos engenhos, mas duvido que ainda haja homens muito pequenos e escuros a vendê-lo à porta das escolas, já que somos todos tão assépticos hoje em dia.

1 comentário:

Julia disse...

Eu usei muitas mangas compridas, desde nascida. Fazia menos cinco no inverno em nosso sítio! Além de me encapotar e cobrir, minha mãe jogava um cobertor por cima do berço, de manhã via que eu estava acordada pelo coquinho andando para lá e para cá.

Na porta da escola tinha um alto senhor negro, muito arrumado, chapéu panamá sobre cabelos de algodão, com um belo sorriso e uma voz rouca, que vendia cocadas em uma cesta também impecável, com tampa dupla. Tenho saudades dele, mas é provável que já não esteja vivo.

Nunca vi esse puxa, não morava em região de cana (agora tudo é região de cana, virou praga). E acho que São Paulo ficou civilizada e asséptica bem antes de Fortaleza.